“A saúde mental da população negra é afetada pela exposição ao racismo, desde cedo”, afirma Rômulo Mafra, psicólogo
O debate acerca dos impactos da violência policial sobre a saúde mental das populações negras residentes em favelas, que, historicamente, atravessam sistemáticas violações de direitos humanos, perpassa não somente sobre a atuação do Estado ao naturalizar a extrema violência ao qual essa população é submetida, como também sobre os impactos deixados na vida de quem a atravessa. Moradores vivendo cotidianamente sob a mira de um fúzil, que têm suas casas invadidas e seus filhos mortos pela violência brutal em suas comunidades, no país em que a chance de uma pessoa negra ser assassinada é 2,6 vezes superior à de uma pessoa que não é negra, segundo Atlas da violência de 2021.
Esse profundo problema social e estrutural, afeta diretamente a saúde mental desta população e para compreendermos melhor sobre essas marcas, a campanha “Afrodescendentes Resistindo à Violência Policial: o impacto do policiamento militarizado na saúde mental da população negra residente em favelas no Brasil”, entrevistou o especialista em saúde mental, Rômulo Mafra Cruz, psicólogo, negro e ativista dos Direitos Humanos. Rômulo utiliza suas redes sociais para falar sobre o tema, voltado à população negra. Durante a entrevista ele falou sobre a atuação e dever do Estado diante da extrema violência nas comunidades, falou sobre relações e afetos, além de apresentar como a psicologia trabalha o emocional da população negra. Confira agora a entrevista completa:
Campanha: Sabemos que a população negra é maioria residindo em favelas do Brasil, exposta diariamente à violência e à desigualdade social. Como você enxerga o trabalho do Estado em reverter ou amenizar esse quadro de desigualdade e violência?
Romulo: O Estado é o autor disso. Desde o fim da escravidão quando a população negra foi jogada nas ruas e a sua própria sorte, tendo que ir para ocupações, morros e criar o que chamamos de “favelas”. Foram décadas de falta de assistência, educação e políticas públicas necessárias para essas pessoas, logo, é dever do Estado olhar para o país com essa dívida e ter projetos a longo prazo para equilibrar e reparar o que houve e ecoa até hoje, de geração para a geração. Lógico, nem todos os projetos tem isso como foco. Sem educação e outras alternativas a criminalidade se apresenta de diversas formas para essa população, a cada 23 minutos morre um homem preto no brasil, esses dados são desde a década de 90 e persistem, ou seja, evoluímos? Aquele velho clichê: mais escolas, menos presídios, mas há quem se interesse em ver corpos pretos sendo maioria do sistema carcerário, pela construção histórica de ser a ameaça.
Campanha: De que forma essa violência influencia nas relações da população negra na sociedade?
Romulo: Certa vez li um artigo (não me recordo autora, perdão) chamado “filhos da violência” que retratava como cresciam crianças pretas em ambientes onde suas mães eram estupradas, seus pais violentados e espancados e elas desde cedo, discriminadas. Crianças pretas desde cedo precisam aprender a ser fortes, isso mesmo, precisam de uma forma que outras não. Isso desemboca nas nossas emoções e relações enquanto indivíduos, paternidade, vida conjugal, amizades, nosso afeto é afetado, nossa autoestima, nossa capacidade de amar e sentir. As formas de violência que a pessoa preta é exposta desde a infância influencia na saúde mental e emocional dessa fase até a vida adulta. O resgate de nossa saúde mental é urgente.
Campanha: A chamada “guerra às drogas” tem deixado marcas. Milhares de famílias negras são impactadas pela política de extermínio do estado. Seja nas ações do cotidiano, seja emocionalmente. Que impactos essa violência militarizada desenvolve no emocional de quem a atravessa?
Romulo: As pessoas se emocionam com guerras na Europa mas não veem que no próprio país existe genocídio maior. Tráfico é um negócio rentável no Brasil, mas principalmente pra quem gerencia. Isso já se sabe, falta a vontade dos que legislam para mudança. Assim como também ver essa guerra como problema de saúde pública. As microagressões diárias nas noticias, de pessoas pretas morrendo em operações policiais enquanto se vê helicópteros de senadores e avião que transporta o presidente da república com toneladas de cocaína nos mostra em que direção segue a “guerra ao tráfico” e principalmente, afeta diretamente a parte que é vítima e normaliza a morte desses corpos para outro grupo. Nada é por acaso.
Campanha: Diante de tanta violência e perdas na periferia, contra pessoas negras, como a psicologia trabalha o emocional desta população?
Romulo: Hoje vivemos um marco no momento da psicologia, que sempre foi embranquecida e com poucos (as) profissionais que englobassem diversidade. Existe um grande número de psis que já atuam frente a esse amparo, assim como projetos, ONGS e institutos, como o “da cor ao caso”, do qual sou sócio e diretor. Ofertar atendimento clínico a essa população que sempre teve pouco acesso e incentivo pra cuidar de sua saúde mental e expor suas emoções já é uma revolução.
Campanha: Quais os riscos psíquicos a que a população negra está exposta?
Romulo: A saúde mental da população negra é afetada pela exposição ao racismo, desde cedo. As condições que foram colocadas pelas mazelas históricas, pelas notícias dos noticiários, seja em qualquer ambiente, a pessoa preta está sujeita a desenvolver transtornos mentais como consequência dessas agressões quase que cotidianas. Fazer terapia pro povo preto é uma revolução.
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