Sobre dias que marcam
Cyndi Lauper e Duda Abreu, estreantes em uma edição do Rock in Rio. Se a primeira tinha o Palco Mundo aos seus pés, a segunda disputava espaço entre uma multidão de centenas de pessoas. Se uma fez ecoar seu inglês, a outra fez questão evidenciar o lugar de onde partiu para viver aquele momento histórico. Assim descrevem os que conseguem viver a emoção de um festival, especialmente os dessa magnitude. “Para mim, Cyndi Lauper não é apenas uma artista que aprendi a gostar da música, é uma pessoa que na maioria das vezes, querendo ou não, estou usando algo parecido com ela. Me inspira a ser eu, tanto no jeito de ser como de vestir”. Isso explica tudo o que Duda fez para estar ali, vivendo aquele momento, sendo parte do coro em “Oh girls just wanna have”.
Quem conhece a pedreirense sabe que uma de suas marcas é o cabelo colorido. Nas estrelinhas de sua constante metamorfose está um estilo de vida que passa pela influência da música, em especial o rock. Por vezes, Duda relata, ouvia clássicos do gênero no rádio, isso ainda nos anos 80. Entende que naquele momento a música era uma das formas utilizadas, pela juventude, para evidenciar sentimentos, dos mais diversos, da indignação ao amor.
“Quando se ligava o rádio quase sempre estava tocando Madona, A-ha, Cyndi Lauper e os nacionais. Acho que naquela época o sonho de toda garota era ser igual a uma dessas estrelas”, descreve. A vida adulta e seu pragmatismo não sufocou seus ideais.
“No Rock in Rio de 1985, tinha seis anos e por incrível que pareça, por volta de 1988, ainda mostravam as imagens do festival no Vídeo Show (extinto programa da Globo). Nessa época vivia em Teresina (PI) e ficava encantada com tudo aquilo. Mas como uma criança iria para tão longe pra um evento tão grande sozinho?”. Anos depois ela saberia a resposta.
Para Cyndi Lauper, também ativista, a performance de sexta-feira (20) poderá ter sido sua última apresentação no Brasil. Por aqui já esteve em 1989, 1994, 2008 e 2011. “Girls Just Wanna Have Fun Farewell Tour”, prestes a ser iniciada, deve marcar sua aposentadoria em relação aos palcos.
Para estar no mais badalado latifúndio do entretenimento brasileiro, Duda enfrentou uma disputa iniciada na compra dos ingressos. “Preciso ir! É agora ou nunca”, pensou, ao saber que a vinda de Cyndi já tinha até data marcada. Quem disse que com os ingressos comprados a paz reinaria?
“De lá pra cá a expectativa só aumentava. Quando entrei naquele avião, em 20 de setembro, sentido Rio de Janeiro, a ficha caiu. Chegou o grande dia. Marquei com um grupo de fãs, de vários estados, para nos encontrarmos na Cidade do Rock. Como chegar lá sem conhecer nada? Não era difícil. Bastava seguir a multidão, pessoas do mesmo estilo. A gente se identificava facilmente. Fiquei, de 11h30, sob um sol mais quente do mundo, numa fila gigantesca, até às 14hs, quando os portões foram abertos. A maior emoção do mundo é quando você entra com muita gente correndo cantando, ‘se a vida começasse agora e o mundo fosse nosso de vez, se a gente não parasse mais de amar de se dar de viver’. Foi inesquecível”, descreve Duda, cujas memórias não couberam no celular.
Sob os ares de um lugar outrora sonhado, Duda peregrinou rumo à grade, ponto mais próximo ao palco. Estar ali requer que o fã (só este ser faz isso) nem pense em ir ao banheiro, sob o risco de não mais poder voltar. Sentar, deitar, só desmaiando. Tudo isso se faz diminuto quando as luzes se apagam – um sinal de que o show vai começar.
“Quando vi aquela senhora, de 71 anos de idade, dançando como se ainda tivesse 30, com aqueles cabelos arrepiados, me vi. Parece que eu estava em uma bolha de sonho. Às vezes ficava parada só olhando, sem cantar, porque queria ver direitinho a diva que revolucionou o mundo da música pop, da moda e do feminismo. Vi por várias vezes bem de pertinho na lateral do palco”. Toda primeira vez marca, Duda não deixa dúvidas. “Em um único dia na cidade do rock, vi e vivi uma enxurrada de emoções, muitas celebridades e as duas maiores que pra mim tem o mesmo peso como pessoa nas lutas e causas sociais”.