O ano era 2018, o mês outubro. Brasil, o país da redemocratização, colocava no poder Bolsonaro, alguém que de lá para cá, trata de esfarelar uma democracia ainda sequelada. A morte na floresta, no campo e na cidade, tem sido o mais caro preço de um país governado por um genocida. Distante de Brasília, Bolsonaro, naquele ano, era apoiado por duas figuras que hão de encabeçar a polarização na disputa pela prefeitura de Pedreiras, curiosamente a terra em que Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), obteve mais votos.
Antes que o pensamento avance, preciso deter-me numa questão, com nome e sobrenome: Vanessa Maia. Não é a primeira mulher candidata à prefeitura de Pedreiras. Graça Melo, inclusive, foi gestora da cidade (1989 a 1992). Obviamente que o espaço político local ainda é, pela própria estrutura historicamente montada, um ambiente extremamente hostil à participação da mulher. Dentre os muitos argumentos postos, na tentativa de convencer o eleitor, Vanessa tem evocado para si, pois contempla a visão de uma candidata moderna e progressista, a ideia de que sua chegada ao poder será uma conquista de gênero. Contudo, sua retórica esbarra na sua falta de sororidade, engajamento e desinteresse com essa e outras demandas sociais, mas infelizmente, para parte do eleitorado, o riso de Vanessa é suficientemente convincente e quando não bastar, a figura de seu esposo, prefeito de Trizidela do Vale, entrará em campo.
A campanha da primeira-dama reproduz um pensamento nefasto, comum dessa política essencialmente machista e clientelista, que contraria a ideia de que tudo o que nos rodeia é espaço político, seja ele público ou privado. Para ela a concepção de mudança não é fruto da ação das comunidades campesinas e urbanas, mas uma simples questão de escolha, a melhor e o melhor é sempre eu, nunca o outro. Mas a figura que nos é ofertada pelo Solidariedade, como aquela “que vai coroar Pedreiras”, palavras da candidata durante convenção, passou de plano B para A diante da impossibilidade do populista Fred Maia de se candidatar do lado de cá da ponte Francisco Sá. O mesmo se deu com Priscilla Louro, quando na ocasião de sua pré-candidatura. Tanto Fred Maia quanto Raimundo Louro, por motivos distintos, esbarraram na lei. Se não fosse ela e a morte, sina de todos os humanos, ambos se perpetuariam no poder. É o que geralmente acontece por aqui, mas isso fica para a próxima coluna, que tal o título “política, um negócio de família?”.
Vanessa tem consideráveis chances de ser vitoriosa no dia 15 de Novembro, não pela apropriação simplista que faz da ideia de igualdade de gênero, mas por ser esposa de Fred Maia. Percebem a incoerência? Deixasse Fred Maia o palanque levaria consigo o Solidariedade, o séquito de apoiadores, o capital financeiro e eleitoral que deverá ter em função de sua fama como “bom” gestor de Trizidela do Vale, mas óbvio, isso não vai acontecer.
Nas redes sociais ele se vale de instrumentos, incorporando uma espécie de Bolsonaro do Médio Mearim. Aliás, nos grupos de WhatsApp não esconde sua admiração por Jair Bolsonaro e as pautas reacionárias, ainda que lhe faltem palavras em defesa do líder, costumeiramente optando pelas curtas frases de efeito. Mas no caminho ao poder de que valem as ideologias? Se na esfera federal a campanha de Vanessa se vale do apoio de Jair Bolsonaro, inclusive expresso em vídeo, numa das Unidades Federativas rebeldes se farta no banquete do comunista que governa o Maranhão, a saber Flávio Dino, um dos nomes com quem Bolsonaro deverá duelar no próximo sufrágio presidencial. A conta vai chegar.
Se Vanessa tem como trunfo as conquistas políticas do esposo, a outra ponta da polarização já viveu dias melhores. Dr. Humberto Feitosa foi o segundo colocado na eleição que teve Antônio França como vitorioso. Fosse ele líder teria protagonizado uma racional oposição ao governo atual, já que não faltaram elementos para que atuasse legitimamente como tal. Sua falta de vocação para liderar esbarra numa dinâmica política em que apresentar apoios é mais importantes que expor o plano de gestão. Políticos pela metade não chegam ao poder sozinhos. Dr. Humberto não preenche palanque pela falta de protagonismo, em especial, nos último três anos. Ainda que seus apoiadores evoquem sua dedicação à medicina, o X da questão não versa sobre um pré-natal. Trata-se do futuro de uma cidade caduca, centenária e imersos nela, aproximadamente 40 mil pessoas. Dr. Humberto, tal qual Bolsonaro, de quem é apoiador, lança mão da incoerência. Como falar de honestidade, transparência e lisura com a coisa pública se baqueteia com prefeitos condenados pela justiça? Para boa parte da população isso nem importa, mas para o cidadão Humberto, defensor de Bolsonaro, não? No caminho ao poder de que valem as ideologias?
