O ano novo agora é nosso. Renovamos os votos e as esperanças. Na política, isso oficialmente acontece no ato da posse dos eleitos. Como jornalista acompanhei duas. O resultado é sempre aquela dorzinha na coluna e uma penca de material para publicar. Vi França enfaixado em 2016, prometendo ser “um empregado de todos vocês”, disse ela na tribuna, e ontem, ouvi Vanessa Maia citar Martin Luther King, destacando sua luta contra o preconceito.
Comecei a acompanhar, com nítida paixão, a vida política da minha cidade quando Chicona–uma mulher à frente do seu tempo, mas que para ser reconhecida terá que morrer-frequentava as sessões da Câmara Municipal de Pedreiras, isso quando Raimundo Louro, seu ídolo político, era prefeito de Pedreiras. Numa dessas idas me levou. Desde então olho com avidez para o que se passa no claro e na penumbra da política local.
A posse do eleitos é uma grande peça de teatro. Vou além, a solenidade em questão é uma utopia. Enfadonha, cansativa e cheia de odores. O mais pútrido deles é o da falsidade. Dessa parte confesso que gosto, pois costumam reder fotografias interessantes. Me esbaldo.
A graça da posse, dessa e da outra, foi ver Nonatinho, a quem o poeta Joaquim Filho chama de “o andarilho das ruas”, quebrar as regras daquele lugar “sagrado”. Ontem gritou bem alto, “não”, quando Antônio França dissera ter feito o possível. Aprendo com a “loucura” de Nonatinho, com sua ousadia de pisar no tapete azul que costuma meter medo no povo comum. Para a segurança do tapete, há uma galeria e em dias de sessão, é lá que o povo fica, apenas escutando, pois há um vidro que os separa daqueles que os representam. Isso diz muito sobre nossa democracia.
A posse vende a ilusão da uniformidade, da sociedade trajada de terno, como uma mão de via única e não uma árvore cheia de galhos e de possibilidades. A democracia rende-se à burocracia. Na cara de muitos “quando isso vai acabar?” estampado. O mundo lá fora é bem diferente e é com esse mundo divergente que os eleitos haverão de se deparar ao fim de cada sessão. O padrão do rito ilude os desavisados, passa a ideia de que todos ali estão é pé de igualdade, inclusive dentro da engrenagem política. Ledo engano! Existem toalhas e guardanapos e nesse “baquete”, cada um tem sua função e a duração varia.
É na posse que outra ilusão é vendida, a de que a casa do povo é transparente. No ato ocorre a eleição da mesa diretora. Dois vereadores pegam uma urna de madeira e mostram aos presentes que nada há dentro dela. A mensagem é que o processo se dá observando o mais alto nível de lisura e assim são todos os outros. Mentira! Fora naquele plenário, o Messias Rodrigues, que os vereadores da legislatura passada aprovaram um reajuste de R$ 1.500, acima do que recebem os vereadores, no caso de R$ 6.000,000 indo para R$ 7.500,000 a partir desse ano. Antônio França vetou o Projeto de Lei, seguindo recomendação do Ministério Público, mas às margens do “Feliz Ano Novo”, na última quinta de 2020, derrubaram o veto.
Não há que se questionar que a fachada ficou linda, bem melhor que a antiga, mas querido pedreirense, você já deu uma voltinha no site da Câmara de Vereadores de Pedreiras, que existe a fim de acolher o constitucional princípio da “publicidade”? Como mostra o print, abaixo, não houve nenhuma diária. Aos que acessam, fica difícil saber se não houve no ano corrente ou na legislatura que perdura por quatro anos. Não houveram diárias ou as informações não estão disponíveis no site? O rito da publicidade, bem mais útil que o rito da posse, não vale?
A próxima legislatura, que inclui reeleitos, e terá como presidente Dra. Marly (Solidariedade), tem diante de si uma obrigação a cumprir caso queira transbordar para além beleza do discurso. Se o dinheiro público é gasto com um site, que esse espaço virtual sirva e seja atualizado dentro da velocidade possível. Que através dos meios comunicacionais diversos a casa cotidianamente estabeleça contato com os pedreirenses, em especial quando for tratar de temas polêmicos, aqueles com incidência direta no orçamento público.
Aliás, o que mais ouvi ontem foi, “estou aqui para li apoiar Vanessa”, “estou do seu lado prefeita”. Isso vindo de Fred Maia é totalmente aceitável. Vanessa não vai precisar de apoio se fizer o bem, se praticar a boa política, se trouxer, através de seu secretariado, ideias que promovam desenvolvimentos à sua municipalidade. Os vereadores não são pagos para estar ao lado de Vanessa, como não foram pagos para estar ao lado de Antônio França. São pagos para estar ao lado do povo, para impedir qualquer atitude do executivo que vá de encontro aos interesses do povo e da democracia, expressos em lei. Dois discursos me tranquilizaram, porque quebraram a lógica da subserviência, resta saber se há liberdade para além da posse. É preciso que haja.
Uma cena me chamou à atenção na solenidade. A presença, obvia, dos filhos de Vanessa Maia e aqui, que fique bem claro, não tenho nada contra, pelo contrário. Ainda que crianças, aquele momento deve ter para eles um grande significado e deverá povoar-lhes o pensamento por muito tempo, mas ali, quebrando o rigor da solenidade, eram as únicas. Quando a criança da periferia vai poder estar ali também? Quando as crianças do campo vão poder presenciar alguém do campo e com trajetória, por decisão própria, trazendo a lutas campesinas para dentro da caso do povo? A câmara de vereadores ainda é um espaço para os seletos, quem fura essa lógica não consegue abrir a porta para outros.
A “política” que nos é imposta, enquanto forma de poder, é para quem tem tempo e num país desigual, numa cidade repleta de pobres, isso determina o lugar de cada um na suposta casa do povo. Falamos aqui de uma engrenagem de raízes profundas com eco no futuro. O presente escolhe quem nos dominará, mas o faz sem alarde.
Como a posse de 2016, a de 2021 foi cheia de discursos, frases de efeitos e de lágrimas também. Oxalá que a emoção não apague da memória dos eleitos tudo aquilo que fora dito. Que as oratórias de cada um, no dito 01 de janeiro, não tenham ficado presas na urna de madeira.
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