Dentre as muitas comunidades que margeiam o rio Mearim, São Raimundo, um povoado a 23 quilômetros de distância da cidade Pedreiras, Maranhão, historicamente trava uma luta por acesso à água potável de forma regular. Direito humano universal, segundo resolução aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2016.
No Brasil, que detém 12% da água doce do mundo, cerca de um milhão de brasileiros foram afetados por cheias e inundações, apontam dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID). Outros 43 milhões (90% deles residindo na Região Nordeste) foram prejudicados pela seca, segundo dados de 2018 do “Conjuntura”, informe anual que busca fazer “o acompanhamento sistemático da situação dos recursos hídricos no país”, esclarece à Agência Nacional de Águas (ANA). Na cheia e na seca um denominador comum: o abastecimento de água é afetado. A crise hídrica apontada por “profetas” e cientistas já chegou, mas São Pedro não tem nada a ver com isso.
Os moradores de São Raimundo não reclamam do que chamam de “inverno”, termo usado em referência ao período chuvoso. Em virtude das intensas chuvas que caíram durante boa parte do primeiro semestre de 2020, viram, inclusive, o Mearim transbordar. Os canos estão presentes, a água até chega, mas é dia sim, dois, três dias não.
“Já faltou!”. Maria Juliana da Silva, 69 anos, abre a torneira com decepção. “Tem vez que passa é dias sem água aqui. Quando é 4h da manhã ela chega e até 11h fica. Agora só no outro dia. Pego, encho as coisas, a caixa para dar água aos porcos e lavar o chiqueiro. Para lutar com as coisas dentro de casa encho um bujão. Aqui no São Raimundo é só um poço, mas é muita água né?”.
Ela não mente, há em abundância, mas nem sempre encanada. Foi essa realidade que fez transbordar a indignação dos campesinos de São Raimundo, a ponto de na manhã do dia 27 de setembro de 2013, bloquearem a MA-381, que liga Pedreiras ao município de Joselândia. Naquela conjuntura, os moradores reivindicaram da Prefeitura de Pedreiras, sob gestão de Totonho Chicote, a conclusão da implantação do Sistema de Abastecimento de Água Simplificado, obra orçada em R$ 1.909.717.59, iniciada na gestão do ex-prefeito Lenoilson Passos.
“Trabalhava no povoado Pacas e passava todo dia vendo aquele poço ali. Eles tinham feito um trabalho pela metade: cavaram e deixaram a água jorrando. Não fizeram a encanação e nem outra forma para que não derramasse água. Procurei algumas pessoas da comunidade, entre elas Dijé e seu Firmino. Eles já tinham falado com o poder público, com a empresa Hidrosonda, que deixou o trabalho incompleto. Dialogamos sobre o ‘Fóruns e Redes da Cidadania’, um movimento que tínhamos, pra gente começar a fazer algo em prol da água”, relembra o professor Jaime Ribeiro Lopez.
Os passos seguintes foram as articulações da comunidade que, segundo o professor, padecia com o problema e não obtinha do poder público a devida solução. O bloqueio da MA-381 era uma das ações que visavam chamar a atenção das autoridades na época, incluindo o Ministério Público. Com isso, conseguiram realizar uma audiência pública contando com a presença de representantes dos diversos setores da sociedade naquela ocasião.
“Não era o caso apenas de São Raimundo. Na época havia um contrato da prefeitura com uma empresa para fazer sete poços artesianos em comunidades rurais de Pedreiras. Não havia nenhum funcionando. O prazo das obras já tinha se encerrado e não tinham entregue nenhum desses poços. Foi a partir da luta na comunidade que foi possível ter acesso ao projeto. Importante, pois ajudou outras comunidades. O ‘Fóruns e Redes da Cidadania’ trabalhou no sentido de unir, esclarecer algumas questões e repassar algumas informações: valores das obras, as comunidades a serem beneficiadas”, ressalta Jaime.
A moradora Maria Edileusa Ramos Leal (52 anos), Agente Comunitária de Saúde (ACS), levanta outra questão. Segundo ela, não há tratamento da água e muito menos manutenção das estruturas, o que coloca em cheque a qualidade da oferta. “As famílias consomem mais água mineral. Nós compramos os garrafões. Visito e vejo as pessoas se reclamando: ‘tá com dois dias, três dias que não vem’,” relata. Se queixa da abundância de promessas feitas por políticos em tempo de campanha.
Há dois anos, cabe a Francisco Maciel da Silva Cruz, que presta serviço para a prefeitura, encher a caixa e fazer a distribuição da água para o povoado. É sobre ele que recai parte das críticas em relação ao abastecimento.
“Agora não tem a água e estou zangado”. Relata o morador Luis Costa, (64 anos), após retornar de uma manhã de trabalho. “Se houver algum problema no encanamento ele tem que caçar. A gente não pode é ficar sem água meu patrão! Irei lá para Pedreiras procurar meu direito. Se você não pode trabalhar, tem quem queira. Vão atrás dele e digam que a água tá faltando aqui para nós. Foi só eu quem falou isso?”, indaga Luiz visivelmente insatisfeito com o serviço viabilizado pela prefeitura.
Francisco Maciel, entretanto, diverge. Argumenta que os transtornos derivam da falta de consciência de boa parte dos moradores da comunidade que resulta no desperdício. “Quem depende do jorro não tem falta d’água, só quem depende da caixa (50 mil litros). A água não é infinita. A maioria não tem caixa para armazenar e se tivesse haveria água na parte da tarde. Não custa nada cada morador ter sua caixa”.
“Mas os moradores não tem por falta de condição ou por simplesmente não querer?”, indagamos.
“Uns é por falta de condição, mas a grande maioria é por falta de consciência mesmo”, pondera Francisco. Para ele, enquanto houver desperdício, a realidade posta continuará. “Fico sabendo, às vezes, pelo Tribuna 101, mas ninguém vem na minha casa”, acrescenta.
Entramos em contato com Francisco Florêncio de Sousa, atual Secretário de Infraestrutura da gestão do Prefeito Antônio França, responsável pela gestão da água no povoado, mas até o momento não obtivemos resposta.
Por Joaquim Cantanhêde e Mayrla Frazão