OPINIÃO
Nos últimos dias, as redes sociais se encheram de fotos, vídeos e cortes do novo longa metragem “Vermelho, Branco e Sangue Azul”. O romance escrito, por Casey McQuiston, adaptado ao cinema pelo talentoso diretor norte-americano Matthew Lopez, traz a divertida história de Alex Claremont-Diaz (filho da presidenta dos Estados Unidos da América) e Henry George Edward James Fox-Mountchristen-Windsor (primeiro príncipe britânico), com a ideia de um romance entre os dois e uma série de denúncias sociais que, mesmo no século do desenvolvimento, ainda gritam pelo desejo de ser realidade.
A ideia de comparação social entre República e Monarquia, Política e Dinastia, Progresso e Conservante, não é nova pelo contrário, a fazemos em livros, artigos e pinturas muito antes de 1789. Contudo, é de se destacar como o cinema vem refletindo tais assuntos, afinal, ele também é um instrumento de construção social, dando visibilidade e poder de interpretação ao seu público modificando-se quando necessário.
A trama mostra a visão social daqueles que se identificam como Queer (palavra inglesa que significa “ESTRANHO”) diante das duas vertentes sociais: o progresso, representado pelo governo norte-americano, e o conservante, representando pelo governo britânico inglês. Os Estados Unidos da América sempre se orgulharam de sua soberania estatal, e também foram eles os pioneiros quando o assunto são as lutas sociais Queer.
Desde a Revolta de Stonewall, políticas de conscientização e respeito vem sendo atualizadas pelos estadunidenses de forma geral, mas, o assunto divide opiniões, e o “país da liberdade” ainda está acorrentado a sistemas considerados um tanto que ultrapassados. Outro assunto interessante, abordado na trama, é a quebra do preconceito contra as pessoas “mestiças” norte-americanas. Aqueles que tem parte da família com descendência latino-americana mais provenientes do México e têm seu sobrenome terminado em “Z”.
Se por um lado, os norte-americanos se orgulham do seu progresso constitucional, por outro, os britânicos se orgulham da sólida moral conservadora que a monarquia traz, mesmo tendo em sua história diversos episódios curiosos a respeito disso, um exemplo claro é o desejo do Rei Henrique VII em Ana Bolena. Uma história de amor muito bonita se não fosse o fato de o Rei já ser casado. Um atentado contra a moral que o cristianismo ocidental não tolerou, levando-o a criar a própria religião da Inglaterra, o Anglicanismo. Por lá, desde 1982, os direitos LGBTs são resguardados, e assim como nos Estados Unidos, o processo ainda continua, mesmo que a passos lentos. A questão da vergonha familiar é bem abordada deste lado da trama, coisa que, para os ingleses, é um assunto
bem delicado.
O fato, é que o filme se tornou um agrego na causa LGBT de uma forma geral, sendo bem aceito também entre os brasileiros. O drama da descoberta, da dúvida, da aceitação familiar, dos amigos e dos países, se tornou identidade de vários outros Alex e Henry espalhados no mundo, que são pessoas anônimas, sem coroas ou diplomacias, mas que carregam o mesmo dilema. Afinal, o homem, só o é totalmente, quando identificado por outro ser igual a ele. É assim que se constitui uma sociedade. A importância da escuta familiar também foi destacada como um fator positivo neste processo e mostra que é possível a permanência do amor filial quando se há escuta e empatia.
Contudo, mesmo diante de tais colaborações sociais, referentes a uma sociedade totalmente EXISTENTE, há ainda os que o tratam como uma fantasia de doutrinação, quando na verdade ele é uma denúncia. É normal confundir ambos, mas precisamos entender os conceitos para ampliarmos nosso horizonte. Doutrinação é criar estratégias para incutir uma ideia (em potência). Denúncia, é acusar o que já existe (em ato). Sei que ainda estais relutante com essa descoberta, mas permita-me ser um pouco mais ousado para fazê-lo entender.
Na França do início do século XVII, existiam a clara distinção entre os cidadãos franceses, e os ditos proscritos, palavra que significa “fora da lei” atribuída aos ciganos, pobres, deficientes físicos, doente, ladrões e todas as pessoas que eram considerados como ameaça. Vitor Hugo (1802-1885), ex-senador francês, escreve em 1831 um romance intitulado “Notre-Dame de Paris”, que ao contrário do que muitos pensam, não é somente sobre o romance entre Quasímodo e Esmeralda, mas sim uma denúncia. O que hoje assistimos em várias versões (inclusive infantis), foi um grito de socorro contra as injustiças feitas em toda a França, mas com mais ênfase no pátio da Catedral de NotreDame. O romance trata de toda vida social e política do século XVII, expondo a presença dos mendigos e criando todo um clima de perigos iminentes tal como o Pátio dos Milagres, onde os burgueses assistiam aos espetáculos bárbaros e injustos de torturas, na Praça de Grèves, enquanto muitos soldados cometiam crimes impunemente e arquidiáconos, que traindo sua religião apropriavam-se de ciganas, e as abusava sexualmente. Uma faca cirúrgica contra a sociedade da época que via no seu modo, o jeito certo de viver, hoje, uma animação de empatia infantil, que ensina às crianças o respeito pelo que é diferente, coisa que os barbados franceses eram incapazes de conceber.
O que o célebre Francês fez foi uma denúncia. Não era intenção de Victor Hugo que os franceses cortassem membros do seu corpo para se tornarem tal como Quasímodo, ou que abandonassem sua família para se tornar como Esmeralda, mas mostrar que tais pessoas existiam, e que eles também precisavam ser amparados pela justiça da lei que ele tanto defendera no parlamento.
Segundo o censo do IBGE, no Brasil existem 2,9 milhões de pessoas que se declaram LGBTQIA+, ou seja, 1,8% da população. Pessoas, que trabalham, sonham e tentam sobreviver a cada hora, torcendo para não ser o da vez, já que, neste país “abençoado por Deus e bonito por natureza”, um LGBTQIA+ morre a cada 32h. Eles não são uma invenção comunista-satânica para destruir o capitalismo, a família e a moral, são uma sociedade, que sempre existiu, com vários doutores, cientistas, inventores, escritores, nas mais diversas universidades do país. São cidadãos brasileiros, tanto que elegeram a primeira bancada parlamentar em 2023.
O filme “Vermelho, Branco e Sangue Azul”, tal como a série “Heartstopper” – ambos em alta nas plataformas digitais -, bem como qualquer outro curta ou longa metragem que fale das pessoas Queer – LGBTQIA+ – não são uma doutrinação, são denúncias, de crimes, muitos deles previstos no código penal brasileiro que atentam contra a constituição dos estados do Brasil e do Distrito Federal.
Espero que não tenhamos que esperar um século para que tais assuntos também sejam considerados como educação ao invés de contraversão.
Por Johnew Sousa, graduando em História – UEG