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domingo, fevereiro 16, 2025

Com dueto de advogados de Brasília, Vanessa Maia processa o re(u)pórter do povo

A peleja entre a vip e o pipoca num país em que jornalistas são cada vez mais processados


A espuma que adorna seu microfone leva uma das cores adotadas pela gestão de Vanessa dos Prazeres Santos. Ela, antes conhecida como a “esposa de Fred Maia”, e Antônio Pablo França de Oliveira como filho do Rambo – dois homens que se orgulham de vociferar que são machos à moda antiga ­– trafegam por mundos distintos e entre eles, a velha máxima do ter ou não ter exerce sua força. O lado da corda de Pablo é mais fraco que o da prefeita que almoça com um ministro de Estado e conta com um dueto de advogados de Brasília (DF).

Assim como Vanessa, Pablo já foi um desconhecido. Atuando, em Pedreiras, Maranhão, usa as redes sociais para visibilizar problemas cotidianos que impactam a vida da população. Contudo, o “Repórter do povo” escolheu outro caminho, ou melhor, mistura: humor e jornalismo. Uma soma que lhe rende likes e antipatias.  

“O repórter do povo surgiu, primeiramente, da falta de emprego aqui em Pedreiras”, destaca, descrevendo seu começo, quando ocupava espaço na TV Rio Flores. A boa aceitação o levara à ceara das redes sociais. Antes disso, também prestou serviço à rádio FM Cidade.

No ambiente “livre” da internet, o repórter encontrou uma poça de lama perfeita para informar sua audiência, dispensando uma postura fria, tão cara ao jornalismo tradicional pedreirense, historicamente gerido por forças e interesses políticos. Se há quem entenda seu trabalho como indispensável, há quem o rejeite, acusando-o de sensacionalismo. É com o microfone de espuma avermelhada e um celular, que ele diariamente – com ironia estocada – serve um banquete de informações que o clã Maia não consegue engolir.

Se para Pablo a liberdade de expressão tem limite – disse sim ao ser indagado – em sua atuação como repórter há quem o veja brincando com a linha tênue que divide o humor e baixaria.

Antônio Pablo França de Oliveira, o “repórter do povo” (Foto: Joaquim Cantanhêde)

“Não ataco o pessoal da pessoa, apenas a figura pública”, explica, ao ser indagado sobre como lida com o limite da liberdade de expressão. “Já aconteceu coisas pessoais da vida da prefeita, por exemplo, em que não foi o caso de noticiar”, acrescentou, argumentando que suas reportagens só versam sobre “coisas públicas”. Contudo, na peleja entre a prefeita e o re(u)pórter, foi um story publicado por ele, no Instagram, que lhe rendera um terceiro processo, desta vez, tendo Vanessa Maia como autora. O clã já pode pedir música no Fantástico.  

“Produziu e veiculou uma postagem ofensiva, com afirmações levianas e mentirosas, as quais estão deveras prejudicando a honra e a imagem política e social da Autora, causando-lhe danos morais”, afirmam os advogados Frederico Mota de Medeiros Pedro Henrique da Conceição Barros, que representam a prefeita.

O documento, de 41 páginas, tem como um dos anexos o print de um story publicado por Pablo no Instagram @rreporterdopovo. Nele, a reprodução de uma denúncia, em texto, na qual a Prefeitura de Pedreiras fora acusada de suposto atraso salarial. A mensagem fez referência ao mês de dezembro. “Salário atrasados”, fora o enunciado escolhido por Pablo, que optou por publicizar o conteúdo recebido em um contexto privado.

Ouvido pelo jornal O Pedreirense, Pablo se diz injustiçado. “Não foi nem uma matéria jornalística, não foi nada demais. Foi um story cobrando uma situação da cidade”, minimiza o repórter. “Fiz e não me arrependo. Foi para defender aquelas pessoas que mais me atacam em redes sociais”, acrescentou.   

Para a defesa da prefeita “propagação da notícia falsa”, que “não atingiu apenas a Autora, mas também a própria Administração Pública, haja vista que lhe fora imputada a prática de atraso salarial injustificado, o que pode redundar em eventuais punições pelos Órgãos de Controle Externo, na análise das contas anuais de gestão e governo”.

“Consigo provar por A mais B que existe sim. Tenho contracheques, documentos e testemunhas”, argumenta Pablo, que perante a Justiça terá que apresentar bem mais que um print.

Na argumentação, os advogados reconhecem o constitucional direito à liberdade de pensamento e expressão, mas afirmam que, com a postagem, Pablo propagou fatos inverídicos (a popular Fake News), sujando moralmente a imagem de Vanessa Maia. Isso, segundo eles, justifica o pedido de “reparação”.

“Por mais que a Autora exerça uma função pública, tal fato, por si só, não autoriza que lhe pendurem um alvo nas costas e contra si projetem-se qualquer tipo de calúnia, injuria, difamação ou Fake News, afinal, pessoas públicas também sofrem dano à personalidade”, dizem os advogados.

“Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)”. Eis a cifra, cravada pela defesa, como “indenização por danos morais”. Se Pablo pagará esse valor, se pagará algum valor, somente o veredito poderá dizer. A peça não é uma condenação, mas sem sombra de dúvidas uma investida que testa o colete do jovem repórter. “Se confirmada a condenação o juiz pode me prender”, diz o réu.

