“Tá ruim, porque a água está grudenta e para beber tem que comprar. Para tomar banho está ruim também, pois fica pregando na gente. Era umas 12h, quando comecei a lavar as louças, pois a água faltou no domingo de tarde e chegou ontem, aí percebi. Fica colando. É como se fosse jaca. Grudenta.”
O relato é de Micaela Almeida Costa, 30 anos, que nos recebeu em sua casa, no bairro Maria Rita, em Pedreiras, Maranhão, e fez questão de abrir a torneira, nos permitido ter contato com a água que chega em sua casa, abastecida pela Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (CAEMA). Famosa na cidade, pelas constantes interrupções no abastecimento de parte dela e a incapacidade de abastecer, em especial as partes altas, a companhia acumula, ao longo dos anos, reclamações. Soma-se a isso o visível sucateamento dos equipamentos que a CAEMA utiliza para a captação da água do Rio Mearim.
Na quarta-feira (05), as queixas dos moradores, sobre a qualidade da água, ganharam o mundo através do WhatsApp. “Rapaz, tem alguma coisa estranha nessa água da CAEMA, tipo um óleo ou algo pegajoso, que deixa uma sensação estranha na pele e mãos”, dizia uma das mensagens publicadas em um grupo chamado ‘Amigos do Maria Rita’.
“Quando a gente descasca batata-doce, a mão da gente fica pregando. Tá desse jeito a água mesmo. Hoje, de manhã, percebi quando tomei banho. A gente passa o sabão e é mesmo que nada. Fica uma trava na mão da gente. Óh desgrota! Mas pelo menos tem”, brinca um dos moradores em mensagem de áudio.
Nos grupos as queixas se multiplicaram expondo uma questão preocupante, com possibilidade direta de incidência na saúde dos usuários. Situação também percebida por pessoas de outros bairros.
“A gente tem que cobrar mesmo. O gerente da CAEMA não está no grupo? Pois a gente queria que ele falasse alguma coisa. Porque agorinha veio um rapaz aqui na secretaria, e aí ele está falando que trabalha na CAEMA… Eu disse: Sim meu irmão, me diga por que essa água tá parecendo um óleo, uma cola, sabão, uma trava. O que diabo é que tem nela?”, questiona um usuário da água.
Entramos em contato com Geudson Melo, gerente regional da CAEMA. À nossa redação informou ter conhecimento dos relatos. “Tenho conhecimento sim. Ontem o químico fez a análise físico-química e bacteriológica da água e enviamos pra São Luís, já estão com o laudo e a nota sai daqui a pouco. Solicitamos ontem à tarde, uma nota para ser divulgada, estamos aguardando”, disse.
No dia seguinte a companhia emitiria uma nota com o seguinte teor:
“Informamos que os efeitos relatados em relação a água produzida pela CAEMA em Pedreiras [MA], se dá em razão de ajuste na dosagem dos produtos químicos durante o processo de tratamento, em razão das fortes chuvas que atingem a região. Tal alteração busca atender os padrões de potabilidade da água conforme previsão da portaria n° 888/2021do Ministério da Saúde e não produz efeitos adversos à saúde. A Companhia reforça que a água produzida passa por análises periódicas de qualidade, e os laudos demonstram que encontra-se própria para o consumo humano.”

É importante lembrar que, em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que o acesso à água potável e segura como um direito humano essencial. Sem ela, entende a ONU, o ser humano não pode ter qualidade de vida plena.
Do ponto de vista técnico, como saber a qualidade da água que os pedreirenses utilizam? A quem cabe fiscalizar? De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios, são as secretarias de saúde que devem cobrar das empresas, refazer análises e cobrar relatórios que tragam dados claros sobre qualidade da água usada pelos pedreirenses.
Em 2017, a pesquisa de Suplemento de Saneamento na Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic 2017), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), evidenciou um cenário preocupante, haja vista que as questões ambientais são cada vez mais urgentes e improrrogáveis. No Brasil, “menos de um terço conta com legislação e ou órgão responsável por fiscalização de qualidade da água”, destaca Alessandra Saraiva, em matéria publicada pelo jornal Valor Econômico no ano de 2020.
“Nessa pesquisa, foram contabilizados 5.544 municípios com serviço de abastecimento de água por rede geral de distribuição. Nesse universo, 1.589 cidades, ou apenas 28% do total, contava com duas legislações e órgão responsável por fiscalização da qualidade da água; 1.162, ou 20%, tinham pelo menos uma das legislações e órgão responsável por fiscalização da qualidade de água; 837 tinham órgão específico para fiscalizar qualidade de água, ou 15% do total; e 794 não tinham nenhuma legislação ou órgão responsável por fiscalização da qualidade da água, ou 14% do total”, pontua Alessandra Saraiva.
Mais grave ainda é saber que 5,5% do volume de água chega à população sem o devido tratamento. Floculação, decantação, filtração, desinfecção e etapas adicionais são realizadas em 75,1% do volume tratado e distribuído.
ÁGUA SEM TRATAMENTO NO POVOADO SÍTIO NOVO

