OPINIÃO
Não é novidade, e isso já foi dito em textos anteriores aqui neste jornal que de 2016 para cá o Brasil e os brasileiros têm passado por muitas provações. Do impeachment da Presidente Dilma, passando pelo governo do terrível Michel Temer, até os atos golpistas e terroristas do dia 08/01/2023, muitos fatos ocorreram e nem precisa ser especialista em política para perceber que foi tudo planejado de forma biltre por um grupo que, até o momento, não aceita a derrota legal ocorrida em 2022. Não há como negar, que as digitais de cada tentativa golpista são compatíveis com os propósitos do governo anterior.
Um dia após a vitória de Lula no segundo turno das eleições a ordem pública foi fortemente colocada em xeque. Em frente a quarteis do Exército de várias partes do país, foram erguidos “acampamentos”, onde grande parte dos acampados, vestidos de verde e amarelo, se mostrariam no dia 08/01/2023 que eram “vândalos” e não manifestantes com causa. Aliás, nunca houve uma causa, muito menos democrática. Mas, antes desta fatídica intentona, outros episódios já demonstravam que algo estava fora da ordem. Listo alguns:
- A conivência através do ‘silêncio’ do candidato à presidência que fora derrotado;
- Fechamento de trechos de algumas rodovias do país por caminhoneiros bolsonaristas em pelo menos 23 estados e no DF, logo após a vitóriadeLuizInácioLula da Silva;
- Atos extremistas e a depredação ocorrida no centro de Brasília (incêndio de ônibus e outros carros, tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, após a diplomação do presidente eleito);
- Tentativa de explodir uma bomba perto do Aeroporto Internacional de Brasília, na véspera do natal;
- Fuga do candidato derrotado para os EUA no dia 30/12/2022 sob o pretexto de não passar a faixa presidencial.
- Minuta de um documento que embasava um Estado de Defesa, encontrado pela PF na casa do Secretário de Segurança do DF e ex-ministro da justiça do governo anterior.
A fuga para os EUA mostraria outras intenções do presidente golpista derrotado. Primeiramente a tentativa de fugir da possibilidade de pedido de sua prisão. Segundo, lá é mais fácil dizer que as eleições foram fraudulentas e que o resultado, isto é, a vitória de Lula foi um presente do TSE. Por fim, talvez, quem sabe de lá conseguir outra cidadania, a italiana.
É evidente que isso tudo acorrera com o presidente derrotado mantendo-se como sempre inerte e fugindo de suas responsabilidades. Essa foi a impressão que ficou. Numa de suas poucas falas públicas sobre os atos terroristas do dia 08/01/2023, ele disse: ‘coisa inacreditável’, e completou: ‘No meu governo, o pessoal aprendeu o que é política’. Isso não é política. Isso é baderna. Política tem origem no grego politikós, uma derivação de polis que significa “cidade” e tikós, que se refere ao “bem comum”. Portanto política é a atividade da governança, do Estado e das relações de poder e também uma arte de negociação para compatibilizar interesses. Interesses comuns.
Sigamos então. A passagem de janeiro para fevereiro nos trouxe novos fatos. Além da eleição no congresso, as prisões sob o comando da PF e depoimentos de investigados em atos antidemocráticos, os dois principais fatos foram a existência de um documento golpista, encontrado na casa do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, e a entrevista concedida pelo Senador bolsonarista Marcos do Val à Revista Veja. Na entrevista, o parlamentar revelou os planos de um golpe arquitetado por Jair Bolsonaro. Veja a seguir parte do texto extraído da revista:
“O senador Marcos do Val (Podemos-ES) confirmou a VEJA que participou da reunião com Jair Bolsonaro e o deputado federal Daniel Silveira no dia 9 de dezembro do ano passado. Na ocasião, o então presidente pediu que ele gravasse conversas do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE. O plano era flagrar o magistrado em alguma inconfidência ou indiscrição e usar o material como argumento para anular as eleições, impedir a posse de Lula e manter o ex-capitão no poder” (Publicação da revista VEJA de 8 de fevereiro de 2023, edição nº 2827). https://veja.abril.com.br/politica/marcos-do-val-sobre-pedido-de-bolsonaro-fiquei-assustado-com-o-que-vi/.
Percebe-se pelo exposto que Bolsonaro, passados 90 dias das eleições, não digeriu o resultado. Mas o pior são as suas “terceirizações”, atitudes comuns no seu governo. Sempre delegou a alguém o que de ruim surgia em seu governo. A citada entrevista é reveladora de acusações graves, inclusive o crime de prevaricação previsto no artigo 319 do Código Penal Brasileiro. Agora é preciso que se tenha cautela, visto que as acusações – com algumas contradições – são vistas com desconfianças não só no meio político, mas também entre juristas, afinal, o acusador é bolsonarista.
