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segunda-feira, junho 23, 2025

Monte Alegre: um quilombo contra as cercas

LUTA PELA TERRA


No barracão cabe todo mundo, tanto dona Maria do Carmo Lima Silva, que aos 88 anos, já viu de tudo, quanto Lorenzo Prado, amamentado pela mãe, Nayane Prado, aos 9 meses de vida. Naquela manhã de terça-feira (27), o desenrolar do tempo mostraria também, sentimentos ali cabidos: indignação, frustração, desconfiança e esperança.

Nesse dia, o quilombo Monte Alegre, território pertencente a São Luís Gonzaga, Maranhão, recebia a tão aguardada equipe do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Desta vez sem ter o carro cercado por parte dos moradores que não se definem como quilombolas, fato ocorrido em dezembro de 2024. Um dos episódios que marcam o acirramento do conflito agrário, um dos muitos no estado do Maranhão. Esse com uma certa peculiaridade: a peleja é entre assentados e quilombolas.

Segundo o relatório “Conflitos no Campo Brasil 2024”, desenvolvido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Maranhão se destaca quando se fala sobre violência em razão de conflitos agrários. “A maioria dessas ocorrências foi registrada no Maranhão (228), onde comunidades tradicionais estão enfrentando graves consequências em decorrência da pulverização aérea de agrotóxicos”, pontua o estudo.

O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), juntamente com a Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA), há anos acompanha a luta pela titularização definitiva, com protagonismo prevalecente das mulheres quilombolas extrativistas do babaçu. Essas organizações apontam a inércia do Estado como um dos fatores contribuintes para o prolongamento de uma contenta simbolizada por cercas e inimizades.

Foto: Joaquim Cantanhêde

“Por muito tempo, a omissão do Estado, cercamentos ilegais e conflitos fundiários impediram que as famílias quilombolas vivessem em paz em seu território ancestral. Em 2024, o MIQCB intensificou o diálogo com o INCRA. As divisões de Quilombolas e de Assentamentos do INCRA/MA passaram a atuar juntas para combater a desinformação, acelerar o processo e garantir os direitos das comunidades quilombolas, das quebradeiras de coco babaçu e de agricultores familiares”, esclarece o MIQCB.

Naquela terça ­– a do primeiro parágrafo – o INCRA retornou à comunidade, desta vez com uma equipe mais numerosa. Ao centro, atraindo os olhares, questionamentos e insatisfações, Lidiane Carvalho, chefe da Divisão de Territórios Quilombolas, e Renê Campos, chefe da Divisão de Desenvolvimento de Assentamentos.


“É tudo ou nada”, disse dona Beatriz Lima (70), com uma coragem de fazer inveja aos mais novos, a mesma que diz faltar ao INCRA diante do impasse.


Beatriz Lima, quillombola de Monte Alegre, território pertencente a São Luís Gonzaga, Maranhão (Foto: Joaquim Cantanhêde)

Ao jornal O Pedreirense, ela, já idosa, relembra um tempo de paz, sem a divisão simbólica e literal das cercas. O fatiamento da terra, em lotes, testemunhou, teria ocorrido de maneira gradativa. Falar de terra, para ela, é relembrar seus ancestrais. “Minha tataravó, é filha de Monte Alegre. Minha bisavó é filha de Monte Alegre. Meu pai é filho do Monte Alegre”. O povoado continua tendo o termo Alegre no nome, mas esse não é o sentimento nos semblantes a cada cerca fincada.

Há poucos metros do barracão está o tumulto de Maria de Jesus Ferreira Bringelo (dona Dijé). Sua memória, contudo, se acha viva nas lutas, em especial, de sua gente. Em vida, sua liderança esteve impregnada de afeto por um lugar tão seu. Em Monte Alegre, seu ponto de retorno em meio à tantas viagens, canto do mundo que buscou defender diante da ameaça do agronegócio e dos loteamentos, Stella Maria Ferreira de Sousa, sua neta, brinca.

Para as mulheres de mais idade, como dona Beatriz, a permanência significou dias de enorme tensão e ameaça dos senhores do latifúndio, sobretudo na década de 80. No clímax do conflito, relata-se que 93 casas foram queimadas. Só a capelinha católica teria escapado, servindo, inclusive, de abrigo. 

Dias que a quilombola Lindalva Lima de Brito (65) lembra com emoção.


“De seis a sete meses de gravida com um monte de arma em cima de mim. Suportamos tudo isso. Debaixo de chuva, fome. Suportamos e estamos aqui até hoje”, relata sobre violências que viu e sofreu.


“Meteu (um policial) a mão na saia dela, com tudo, e suspendeu”, diz, fazendo referência à tia Maria Joana. Sua entrevista ocorreu quinta-feira (29), minutos depois de, sob o alpendre da casa de uma vizinha, no povoado Trecho Seco, ser cadastrada como quilombola por uma das equipes do INCRA.

Quilombola Lindalva Lima de Brito (Foto: Joaquim Cantanhêde)

As ações, conforme o informado durante reunião com quilombolas, pela manhã, e com assentados, à tarde, são parte do que os servidores chamam de Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que segundo o MIQCB, aproxima o território, que abrange Monte Alegre, Trecho Seco e Olhos D’água dos Grilos, da “titulação definitiva”.

Em sua fala, Lidiane Carvalho, destacou que questões relacionadas à aprovação do orçamento federal para 2025, dificultaram os trabalhos do INCRA diante das demandas, inclusive de Monte Alegre, mas a destacou que a partir daquele momento resolver a questão era uma prioridade, estando os recursos assegurados para se evitar a descontinuidade das ações.

“Se a gente identificar alguém que esteja aqui, não estado no cadastro quilombola e nem tão pouco esteja agregado ou titular de família assentada, o INCRA tem a obrigação de mover, junto à Advocacia Geral da União (AGU) e entrar com uma ação de reintegração de posse”, destacou Renê. Ele frisou que os cercamentos feitos ao longo dos anos são ilegais.

Diante deste impasse, com a RTID, o INCRA terá uma melhor compreensão da situação ocupacional. Os resultados, explicam Lidiane e Renê, deverão ser apresentados.

“Hoje estou querendo ver um futuro daquilo que fizemos. Quero ver um futuro, pelo INCRA, sem lote. Porque nós brigamos para ser um território coletivo”, ressalta dona Beatriz, ao recordar o longo tempo de luta e espera.

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