Os ditos políticos profissionais, que historicamente campeiam a coisa pública e de algum modo, dela se beneficiam, diante da ameaça dos “novos políticos” apregoam que administração pública não é para amadores. Estes também tomam parte na farta mesa da hipocrisia dos incoerentes. Digerem democracia, mas arrotam uma postura típica do que convencionei chamar de “aristocracia de quinta”. Pelo poder se unem, pelo poder se separam, sem vergonha de ser feliz. De um lado e de outro, o que os agrega à mesa não é um pensamento comum, não dialogam sobre princípios ou perdem sono pelas agruras do povo. Cada um, do menor ao maior, busca uma fresta de sol no teto generoso da prefeitura. Nossa maior carência não é de políticos profissionais, que sempre estiveram aí, no poder ou margeando-o, mas de pessoas que não durmam sol e acordem lua.
Se nossa elite luta pelo poder, as camadas sociais subalternas lutam pela sobrevivência, num país que com Bolsonaro, pula de cabeça na crise. Em Pedreiras, a receita gerada a partir da gestão pública tem parte importante nos quadros econômicos do município. Quem está no poder luta para não cair e aos servidores públicos contratados de cada gestão, cabe a prece para que o emprego não se vá. Os que estão fora querem entrar. Quem pensa em ideologia num instante desses, diante de ameaça da falta de renda em um momento tão crítico para boa parte das famílias brasileiras?
Nesse banquete achamo-nos divididos entre a sombra da mesa e os farelos que dela caem. Não há, como apregoam, uma solução imediata, tão pouco quem seja a esperança para Pedreiras.
Ratifico defesas feitas em outros artigos: só democracia representativa não basta. Mais do que nunca, se faz urgente que essa esperança, tão citada, nasça dentro da gente, nas entranhas das comunidades, sejam elas urbanas, campesinas ou ribeirinhas. Uma democracia forte passa pela participação popular, pela criatividade de nosso povo. Nossos destinos e sonhos não podem ser colocados nas mãos dos medíocres. É utopia supor que nossas dores os façam perder o sono. A luta é nossa e não venceremos deitados na inércia. Só o voto não basta. Cada comunidade, diante dessa polarização local, precisa erigir sua própria democracia, a partir de cada vivência, lançando mão de suas linguagens, ritos e formas. Uma democracia constante e potente. Precisamos perceber política como uma coisa nossa, o que de fato é. Um componente importante de nossa existência no mundo, entendida por muitos teóricos como aquilo que há entre as pessoas.
O que se monta na paisagem política de agora mais parece um ciclo. Eles estão unidos, comendo da mesma carne, bebendo no mesmo copo, dançando na mesma serenata, mas o vinho acaba e com ele se esvai o amor. Já vimos tal filme antes e uma coisa é certa: esse enredo não nos contempla.
Por Joaquim Cantanhêde
Obs. A opinião expressa é de responsabilidade de seu autor, não devendo ser entendida como posicionamento deste portal. Havendo necessidade da manifestação de pensamento por parte do “O Pedreirense”, o faremos sempre por meio do “Editorial”.
A semana passada li uma matéria com uma lista com o nome de todos deputados federais maranhenses que votaram um projeto contra os interesses dos trabalhadores de brasileiros, mostrando indignação dos autores o que contraditório, considerando que a população escolheu votar nos candidatos dos patrãos e esperar que eles votassem em projeto em benefício dos trabalhadores. O mesmo raciocínio se aplica nas eleições municipais, os eleitores(as) escolherem candidatos ligados á ideologia capitalista na perpctiva de obter políticas públicas de inclusão. (Parabéns pela matéria)
Quanta lucidez!
A perfeição do texto deixa claro o oportunismo política cultural existente em Pedreiras.
Tudo que foi dito sobre os protagonistas dessa disputa imoral pela prefeitura de Pedreiras, deve recair sobre os apoiadores desse circo, que nas redes socias, fingem lutar contra o fascismo, e carregam nos braços seus ídolos municipais que alimentam o fascismo.
Uma reflexão extremamente lúdica e necessária, Joaquim! É incrível que a uma altura dessas – considerando as configurações e a constatação dos efeitos nefastos do atual governo federal – ainda tenha quem simpatize, defenda o atual governo genocida. Infelizmente, enquanto não entendermos que política é tudo aquilo que fazemos cotidianamente, continuaremos a restringir o nosso próprio potencial enquanto sociedade. Pensar o campo da política, além dos partidarismos e períodos eleitorais, é urgente e imperativo. Enquanto isso, vamos refletindo e partilhando sobre essas configurações. E por favor, disserte a respeito da sua ideia “Política, um negócio de família”. Já ansiosa pela leitura! Parabéns pelo texto!