MEIO AMBIENTE
Ponte de Estreito, como ficou mais conhecida nacionalmente é na realidade a Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, que fica na divisa entre Tocantins e Maranhão. Faz a ligação entre as cidades de Aguiarnópolis (TO) e Estreito (MA), na BR-226. A Barragem do Rio Flores localiza-se no município de Joselândia, na Microrregião do Médio Mearim.
A ponte integra o corredor rodoviário Belém-Brasília e passa sobre o rio Tocantins. As más condições da ponte vinham chamando a atenção de quem passava por lá, inclusive foi durante uma filmagem em que um parlamentar local denunciava as más condições da ponte, que a mesma desabou, Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), do governo federal, o desabamento ocorreu porque o vão central da ponte cedeu. A causa do colapso ainda vai ser investigada, de acordo com o órgão.
A causa converge para descuido na fiscalização e manutenção. Na lógica capitalista, a prótese[1] (no caso a ponte) é apenas um meio de obter lucros. Sabe-se que por essa ponte passam rotineiramente carretas e mais carretas carregadas com implementos e defensivos agrícolas e a própria matéria-prima decorrente da produção de grãos (notadamente milho e soja). Documentos obtidos e veiculados pela imprensa mostraram problemas estruturais apresentados pela ponte. Destacavam a necessidade de ‘reabilitação’ da estrutura e que eram constantes as “vibrações excessivas, bem como eram perceptíveis os desgastes de suas estruturas e do seu pavimento. A última recuperação estrutural ocorreu entre 1998 e 2000, portanto, já se passaram mais de 20 anos.
A região em que se localiza o lado tocantinense da ponte insere-se no chamado “Bico do papagaio[2]”, que se destaca na agropecuária de bovino de leite e corte, além de possuir grande potencial para a criação de aves, de suínos e para a fruticultura e olericultura, principalmente na produção de banana, abacaxi, melancia dentre outras. O Bico do Papagaio é o carro chefe da economia na região norte do estado. Do lado maranhense, o município de Estreito, um verdadeiro entroncamento rodoviário, tem sua economia baseada principalmente na agricultura, na pecuária, no comércio e nos serviços. A produção agrícola inclui culturas como arroz, milho e mandioca. O setor de serviços é relevante, com destaque para o comércio e a educação, sendo Estreito um polo educacional da região.
Passados mais de 20 dias do desabamento da ponte JK, os impactos na economia dos dois municípios se agravam. A ponte faz parte de dois corredores rodoviários importantes: Belém, Brasília e Transamazônica, rotas de escoamento da produção de milho e soja, vinda de estados como Mato Grosso, Pará, Tocantins e Piauí. Pelo corredor viário passavam, todos os dias, cerca de duas mil carretas, além de ônibus de turismo e veículos pequenos vindos de outros estados. Era uma demanda gigantesca por produtos e serviços que movimentavam a economia. As perdas humanas também devem servir de alerta. No total são 17 vítimas, sendo que 14 mortes foram confirmadas e três pessoas seguem desaparecidas.
O DNIT, argumenta que a ponte passou por estudos em 2019 e que foram feitos diversos apontamentos e recomendações necessárias para que o trecho fosse seguro para o tráfego. Notadamente o estudo apontou fissuras nos pavimentos, rupturas em materiais no vão da estrutura, armaduras expostas e oxidadas, rachaduras nos pilares e blocos de fundação, Placas, guarda-corpo e guarda-rodas danificados. Vê-se que a tragédia era anunciada. A apuração das razões do desabamento da Ponte JK, levaram a Direção Geral do DNIT a afastar o superintendente do órgão no Tocantins. O mesmo já responde por direcionamento de licitações e fraudes em contratos de obras de rodovias envolvendo pelo menos 7 empreiteiras.
Após essa qualificação dos municípios de Estreito e Aguiarnópolis ligados diretamente ao desabamento da ponte JK, é importante destacar que o ocorrido em Estreito, assusta moradores de outros municípios maranhenses, como por exemplo, Joselândia. O problema neste, não é ponte. Trata-se de uma barragem, localizada no rio que lhe dá nome, rio Flores. Estreito também possui uma barragem no rio Tocantins, voltada para a produção de energia elétrica na Usina Hidrelétrica Estreito.
No município de Joselândia, a barragem hidroagrícola do rio Flores, teve sua construção iniciada em 1983 e concluída em 1987, com o objetivo de fazer o controle de enchentes da bacia do Mearim (sua principal função), melhorar a navegabilidade, aproveitar a água para agricultura irrigada e até a produção de energia. A barragem, no entanto, vem convivendo, ao longo dos anos, com a falta de manutenção, maquinário sucateado e o risco de inundação, carecendo assim de investimentos.
Mais uma vez salienta-se que o que ocorreu em Estreito teve como causa o descuido, a falta de uma fiscalização eficiente e a omissão governamental à época dos estudos (2019/2020), que não fizeram a devida manutenção apontada e recomendada por técnicos.
