A Articulação Agro é Fogo vem a público denunciar a grande ocorrência sistemática de incêndios criminosos nos últimos meses nas áreas da Amazônia Legal, no Cerrado e, principalmente, no Pantanal, gerando impactos significativos sobre a saúde humana, a fauna e a flora locais. Os incêndios afetam as comunidades e territórios tradicionais, indígenas, quilombolas e camponesas, afetando a produção de alimentos e a segurança alimentar dessa população. O fogo criminoso devasta a terra, a incapacita de ser produtiva, ao formar camadas de cinzas e destruir seu patrimônio genético. Esses impactos se estendem à saúde da população dos centros urbanos, a exemplo do ocorrido em Boa Vista, Roraima, em março de 2024.
Antes de recuperar as graves cicatrizes dos incêndios de 2020, o Pantanal volta a ser incendiado. Só entre 22 a 23 de junho, foram registrados 256 focos de calor, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A área destruída já está em torno de 576,1 mil hectares, sendo 430,1 mil ha no Mato Grosso do Sul e 145,8 mil, no Mato Grosso, conforme dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Apenas em Mato Grosso do Sul (MS) são cerca de 248 focos e o município de Corumbá é o mais atingido até o momento, concentrando 85% dos incêndios. O governador de MS declarou situação de emergência em algumas cidades.
Como sistematizado no DOSSIÊ AGRO É FOGO, no artigo “Fogo no Pantanal: é a casa das comunidades tradicionais pantaneiras que queima”, situações de incêndios nessa região não são comuns, até porque estamos falando da maior área alagável contínua do mundo. O alastramento dos incêndios, ainda mais em época de estiagem, é fortemente acionado por práticas humanas relacionadas ao avanço do agronegócio por pastagem, plantações de monocultura e pecuária através de grandes fazendeiros. As Comunidades Tradicionais Pantaneiras, do Cerrado e da Amazônia têm chamado ações como essas de incêndios criminosos e intencionais, provocados pela ação humana.
É importante salientar que, desde 2023, as comunidades e organizações pantaneiras têm alertado que a situação poderia se agravar se nada fosse feito. Mesmo diante dos alertas, a verba para fiscalização ambiental, prevenção e combate a incêndios, na versão aprovada pelo Congresso e sancionada pelo governo, foi reduzida.
A Articulação Agro é Fogo também vem denunciando desde 2020 os incêndios criminosos como ações relacionadas à expansão da fronteira agrícola, a falta de medidas efetivas para controle dos incêndios e a falta de políticas de prevenção e responsabilização daqueles que insistem em incendiar os campos e florestas. A ausência de políticas públicas para amenizar os impactos às comunidades e territórios também é um elemento importante a ser considerado, como é o caso de Barra do São Lourenço no município de Corumbá – MS, que têm sido duramente atingido, há anos, pelos incêndios. Tanto que, em 2022, Barra de São Lourenço foi um dos territórios que apresentaram denúncias na Audiência Pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, junto a Comissão Externa de Queimadas em Biomas Brasileiros.
Tem muita gente aqui com problema respiratório, teve gente que desmaiou, eu mesma estou com problema, até hoje tenho uma coceira no corpo, outras pessoas também têm, não sei o que pode ser. E já a gente tem que fazer exames pra saber e teve gente que ficou ruim, várias pessoas desmaiaram devido à fumaça, à cinza – Leonida Aires, moradora da comunidade tradicional pantaneira Barra de São Lourenço (Corumbá – MS) e presidente da Associação de Mulheres Artesãs Renascer (DOSSIÊ AGRO É FOGO, 2021).
Os impactos dos incêndios criminosos sobre a saúde humana têm sido objeto de inúmeros estudos e especialistas, com evidências suficientes do aumento da carga de doenças, hospitalizações e óbitos devido à exposição, a curto e longo prazo, aos poluentes gerados pela queima da biomassa, especialmente, em grupos mais vulneráveis como crianças e idosos, seja no campo ou na cidade.
E estamos assim, com essas dificuldades de saúde justamente por causa do fogo e por causa dessa fatalidade que aconteceu no nosso Pantanal. Esperamos muito em Deus que isso não volte a repetir, mas estamos com medo, porque a gente já viu vários lugares pegar fogo novamente, e aí vai matar por completo a nossa natureza e vamos passar por mais dificuldade. Porque só com isso que passamos nós não temos quase peixes, não temos iscas; as plantas que a gente planta, se a gente não tá em cima não vai para frente, porque a terra está seca, sem vida e a gente tá aí vivendo de apoiadores – Leonida Aires, moradora da comunidade tradicional pantaneira Barra de São Lourenço (Corumbá – MS) e presidente da Associação de Mulheres Artesãs Renascer (DOSSIÊ AGRO É FOGO, 2021).
Além das denúncias, as comunidades do Pantanal, Amazônia e Cerrado têm organizado brigadas comunitárias fortalecendo suas ações de prevenção aos incêndios. Com a crise climática adjacente e as previsões, além do aumento do investimento na prevenção e no combate, é necessário políticas públicas que priorizem as comunidades e territórios com a ajuda humanitária, o apoio e incentivo às brigadas dos povos tradicionais, à ampliação da agroecologia, do reflorestamento de áreas degradadas pelo fogo, tendo em vista a recuperação das áreas afetadas. Isso sem esquecer da fiscalização e punição efetiva dos devastadores dos territórios.
Mais que viagens à Europa, para debater sobre a redução do desmatamento, prevenção e combate aos incêndios nos territórios, é preciso que as ações sejam locais e saiam do papel e das simples boas intenções. O silêncio e a morosidade da Ministra do Meio Ambiente junto a greve dos servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em um período crítico, é sintomático.
É preciso manter os territórios de vida e todas as vidas que neles existem. O Pantanal, nesse momento, revive seu momento crítico como foi em 2020 e anos seguintes, destruído pelo fogo criminoso. É urgente que as autoridades se posicionem com medidas rápidas de controle e prevenção aos incêndios, para que não percamos mais a sociobiodiversidade existente nos territórios e mais vidas sejam impactadas.
Quando se destrói o Pantanal – a maior planície alagada do mundo, quando se destrói o Cerrado – o berço das águas e a savana mais biodiversa do mundo e quando se destrói a Amazônia – a maior floresta tropical do mundo, são as casas, os saberes milenares e ancestrais dos povos e comunidades tradicionais desse lugar que estão sendo destruídos!