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domingo, setembro 8, 2024

Jesus entre a vela e o álcool em gel: a celebração do “Dia de Reis” apesar da pandemia

Duzentos e oitenta e três quilômetros (283 km) de São Luís, capital do estado do Maranhão, até a cidade de Trizidela do Vale, mais 20 minutos de estrada até o povoado Gavião Real. Este é o percurso feito pela professora Águeda Alves Costa, até a casa de seus avós paternos. É Dia de Reis e para lá convergem parentes e parte da comunidade, numa tradição que beira meio século e que obviamente sofre os impactos do tempo e nesse ano, em especial, com as restrições necessárias por conta de uma pandemia que começou no outro lado do mundo.

“Além de ser uma tradição familiar que me traz essas memórias de infância, é um momento de reunião. Costumo dizer e vovó também, que a gente acabou se acostumando, como se fosse uma data do aniversário de vovó. No dia do nascimento dela a gente não se reúne como no Dia de Reis. É que sabemos da importância que ela dá para isso. Adotamos a data como uma forma de tá junto, fazer um carinho, porque a gente percebe que ela se sente muito bem”, destaca Águeda, deixando para trás as demandas de trabalho, por sinal ampliadas na era do Home Office.

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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)

Pegamos carona com ela, Débora Sousa, sua melhor amiga, e Adriele Almeida, sua sobrinha. Durante o trajeto partilhou memórias dos inúmeros Dias de Reis vivenciados sob o teto da casa de sua vó. Uma história que não nasce ali. “Começamos com um terço. Passados uns cinco anos um compadre meu pediu para que fizesse a renovação do coração de Jesus. Ficamos rezando o terço e fazendo a renovação. Entrou um dirigente aqui que mudou para celebração. Essa minha menina já vai completar 50 anos, agora em setembro e quando começamos ela tinha um ano”, descreve do dona Antônia Macedo de Oliveira, 83 anos, apontando para sua filha Raimunda Macedo de Oliveira Duarte.

A tradição começou numa propriedade da família, a famosa Jaqueira, que Águeda tanto comenta. Dona Antônia Macedo relembra quando centenas de pessoas participavam da celebração. Segundo ela, vinha gente de Pedreiras, onde moram parte de seus parentes e amigos de Bernardo do Mearim, cidade que faz divisa com Trizidela do Vale.

“Na época em que acontecia na Jaqueira, que são as primeiras lembranças que tenho desse costume, tinha 4 anos. As pessoas andavam do Gavião e outros povoados vizinhos, por volta de três quilômetros. De Bernardo do Mearim, seis quilômetros. Quem não tinha bicicleta ia a cavalo, de jumento, numa distância considerável. Quando terminava a reza eles voltavam em grupos, por volta das 21h. Nessa época a lua costuma aparecer, mas às vezes não. Então era muito escuro, faziam uso de lanternas”, descreve Águeda, com um olho na estrada e outro nas memórias que lhe percorrem a mente.

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Dona Antônia Macedo de Oliveira (Foto: Joaquim Cantanhêde)

“Era uma festa que começava das 8h e se estendia até tarde da noite. Com toda família, vizinhos e de outros lugares. Fui embora para a ilha (São Luís), mas sempre que tenho oportunidade, mesmo que ela não sabia, eu chego aqui”, diz Roseane Oliveira de Sousa, ao lado da amiga que convidara para participar da celebração.

O tempo que acolhes histórias é também o que impõem as demandas da velhice. Dona Antônia já não é a mesma, ainda que fé não lhe falte, a questão é a saúde. “Eu disse que enquanto eu fosse viva, mas já estou ficando esmorecida”, argumenta dona Antônia, que na sua relação entre fé e maternidade, nunca fez do rito uma imposição.

Boa parte dos filhos, netos e bisnetos vieram. O altar aos poucos vai tomando forma perante a parede rosada. É Antônia Macedo de Oliveira Filha, uma de suas filhas, que cuida de prepará-lo para a celebração que começaria minutos depois. Devagarinho a comunidade se achega. Os mais idosos e os mais cabreiros não se arriscam e adicionam ao rito um elemento que se tornou símbolo de proteção contra a Covid-19, a máscara. Enquanto isso no altar, vela e álcool em gel dividem o mesmo espaço com a imagem de Cristo.

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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)

“Essa preparação houve, das conversas com as visitas, com os amigos que a gente sabe que costumam participar, dos cuidados com a higiene, pra gente redobrar. Esses cuidados tomamos desde o meio do ano de 2020 para cá, quando a Covid-19 se tornou muito presente. Redobramos os cuidados pela questão da idade deles, pois além dos avós existem outras pessoas da família no grupo de risco”, esclarece Águeda sobre a mudança impostas ao ritual em virtude do Coronavírus. Ao contrário dos anos anteriores, os abraços foram menos frequentes.

Para a tradição cristã, o Dia de Reis faz referência a narrativa bíblica que versa sobre a visita de três magos, que guiados por uma estrela, encontram o Cristo nascido, ofertando-lhe ouro, incenso e mirra. “Esta primeira epifania simboliza Jesus que vem salvar todos os povos. Ela não vem para uma pátria única, um povo único, ela vem para todos e isso é apontado por meio da presença dos magos, que pertenciam a outros povos. Como mostra o evangelista Mateus: o salvador vem para universalizar sua salvação. Ela não é somente para a Igreja Católica, a protestante, o cristianismo ou o budismo”, explica Nivaldo Silva Lopes, celebrante da noite, pós leitura do evangelho do dia.

Concluída a parte religiosa do rito, as filhas de dona Antônia tratam de servir aos convidados o mingau de milho, bastante conhecido por essas bandas, e bolo, acompanhando de suco ou refrigerante. Tudo muito farto, apesar do temor de quem as presenças não fossem muitas, mas ao contrário de 2020, nenhum sinal de chuva. “Carne de porco, gado e galinha assada e cozida, salada e farofa, mas esse ano não foi feito”, relembra Antônia Macedo de Oliveira Filha, uma das filhas de dona Antônia, sobre um tempo das vacas gordas, saúde farta e quando pandemia era coisa da literatura catequética.

“É uma alegria imensa, pois a gente vê que é uma devoção de minha mãe. Ela tem o prazer de receber os amigos. É gratificante pra gente. É como se fosse a celebração no meu aniversário”, explica Raimunda Macedo de Oliveira Duarte, aos 49 anos, a mesma idade da celebração da Festa de Reis do povoado Gavião Real.


A noite de “Reis” na casa de Antônia Macedo de Oliveira

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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Parte da família de Dona Antônia Macedo de Oliveira (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Celebração do “Dia de Reis” na casa de dona Antônia Macedo (Foto: Joaquim Cantanhêde)
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Joaquim Cantanhêde
Joaquim Cantanhêdehttp://www.opedreirense.com.br
Jornalista formado pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
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