O candidato derrotado não para. Sua mais recente tentativa golpista fracassou novamente Tentou interferir no resultado das eleições para a presidência do Senado (Congresso Nacional). Mas, como sempre, é colecionador de frustações e derrotas. Seu candidato extremista perdeu e o atual governo sai fortalecido. Uma possível vitória extremista poderia colocar o governo Lula numa situação difícil de governabilidade. Enquanto isso, lá da terra do Mickey, o ex-presidente, defensor de golpe e de intervenção militar, a cada dia sente a possibilidade de ter que voltar a Brasília, desta vez para o Complexo Penitenciário da Papuda. Os últimos acontecimentos corroboram para isso. Qual o erro de Bolsonaro? Foram muitos. Muitos mesmos. Diria que não foram somente erros, foram atitudes criminosas, sejam elas por suas ações ou omissões.
Por outro lado, diferentemente do governo que acabou em 31/12/2022, temos um governo que com pouco mais de 30 dias já disse a que veio, assume compromissos. É um governo de pessoas para pessoas. Trata-se de um governo que defende o triunfo da ordem democrática, defende o diálogo à barbárie, defende os povos originários, defende os direitos humanos, se preocupa com os seus biomas, projeta o país internacionalmente não como párea, desperta esperança e sonhos. Enxerga a educação como alternativa de desenvolvimento.
No governo passado foram quatro anos de ficção, de atrasos, escândalos, destruição, mortes e corrupção. A recém-notícia veiculada nos noticiários de TV acerca do genocídio com o povo Yanomami revela o descaso e a insensibilidade daquele governo com o seu semelhante. Não custa relembrarmos uma de suas falas em 1998.
“A cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país” (Frase atribuída a Jair Bolsonaro em 15 de abril de 1998, num pronunciamento realizado por ele quando ainda era deputado federal pelo PPB (atual PP). O conteúdo foi republicado no Diário Oficial da Câmara no dia seguinte.
Se somarmos ao exposto os recentes relatos acerca do povo Yanomami, tudo leva a crer que o plano do governo passado era exterminar cultural e fisicamente esse povo. Visava um genocídio[1]. Conforme Silvio Almeida, atual Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, ao analisar ações e declarações dadas por agentes do governo passado e pelo ex-presidente, tudo converge para atitudes criminosas. Ainda de acordo com o ministro, foram encontrados do antigo ministério, sob o comando de Damares Alves, alguns documentos e notas técnicas que indicam que houve deliberadamente pareceres técnicos recusando um projeto de lei, por exemplo, que determinava, auxílio emergencial ao povo Yanomami (Vacina, leito de UTI e comida). O projeto foi vetado pelo então presidente, pois era visto como inútil.
Portanto, após todos esses relatos, sejam eles de natureza golpista ou genocida, somos levados a afirmar que o governo que se encerrou no dia 31/12/2022 tinha como projeto principal implementar um golpe de estado. O apoio que teve não foi suficiente para sua invertida. O movimento pró-democracia foi muito maior. Aos poucos o ex-presidente fujão derrete politicamente até entre os seus. Segundo o Datafolha, 93% dos brasileiros condenaram os atos golpistas contra as sedes dos três poderes da República. Na mesma pesquisa, para 43% dos entrevistados todos que participaram da invasão deveriam ser presos; para 15%, a maioria dos invasores deveria ir para a cadeia; 26% defendem que apenas alguns dos golpistas deveriam ser presos; para 9%, ninguém deveria ser preso; 4% não sabem.
O que é ruim, tá piorando para o ex-presidente. Parece existir uma relação entre os relatos da entrevista do senador e o documento encontrado na casa de seu ex-ministro da justiça. Na realidade a proposta de decreto (documento encontrado) serviria para o então presidente Jair Bolsonaro declarar estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral. O objetivo seria reverter o resultado da eleição de 2022, do qual Lula saiu vencedor no segundo turno.
Finalmente é oportuno dizer que esse governo passado era uma ficção, nunca houve. Tem contas a pagar junto à justiça brasileira e até internacional. O eco desse governo sob o comando do capitão arruaceiro, reacionário e “mal militar” (palavras de Ernesto Geisel) ainda permanece e está presente no dia a dia de nossos amigos e familiares. O discurso cristão e a pseudo postura moralista embebeceu muita gente, levando inclusive a discórdias, ódio, rompimento de laços de amizade. A barbárie e o ódio erigido a partir desse modus operandi de governar deixou marcas terríveis na sociedade brasileira. Por isso, o rigor da lei (leia-se cadeia) deve ser firme na tentativa de trazer a esperança e a paz que sempre tivemos e que é maior que o nazi-bolsonarismo. Nesse sentido, não deve haver anistia para os golpistas, sejam eles executores de ações criminosas, mentores intelectuais e financiadores.
Por José Edson da Silva Barrinha, professor de Geografia do IFMA – Pedreiras
[1] O genocídio é crime definido na Lei 2.889/56, que assim dispõe em seu artigo 1º:
Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;