Perguntamos a Pablo se não lhe faltou, neste caso, o que é da natureza do jornalismo: apuração e prudência.

“De toda forma serve de aprendizado. Conversei com outros amigos, jornalistas da cidade. Falaram que deveria ter tomado outra atitude, mais profissional: ido na secretaria. Só que assim, a prefeita quando viu meu story, mandou uma reposta dizendo que eu teria que provar na justiça”.

No diálogo com a gestora (print seguinte), ele manifestou o interesse de publicitar a conversa, “como uma resposta oficial”. Vanessa não disse que sim, nem que não. “Vamos manter a cordialidade que queremos.

Print de uma suposta conversa entre Vanessa Maia e Antônio Pablo França de Oliveira

Via WhatsApp, indagamos a gestora sobre a veracidade do diálogo. Não houve retorno.

Para refutar a acusação feita por Pablo, a defesa de Vanessa Maia apresentou certidões que testificam que ela e sua gestão têm o nome limpo na praça. Os anexos incluem, entre outros, certificações do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, Receita Federal, Secretaria de Estado da Fazenda e Secretária Municipal de Finanças.

No perfil do Instagram, com 12,5 mil seguidores –o mesmo citado no processo– a última postagem faz referência ao imbróglio judicial. Pablo, em vídeo, define como “censura” a liminar determinada pelo juiz Artur Gustavo Azevedo Do Nascimento, titular do Juizado Especial Cível e Criminal de Pedreiras. O magistrado deu 24 horas para que o story fosse apagado. Pablo, também ficou proibido de tocar no assunto. A teima lhe custaria “multa diária de R$ 500 (quinhentos reais)”.

“Não há como o Judiciário negar a concessão, de almejada liminar, porque a parte reclamante é pessoa pública, no presente caso, prefeita do município de Pedreiras/MA, vindo a veiculação das notícias publicadas nas redes sociais do demandado ofender a honra e a imagem da demandante. Ademais, a retirada imediata das publicações não comprometerá o andamento processual e nem o seu deslinde, razão pela qual vislumbro pela plausibilidade do pedido de antecipação de tutela”, argumenta o magistrado.

Antônio Pablo França de Oliveira, o “repórter do povo” (Foto: Joaquim Cantanhêde)

O repórter não foi o primeiro e nem será o último processado no Brasil em razão de uma publicação. A lista de políticos que acionam a Justiça, contra jornalistas, inclui nomes de personalidades políticas com diversos níveis de influência. Vanessa Maia entra para uma lista que já conta com Artur Lira, presidente da Câmara dos Deputados. Para ficarmos com um exemplo.

A moda pegou no Brasil e entidades de defesa do jornalismo se manifestam.

“Apesar de a proteção da honra estar consagrada como um direito humano, no artigo 11 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), a criminalização da injúria, calúnia e difamação oferece risco à liberdade de expressão, principalmente quando se trata de pessoas públicas, políticos e temas de interesse público.

Desse modo, para a proteção da liberdade de pensamento e expressão, consagrada no art. 13 da CADH, é incompatível o tratamento penal dessa questão, sendo ela uma restrição desproporcional e indireta que coloca em risco o interesse público e a liberdade de expressão em sua esfera individual e coletiva”, destaca a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), uma das muitas organizações de luta pela liberdade de imprensa, em artigo que trata do chamado “Assédio judicial”.

“Agora, tornou-se mais frequente pequenos jornais, blogueiros, influenciadores e até mesmo cidadãos que não exercem atividade profissional em comunicação social serem arrastados para complexas ações judiciais. Esses atores muitas vezes não têm como custear ou mesmo obter uma representação jurídica especializada. O resultado é que os desfechos dos processos acabam por sinalizar, de forma precária ou não, limites para o exercício das liberdades de expressão e de manifestação do pensamento”, ressalta o Tornavoz, instituto cuja finalidade é garantir, a jornalistas, defesa jurídica, financiamento e orientação; fortalecimento e desenvolvimento da jurisprudência; valorização e conscientização.

O repórter processado tem agora um encontro marcado na Sala de Audiências do Fórum Desembargador Araújo Neto. Trata-se da Audiência de Conciliação prevista para ocorrer no dia 28 de fevereiro. No documento o técnico judiciário deixa claro o resultado de uma possível ausência do intimado: “o Juiz togado proferirá sentença”.

Sobre o cálculo que estimou o valor indenizatório e sobre o tema assédio judicial, entramos em contato com um dos advogados que representam Vanessa. Dr. Frederico Mota, nos enviou a seguinte resposta:

“Agradeço de coração o seu contato e o honroso espaço cedido no relevante veículo de comunicação “O Pedreirense”.

Esta banca desempenha atividade eminente técnica, protegida dentre valores outros pelo sigilo profissional entre os clientes e advogados, bem como acerca das estratégias processuais e métricas aplicadas.

Assim, toda e qualquer manifestação sobre os casos judicializados, ocorrerão exclusivamente nos autos do processo. Por fim, esclarece que toda ação ajuizada é lastreada em decisões dos tribunais superiores, ou seja, a jurisprudência pátria.”


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Joaquim Cantanhêde
Joaquim Cantanhêdehttp://www.opedreirense.com.br
Jornalista formado pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
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