No povoado Sítio Novo, morada de 97 famílias, a água encanada vem de dois poços de responsabilidade da prefeitura. No mais antigo, a placa envelhecida traz o ano e o nome do gestor municipal da época. A Unidade de Abastecimento D’água do Sítio Novo foi construída na gestão de Pedro Barroso de Carvalho Neto, em 1984. O outro foi instalado na gestão do então prefeito Edmilson Filho.
No caminho da fonte à torneira dos usuários campesinos, a água não passa por nenhum tratamento. Quem pode não bebe dela em virtude do temor que se tem, de que problemas de saúde sejam causados por sua ingestão.
Por vezes a água vem acompanhada por elementos que julgam estranhos. “Bolinhas brancas”, frisa Rosivaldo Alvino Ferreira, Agente Comunitário de Saúde- ACS da comunidade, abrindo a tampa de um dos tanques da casa de seu pai, o lavrador aposentado Antônio Alvino Ferreira. No fundo uma sujeira que não sabem explicar. Em outras situações a água vem com gosto de óleo. Com a manutenção feita no ano passado, quando Vanessa Maia já era gestora, houve, segundo os moradores, uma melhora na qualidade da água recebida, mas nada de ingeri-la.
Qual a qualidade das águas utilizadas pelos pedreirenses, inclusive para saciar a sede? Não se sabe!
Esta era uma pergunta que caberia a Vigilância Ambiental responder. Como um órgão da gestão pública municipal, cabe-lhe realizar análises periódicas das águas fornecidas aos pedreirense, mas ao termos acesso à ‘Planilha de Monitoramento Mensal das Metas do Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde – PQA-VS’, descobrimos que há um ano não foram realizadas análises. O documento abaixo foi emitido pelo Departamento de Vigilância em Saúde, Superintendência de Epidemiologia e Controle de Doenças, Secretaria Adjunta da Política de Atenção Primário e Vigilância em Saúde e Secretária de Estado da Saúde, ligadas ao governo do Maranhão. Zero é o número de análises, de janeiro a dezembro de 2021. A vizinha Trizidela do Vale também ficou na estaca zero. Os dados foram atualizados em 14 dezembro de 2021.

Tendo a planilha em mãos fomos em busca de explicações para o apagão sobre a qualidade da água que ingerimos. Roberto Braúna, engenheiro químico, é quem atualmente responde pela Vigilância Ambiental. Informado sobre o teor desta reportagem e sendo indagado, explica as razões pelas quais não estão sendo realizadas as análises obrigatórias de residual agente desinfetante em água.
“O principal motivo é falta de material, porque nós temos um laboratório montado na regional [antiga Sucam] e por questões outras, que não vale nem comentar, o município deixou de abastecer de insumos e por isso ficamos o ano inteiro sem acompanhar e fazer o monitoramento da qualidade da água. Prometeram, desde o começo da gestão Vanessa Maia, um laboratório municipal. Eles querem sair da regional. Não tive apoio esse ano. Prometeram esse laboratório que não saiu do papel, mas vou continuar aguardando”, pontua Roberto Braúna.

Sobre a possibilidade de visitar o laboratório desativado, seu Roberto nos informou que isso só poderia ocorrer sob autorização da Secretária de Saúde de Pedreiras, gerido por Marcílio Ximenes, e da Regional de Saúde, na pessoa de sua gestora Ediuene Costa.
Na segunda-feira (10), via WhatsApp, tentamos contato com Marcílio Ximenes. Enviamos-lhe as seguintes indagações:
“A gestão pensa em resolver essa questão, de que forma e enquanto tempo? E quanto laboratório prometido, segundo à Vigilância Ambiental não sai, porque a gestão não viabiliza o que já existe e se acha disponível?”.
Até o fechamento desta reportagem, apesar de ter visualizado a mensagem, o secretário optou por não fornecer respostas.
Os mesmos questionamentos foram feitos à Vanessa Maia, prefeita de Pedreiras, via seu perfil no Instagram. Insistimos em obter respostas através do Facebook e em mensagem via perfil no Instagram da Prefeitura de Pedreiras. Ausente da cidade, Vanessa não retornou.
Respeitamos, mas lamentamos o silêncio das autoridades citadas. Não nos furtaremos do sagrado dever de questionar, em especial, aqueles que, em função do cargo público que ocupam, tem obrigação de serem transparentes. A falta de informação prejudica os pedreirenses, tão somente.