OPINIÃO
Perdi a conta de quantos tiros Zé Inocêncio levou. De certo sei, pelo que assisti e li, que o remake de Renascer (1ª fase), sem sombra de dúvidas, é um marco na teledramaturgia brasileira. O clássico de Benedito Ruy Barbosa, adaptado por seu neto Bruno Luperi, vem garantindo bons índices de audiência, dando fôlego a Globo, que tem amargado um cenário em decréscimo com algumas de suas telenovelas.
Por falar nelas, é importante destacar que por muito tempo foram o conteúdo audiovisual mais popular no Brasil, acompanhando outra popularização, o do aparelho televisor, que deixou de ser um artigo de luxo, estando presente em boa parte dos lares desse país profundo. No Brasil que assistiu a primeira versão de Renascer, em 1993, o televisor era, diariamente, a forma de entretenimento favorita. Agora, 31 anos depois, o panorama audiovisual e as formas de acesso apresentam mudanças marcantes. Hoje, as telenovelas disputam a atenção com outras produções do mundo do streaming. A gama de ofertas, narrativas e possibilidades, aguçam uma concorrência. O roteiro é fator determinante para o sucesso e o fracasso.
O remake de Renascer, a exemplo de Pantanal, parece devolver tramas à moda antiga: envolventes, tensas, com uma fluidez entre momentos felizes e dolorosos que não dá descanso ao telespectador. Nessas primeiras semanas a novela não permitiu trégua, com instantes decisivos em todos os episódios.
A primeira fase, em especial, conta com o protagonismo de atrizes e atores já consagrados, como Matheus Nachtergaele (Noberto), Juliana Paes (Jacutinga) e Enrique Díaz (coronel Firmino). Mesmo o brilhantismo de tantas estrelas não impede que outras surjam. Duda Santos (Santinha), Evaldo Macarrão (Jupará) e Adanilo Reis (Deocleciano), são algumas das surpresas que garantem da emoção à risada.
Destaque também para a atuação de Antonio Calloni, como coronel Belarmino, cuja cena de morte a tiros, com direito a sangue escorrendo por um cacau, entra para a história como uma obra-prima, um feito que, claro, não conseguiu sozinho. Trabalho em equipe é o nome.
Renascer não está para brincadeira e o desafio, agora com a segunda fase, é manter um padrão que tem agradado. Enquadramentos estrategicamente pensados, trilhas sonoras harmonicamente inseridas, diálogos potentes e a fluidez, são detalhes que costumam pesar na percepção do público sobre a novela. Você assiste e sai com uma conclusão: foi feita para estaticamente me agradar. Foi cuidadosamente pensada. Nada, até então, aparece por acaso.
Antes de ir, não posso deixar de tocar no ponto que mais me instiga: a mística que atravessa a história, tão bem evidenciada na primeira fase. Zé Inocêncio é por demais emblemático, um ser que, contrariando a premissa bíblica, se apega com Deus, mas não solta a mão do tinhoso (engarrafado), com quem tem um pacto.
É mui forte a cena do elo estabelecido entre Zé e a terra (Ilhéus, na Bahia) sob o testemunho de um jequitibá rei. “Enquanto o meu facão estiver encravado aos seus pés, nem eu nem você haveremos de morrer… Nem de morte matada… Nem de morte morrida!”. Não é só Zé que anda devendo ao instrumento cortante cravado no chão.