Em Joselândia parece não ser diferente. Recentes matérias jornalísticas veiculadas sobre o local, visitas e denúncias feitas pela sociedade civil, lideranças políticas locais e estudantes em visitas técnicas comprovam o total abandono do espaço que compreende a barragem. A estrutura de concreto, embora com alguns desgastes, parece está consolidada e segura, porém quando o assunto é manutenção de equipamentos a situação é grave. Verifica-se que os equipamentos apresentam ferrugem o que acabam prejudicando seu funcionamento. Há válvulas com derramamento de óleo. Quanto à segurança, não existe, nem para quem visita, nem mesmo para a proteção do local, enquanto patrimônio público. Contudo é importante dizer que os desafios enfrentados pela obra da barragem, principalmente os de natureza técnica podem ser resolvidos. Isso não ocorrendo, a população local e de municípios a jusante não estão isentas de possíveis inundações em períodos de maior intensidade de chuvas, fato já ocorrido. Ressalte-se que falar em rompimento da barragem, parece ser exagero. A questão é o seu transbordamento. E isso depende essencialmente do funcionamento adequado de recursos humanos e técnicos.
O órgão responsável pela gestão da Barragem do Rio Flores é o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS), cuja diretoria encontra-se em Fortaleza – CE. Portanto, bem distante da realidade vivenciada. Trata-se de um órgão federal. Mas, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Maranhão e a Coordenadoria de Proteção e Defesa Civil de Pedreiras e a Superintendência de Recursos Hídricos do Maranhão, embora não sejam os gestores da barragem, costumeiramente realizaram monitoramento e emitem pareceres.
Em 2019 foi organizado um movimento intitulado “Unidos pela Revitalização da Barragem do Rio Flores” com a finalidade de transferir a coordenação da Barragem do Rio Flores do DNOCS para a CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Vales dos rios São Francisco e Parnaíba). O movimento que envolveu várias entidades locais não conseguiu ser exitoso. O CBHMG, integrante do movimento, juntamente com outros organismos locais acabam ficando sem poder tomar qualquer tipo de atitude quando o assunto é a gestão da barragem.
Assim, convém mencionar que o projeto Hidroagrícola do Flores segue como uma iniciativa crucial para a região, mas sua execução plena ainda envolve aspectos burocráticos e técnicos. A falta de manutenção adequada e investimentos contínuos ameaça a segurança e a funcionalidade da barragem. Sem a modernização dos equipamentos e a implementação de um plano de gestão eficaz, os riscos de transbordamento permanecem uma preocupação constante para as comunidades ribeirinhas. A barragem, que deveria ser um símbolo de progresso e desenvolvimento sustentável, está se tornando um exemplo de negligência e descaso com as infraestruturas.
Barragem do Rio Flores, além de seu papel estratégico no controle de enchentes e segurança, oferece um enorme potencial para o aproveitamento da população local, seja para o lazer ou para o fortalecimento da agricultura familiar. Suas águas poderiam ser mais aproveitadas para atividades recreativas, como pesca e esportes náuticos, promovendo o turismo e gerando renda para a comunidade. No âmbito da agricultura familiar, o acesso controlado à privacidade permitiria o cultivo de diversas culturas em maior escala e com maior segurança hídrica, incentivando a produção sustentável e fortalecendo a economia local. Com investimentos direcionados e uma gestão participativa, a barragem pode se transformar em um verdadeiro motor de desenvolvimento regional, beneficiando diretamente os moradores e contribuindo para a melhoria da renda local.
Por fim, e me reportando ao título desse texto, a interseção entre a Ponte de Estreito e a Barragem do Rio Flores evidencia a necessidade urgente de políticas públicas focadas em manutenção preventiva e fiscalização rigorosa. Ambos os casos destacam a importância de uma gestão proativa que priorize a segurança das infraestruturas necessárias ao desenvolvimento regional. Além disso, enfatizamos a necessidade de uma abordagem integrada que considere os aspectos ambientais e sociais, garantindo que obras de grande porte cumpram seu propósito sem colocar em risco a vida das pessoas, seus negócios e o meio ambiente.
Por José Edson da Silva Barrinha – Professor de Geografia do IFMA/Campus Pedreiras
Algumas fontes consultadas todas com acesso em: 15 jan 2025.
https://ecosdetuntum.blogspot.com/2016/04/historico-do-projeto-flores.html
https://sandrovagner.com.br/pedreiras-a-verdade-sobre-a-barragem-do-rio-flores/
https://www.carlinhosfilho.com.br/2024/11/risco-de-transbordamento-na-barragem-do.html
https://www.pedreiras.ma.gov.br/informa.php?id=593
[1] São elementos artificiais ou infraestruturas inseridas no espaço geográfico que modificam ou complementam o ambiente natural, adaptando-o às necessidades das atividades humanas. Em seu entendimento, as próteses são obras como estradas, pontes, represas, e outros tipos de construções que servem como extensões da capacidade humana de transformar e controlar o espaço para fins econômicos, sociais e políticos (Milton Santos, A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção”, publicado em 1996.
[2] É uma área de transição no extremo norte tocantinense, entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, rodeada pelos rios Tocantins e Araguaia. Essa denominação se deve ao formato geográfico que lembra o bico de um papagaio, quando visualizado em um mapa.