Gestores, não façam isso em casa
O que as estradas de terra e a escola da comunidade Mandis da Bárbara tem em comum? Ambas são responsabilidade da prefeitura de Poção de Pedras, interior do Maranhão. A julgar pelo estado delas, são mais obstáculos que via de acesso. Se para quem quer chegar, a lama e os buracos são afrontas, a escola desativada e o espaço de estudo improvisado são armadilhas para as crianças do povoado. Sonhos tão novos à sombra de verdadeiras arapucas.
Não é por falta de engenheiros que a escolinha se acha sucateada, inclusive, ao chegarmos demos de cara com alguém que tratava de vistoriá-la. Os moradores relatam que se o problema fosse visita técnica, a realidade educacional ali seria outra. Na ausência do poder público, os cupins fazem uma festa silenciosa.
“Sempre reclamando, mas nada resolvido”, pontua Nayara Barroso Nunes (24), mãe do pequeno João Lucas (06), um dos alunos da Unidade Escolar Santo Antônio. “Vem um, vem outro. Fala que ela não aguenta reforma, outra tem que ser construída, mas só se faz reforma. Nada se resolve”, pontua a mãe, convidando-nos a entrar em um lugar desagradável até para o santo homenageado.
O portão tomado pela ferrugem, as paredes manchadas, os buracos no teto, os livros “lidos” pela poeira, espaços feitos para os computadores, não ocupados pelos equipamentos, são um tutorial de como negar educação de qualidade em um país regido por uma Constituição, que a concebe como “direito de todos e dever do Estado”.
“É péssimo saber que ele vem para cá correndo o risco da escola cair por cima dele”, diz Angélica Lima da Silva. Aos 20 anos, nascida e criada ali, a mãe do aluno Heitor Lima (6) diz desconhecer uma realidade diferente. Nada que os governantes locais não saibam.
Ao todo, 28 crianças frequentavam a unidade que conta com o trabalho de 3 professores (2 contratados e um efetivo). Ela é destinada à oferta da Educação Infantil e Ensino Fundamental, dividida nos turnos matutino e vespertino. Diante do evidente risco, relatam os moradores, o espaço foi desativado e em 2024 os alunos foram direcionados para uma casa, que serve como local de estudo improvisado. Na região outro termo poderia ser usado: gambiarra. As atividades, contudo, foram paralisadas após parte da estrutura despencar.
O papoco foi ouvido por dona Maria Abreu (82). Apesar da idade avançada, teve perna para correr e ver parte dos alunos pulando pela janela, a base de susto.
“O menino [aluno] foi para o banheiro. Foi quando a parede caiu e os outros correram para os cantos. A gente fica pensando: se fosse no horário da manhã, das crianças? Elas não tinham agilidade de correr. Os grandes tiveram como se livrar”, pondera dona Maria.
A cena descrita anda a léguas do que diz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Ela não deixa margem para dúvidas quando delega aos municípios brasileiros a responsabilidade de “oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental”. Ainda no Art. 11º estabelece como dever dos municípios: “organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino”.
É a fuga da ausência de efetivas políticas públicas de educação que faz com que a aluna Marília Sousa se desloque de sua comunidade, Lagoa Velha, em busca de melhores condições em Mandis. Seu relato mostra que vem sendo em vão.
“Alunos ficam quase sem sentar, porque não tem cadeiras, professores tem muito pouco”, pontua Marília.
O jornal O Pedreirense apurou, via Diário Oficial do município, ter havido, em dezembro de 2023, a abertura de um processo licitatório (em fase de análise de documentos das empresas concorrentes) com valor estimado em aproximadamente R$ 3.500.000,00. O objetivo seria a “contratação de empresa de engenharia especializada na execução dos serviços de reforma e ampliação de prédios da educação na região Beira Rio no município de Poção de Pedras/MA”. O recurso, segundo o documento, tem como fonte o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) mais complementos da União.
A Escola Santo Antônio, de Mandis, figura, segundo licitação, entre aquelas que deverão passar por reforma.
Dados verificados no Tesouro Nacional Transparente mostram que de janeiro a março de 2024, foram repassados a Poção de Pedras R$ 8.569,024 referente ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb.
Além da infraestrutura, outra carência apontada é a de merenda escolar. “Quando vem é pouca. O mais servido é suco com biscoito salgado, ou cuscuz com achocolatado”, afirma Nayara.
Cabe frisar a existência do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Segundo resolução de 8 de maio de 2020, o objetivo do PNAE é “contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de práticas alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo”.
Junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o OP apurou que de fevereiro a abril, já foram repassados a Poção de Pedras, via Banco do Brasil, R$ 272.785,40, correspondentes a Creche, Pré-escola, Atendimento Educacional Especializado (AEE), Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
“Queremos escola nova”. O apelo das crianças do campo, em forma de coral, denuncia uma das muitas realidades distantes de uma educação verdadeiramente plena. Ainda que para bom entendedor poucas palavras bastem, dona Sandra Brito (35) não fez arrodeio na escolha delas. “É muito triste. Quando vem para o colégio não tem nada que preste”, diz a mãe de João Paulo Brito, aluno que decidiu ir ao banheiro minutos antes da parede cair.
O OP buscou, via Instagram , ouvir o gestor municipal, Francisco Pinheiro, mas até o momento não houve retorno. Também buscamos esclarecimentos da secretária de Educação, Maria Edna Pereira do Nascimento. Ela encaminhou, via WhatsApp, a seguinte resposta:
Como desejo escolas estruturadas, estradas vicinais com acesso o ano todo, porém nem tudo está ao nosso alcance o tempo todo. Dependemos do período chuvoso nessa época, assim também como dependemos de prazos para se concluir uma obra.
Se você ou algum cidadão ou cidadã considerar só as situações surpresas ou que não estão ao nosso ver, sobre nosso total controle. Somos seres humanos e não saímos de casa para trabalhar desejando que as coisas venham dar erradas, nossa intenção e vontade é que seja o melhor.
Sobre o processo licitatório, tínhamos um que estávamos fazendo reforma em várias escolas no decorrer do ano. Só que ele expirou e estamos fazendo um novo por esse motivo, pra poder fazer o trâmite correto.
Sobre a gestão [da educação] fica a teu critério mas eu considero boa. Nenhuma outra gestão havia se comprometido em reformar todas as escolas da rede municipal, pagamento sempre se dando de forma antecipada e tivemos as melhores notas/índices de todos os tempos.
Será feita uma reforma e ampliação da unidade. O projeto já está feito por sinal.
A merenda o repasse federal nunca foi suficiente pra suprir a necessidade. O valor por aluno ano passado era em torno de 0,50 centavos por dia letivo… a conta não fecha. O cardápio da merenda é elaborado por nutricionista, obedecendo os critérios de nutrição estipulados.
ERRATA: Na reportagem (vídeo), ao contrário do que foi narrado, os repasses (2024) para Poção de Pedras, referentes ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb, até aqui, chegam a oito milhões, quinhentos e sessenta e nove mil e vinte e quatro reais (R$ 8.569.024,00).
