Violência no campo, florestas e águas
Vez ou outra o Maranhão, como se diz por aqui, está na mídia. Na companhia dessa constatação vem sempre a desconfiança – que faz muito sentido – de que se o estado é destaque a razão deve ser por algum fato negativo. A julgar, a partir dos dados da segunda edição do relatório “Além da Floresta: conflitos socioambientais e deserto de informações”, o estado é campeão, mas não há motivo algum para comemorar.
Os números, a seguir, são fruto do trabalho da Rede de Observatórios da Segurança. Eles mostram que no Brasil, o país da COP 30, a violência também atravessa os povos do campo, florestas e águas. “Nove organizações, de nove estados [Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo], conectadas com um objetivo: monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos”, explica. Na formação o Maranhão é representado pela Rede de Estudos Periférico (REP).
“A Rede de Observatórios solicitou informações sobre crimes ambientais, conflitos fundiários e crimes contra populações e povos tradicionais junto às secretarias de segurança e órgãos cor- relatos, dos nove estados que a compõem (AM, BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ, SP), via Lei de Acesso à Informação (LAI), de 2023 e 2024. Ficou constatado que cada unidade federativa tem formas específicas de reunir informações sobre crimes ambientais. Pará, Pernambuco e Piauí foram os únicos a entregarem a maior quantidade de informações — desde dados básicos, como local e tipo de crime ambiental, a informações mais específicas, como delegacia onde o crime foi registrado, dados sobre crimes contra populações tradicionais e informações sobre as vítimas”, destaca a Rede de Observatórios da Segurança sobre o estudo.
A carência de uma produção qualitativa de dados por parte dos órgãos do Estado, aponta a pesquisa, tem forte incidência na cobertura de assuntos ligados às temáticas socioambientais. Desta forma a sociedade, na ponta, não é informada como deveria.
“Existe um deserto informativo em muitas áreas do país e é isto que revelamos neste relatório, olhando os estados monitorados pela Rede. Assistimos também às dificuldades intrínsecas relacionadas a ameaças em denunciar conflitos em curso, quando os criminosos seguem próximos aos vitimados, que se sentem ameaçados e silenciam”, argumenta a Rede de Observatórios.
Graças ao trabalho da sociedade civil, sabe-se que no Maranhão intensificam-se conflitos de ordem socioambiental. Se por um lado o estado prega a importância das populações tradicionais para sua formação e identidade, se mostra incapaz de sanar flagelos que atravessam décadas.
O Maranhão é a unidade federativa campeã em número de conflitos socioambientais. São 132 casos (26,70%), segundo monitorou a Rede de Observatórios, em 2023 e 2024. Sobre crimes ambientais, o estado registrou um aumento de 26,19%.
O relatório também diz que o estado faz dupla com o Pará, na liderança da exploração ilegal de madeira. “Não por acaso, a região tem sido alvo recorrente de atividades criminosas que se apropriam ilegalmente dos recursos naturais da floresta e utilizam os rios como vias de escoamento dessa exploração ilegal para os mercados nacional e internacional”.
Em um artigo que integra o relatório, ao advogado Diogo Diniz Ribeiro Cabral, cita o que chama de “banhos de veneno”, em referência aos rotineiros ataques sofridos por territórios tradicionais em decorrência da pulverização aérea de agrotóxicos. Ele cita dados do levantamento “Territórios Vitimados Diretamente por Agrotóxicos no Maranhão”, segundo o qual “231 localidades em 35 municípios foram vitimadas pela pulverização aérea de agrotóxicos por avião e/ou drone em 2024”.
Diogo explica que o monitoramento, realizado pela Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão (Fetaema), pela Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama) e pelo Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia (Lepeng/UFMA), é uma iniciativa tocada por muitas mãos, inclusive daqueles que, nas comunidades, são potencialmente ameaçados.
Se por um lado o Estado falha no cumprimento de suas obrigações, as mobilizações propiciam momentos que fortalecem laços, geram tomadas de decisões e a criação de alternativas para a superação das urgências.

Sobre a guerra química no Maranhão, em julho de 2024, o jornal O Pedreirense expôs as denúncias de quebradeiras de coco babaçu de comunidades rurais de Lago do Junco. “Esse senhor de drone, essas máquinas que estão jogando veneno nas terras, acabam com tudo. Nosso babaçu perde a utilidade. Depois que a gente lutou, mostrando no mundo inteiro que a palmeira é uma verdadeira mãe, cresceu a cobiça, aquele ódio, a ganância das grandes empresas. Criaram esse tipo de coisa que mata tudo”, relatou Diocina Lopes dos Reis, moradora da comunidade Ludovico, uma das extrativistas ouvidas.
Se no campo elas lidam com a ameaça do “banho de veneno”, na cidade – Câmara de Vereadores, para ser mais preciso – viram perecer um Projeto de Lei (PL) que “institui e define como Zona Livre de Agrotóxicos a Produção Agrícola, Pecuária, Extrativista e as Práticas de Manejo dos Recursos Naturais no Município de Lago do Junco”. O PL, depois de um longo período de tramitação, chegou a ser pautado, mas o resultado não atendeu à súplica da extrativista Conceição de Maria, que integra o conselho da Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Lago do Junco (COPPALJ)
“Queremos aqui fazer um apelo às autoridades de Lago do Junco, para que façam restrições às aplicações e agrotóxicos, preservando a saúde das famílias e a sobrevivência das pessoas que dependem da atividade do extrativismo do coco babaçu e dos produtos da sociobiodiversidade”






