Coluna do padre Zé
O narcisismo é um traço de personalidade que, segundo diversos psicólogos, reflete um profundo desequilíbrio emocional e relacional. O narcisista, descrito como “dono da verdade”, vive num mundo onde suas percepções são absolutas, e qualquer contestação ou contrariedade é vista como uma afronta pessoal. Esse comportamento está ligado a uma fragilidade interior que se esconde por trás de uma fachada de bonzinho, de mais santo do que todo mundo, mas por trás, autossuficiência e superioridade.
Sigmund Freud foi um dos primeiros a estudar o narcisismo, classificando-o como uma forma patológica de auto-adoração e egoísmo extremo, onde o indivíduo perde a capacidade de se conectar emocionalmente com todas as pessoas, forma seu grupinho.
Carl Jung, por sua vez, destacou que a personalidade narcisista é incapaz de confrontar sua própria sombra, ou seja, seus defeitos e limitações. Esse bloqueio emocional cria uma barreira entre o narcisista e o mundo ao seu redor, isolando-o em um ciclo de negação.
Essa dificuldade de se confrontar é visível quando o narcisista é desafiado. Ao ser contrariado, ele pode apresentar comportamentos violentos ou passivo-agressivos, como cantar baixinho para disfarçar o incômodo, ou buscar vingança silenciosamente como lhe gravar, enviar informações deturpadas, ironiza por meio de redes sociais e vive pensando em se dar bem. Tira o corpo gora quando é questionado. Isso acontece porque, na visão distorcida do narcisista, qualquer forma de discordância é uma ameaça ao seu controle absoluto sobre a realidade. Isso pode levar ao isolamento e até ao uso de fofocas e intrigas, tentando minar a reputação daqueles que ele percebe como adversários.
No entanto, o problema do narcisismo é estrutural, ou seja, ele não se limita a comportamentos pontuais, mas é fruto de uma personalidade que foi moldada, ao longo do tempo, por lacunas emocionais profundas. Muitas vezes, há uma mistura de insegurança e grandiosidade, o que o leva a se comportar de maneira bipolar: ora amáveis, ora violentos e vingativos. Alfred Adler, psicólogo conhecido por seu trabalho sobre sentimentos de inferioridade, argumenta que o narcisismo frequentemente surge como uma compensação para uma baixa autoestima latente. Por trás da máscara de superioridade, o narcisista sente-se pequeno e desvalorizado, e esse vazio interno é o que o leva a impor sua visão de mundo de forma tirânica.
Viver com uma pessoa narcisista é extremamente desafiador. Ela tende a rebaixar aqueles ao seu redor, nunca enxergando o valor do outro, projetando suas próprias inseguranças nos outros e tentando controlá-los. Para ele, o outro não é suficientemente bom, não merece ser feliz e não será bem-sucedido. Isso cria uma relação profundamente tóxica, em que a outra pessoa, mesmo sem perceber, acaba sendo minada emocionalmente. Otto Kernberg, um dos principais estudiosos da personalidade narcisista, sugere que essas pessoas têm uma incapacidade de sentir empatia genuína, vendo os outros como meros objetos para satisfazer suas necessidades.
Essa falta de empatia e o constante desejo de controle são o que torna a convivência com o narcisista quase insuportável. Ele se impõe como “senhor da verdade”, nunca admitindo erros, é incapaz de agradecer ou elogiar e qualquer tentativa de diálogo é imediatamente refutada. A pessoa que convive com o narcisista é constantemente desvalorizada e desestruturada, sentindo-se como se estivesse sendo constantemente observada e criticada.
Erich Fromm, em seu estudo sobre a natureza do amor e do ódio, explicou que o narcisista é incapaz de amar verdadeiramente, pois sua única preocupação é com a manutenção de sua própria imagem.
No contexto das relações interpessoais, o narcisismo tem um efeito devastador. Ele cria um ambiente onde não há espaço para diálogo honesto ou para a valorização mútua. Quem convive com um narcisista sente-se invisível, inútil, e é constantemente manipulado para acreditar que seus sentimentos e opiniões não têm valor. Essa dinâmica, como sugerido por Aaron Beck, pioneiro na terapia cognitivo-comportamental, pode levar a profundos danos emocionais e psicológicos para quem se relaciona com o narcisista, gerando sentimentos de inferioridade e até quadros de depressão.
Portanto, é essencial reconhecer essas dinâmicas e buscar ajuda, seja através de terapia ou de outras formas de suporte emocional. Conviver com um narcisista é um desafio que pode minar a autoestima e a saúde mental de qualquer pessoa. Entender que o problema não está na pessoa que convive com ele, mas nas lacunas emocionais do narcisista, é o primeiro passo para quebrar esse ciclo tóxico.
Por Pe. José Geraldo Teófilo, reitor do Santuário de São Benedito, pedagogo e psicanalista clínico.