“Na saúde, na doença”, votos proferidos por dona Maria dos Prazeres Veras e seu Francisco Soares Veras, naquele 14 de maio de 1960, em uma igreja da cidade de Esperantinópolis, estado do Maranhão. Um diante do outro, prometeram permanecer mesmo diante da adversidade que mais cedo ou mais tarde viria. Muita coisa mudou desde então, no mundo e na vida deles. O tempo trouxe histórias e com elas doze filhos, treze netos e quatro bisnetos. Sessenta anos depois do “sim” e do beijo, no ano das bodas de diamante, a promessa matrimonial acharia seu sentido mais concreto.
“Na terça feira, 26 de janeiro, começou a moleza e minha mãe já suspeitou logo. Meu irmão, Paulo Samuel, logo contatou meu tio Antônio. No dia seguinte a equipe veio e já coletou material para exame. Apresentavam todos os sintomas da Covid-19. A equipe de saúde passou logo a medicação de entrada”, explica Maria Luísa Soares de Sá Barrêto, neta de dona Maria e seu Francisco.
“Foi tanta medicação que a Leila (filha) disse, tudo para Coronavírus”, esclarece dona Maria, descrevendo, com bom humor, o início da luta contra um vírus, que só no Brasil já matou 250 mil pessoas, diante de um processo de vacinação moroso e cujo o trato do Governo Federal com a crise é bastante questionado.
A fraqueza continuou, apesar das medicações. Ao visitá-los, Dr. Walber Rodrigues da Cruz orientou que fosse feito o exame de tomografia, que traria um real diagnostico sobre a condição pulmonar de dona Maria e seu Francisco. O teste rápido indicava que ela estava com Covid-19 e que ele havia tido dias antes.
“Quinze dias depois do aparecimentos dos sintomas eles foram bater uma tomografia do tórax, que constatou o comprometimento do pulmão do vô e da vó, acima de 50%. Aí o protocolo foi aquele: internar”, diz Maria Luíza.
Começava ali, no Hospital de Campanha Dr. Kleber Carvalho Branco, em Pedreiras (MA), a parte mais tensa da luta de Maria e Francisco pela vida. Uma batalha que como tantas outras, enfrentariam juntos.
Segundo dados da Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares (EMSERH), correspondentes ao período entre 15 de junho e 15 de novembro de 2020, 314 pacientes foram admitidos, 27.423 exames e 59. 250 atendimentos médicos e multidisciplinares realizados.
No Maranhão já foram contabilizados 4.977 óbitos por coronavírus, uma média de quinze mortes por dia. Idosos com mais de 70 anos ocupam o topo da lista quando as mortes causadas pelo coronavírus são vistas pela ótica da faixa etária. Pelo prisma de gênero, os homens contabilizam o maior número de vítimas no estado, somando 3.025 óbitos (60.78%), em paralelo a doença vitimou 1952 mulheres (39.22%).
Luciene Maria Soares, filha, acompanhou-os durante boa parte do tempo de internação. Uma experiência que ela descreve como difícil. “Adoecer logo os dois não deixa de ser um grande susto, mas nunca perdi a esperança de que iriam se recuperar. Apesar do medo, tinha uma esperança grande de que sairia com eles dois vivos. Depois de Deus e Maria Santíssima, da qual sou muito devota, a equipe do hospital é muito é muito boa, cuida com amor e atenção. Tudo nos fortalecia e nos dava fé”.
“É uma doença que a gente só vê ir, vai, mas vem duro” (risos), argumenta dona Maria dos Prazeres, quando indagada pela neta sobre ter se desesperado diante da internação. “Vai mole e vem duro”, acrescenta, com semblante bem diferente daquele das cenas que descreve.
Foram dez dias de internação, injeções, antibióticos e gradativa melhora no quadro de saúde do casal. “Eu ali naquele pensamento: porque eu tinha e ele não? Será se esqueceram dele? Me preocupei”, relata dona Maria. Olhava para o esposo e percebia que ela não tinha os mesmos aparelhos que ela. Só depois ficou sabendo a razão: ela precisou de oxigênio.
“A médica chegou e lá naquela conversa só pra eles… Disse que estávamos de alta. Minha menina que nos acompanhava gritava: ‘Tamo de alta! Tamo de Alta’. ‘Que arrumação é essa menina?’. ‘Tamo de alta!’”
Antes de deixarem o hospital, receberam as orientações sobre os cuidados a fim de evitarem uma reinfecção. “Deus me defenda”, exclamou dona Maria quando cogitada a possibilidade de voltar, ainda que tenha gostado do tratamento da equipe médica e de enfermagem que cuidou dela e do esposo.
Com restrições, a volta ao lar, numa das muitas casas da “Prainha”, foi comemorada e não por acaso. Venceram a Covid-19 estando entre as 9.281.018 milhões de pessoas recuperadas no Brasil, segundo levantamento feito pelo Ministério da Saúde. Em Pedreiras, segundo boletim divulgado pela prefeitura de Pedreiras, em 21 de janeiro, o número chega a 1865 pessoas recuperadas.
“Eu chorei que só não sei o quê. Tudo enfeitado, cheio de balão. Era pra ter vindo todo mundo, de São Luís, Coroatá, mas o médico disse que não. Vim saber depois (risos). Só os mais íntimos e os de perto. Ele (seu Francisco) era calado”, relembra dona Francisca.
Seu Francisco (Chicó) trouxe na memória os dias de cuidado e os remédios tomados, “bem tratado” segundo ele, que internado não viu seu time, o Botafogo, cair para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro 2020. “Estou melhor que o Botafogo”, diz ele. Sobre a Covid-19, pondera: “Ela é um pouco nojenta. Faz é embaraçar e não é brincadeira. É uma coisa muito séria e precisamos encarar a verdade. Isso tudo nos mostra que Deus está com a gente”.
A família nos permitiu conversar com eles na manhã do dia 23 de fevereiro. Maria dos Prazeres, cearense, foi trazida para as bandas do Maranhão pelo pai. Aqui conheceu Francisco Soares, que antes de ser seu esposo, já era, como dizem os mais velhos, seu “primo legítimo”.
Prosa vai, prosa vem. Em meio a tantas perguntas feitas a mais importante delas fora deixada para o final, ainda que fosse um clichê comum em matérias feitas com casais de longo tempo.
“Qual segredo para um casamento durar tanto tempo, a ponto de vencer uma pandemia?”, indagamos. Cada um achou uma palavra diferente.
“O segredo é o amor”, responde seu Francisco, visivelmente emocionado, mas sem abandonar a risada. “Aonde existe amor ali está o segredo do casamento”.
Já para dona Prazeres o segredo é perseverar. “Quando se casa é para viver, ter perseverança. Se não tiver não dura um ano”. Ela disse se admirar da coincidência de dividir com o esposo o mesmo leito hospitalar. Algo prazeroso em meio ao receio daqueles dias.