OPNIÃO
O anual espetáculo das cheias começou. No bairro Matadouro, o primeiro a ser afetado, cenas que se repetem, ano após ano, em uma cidade que cresceu sufocando o rio. O Mearim, agora buchudo, molha os pés de quem já traz tantas marcas. Gente sem muita coisa na vida, tantas vezes criticada por voltar quando as águas baixam. Muito se julga e pouco se reflete.
Neste cenário de urgência, há de se enaltecer o trabalho da Defesa Civil, no monitoramento da situação, das equipes de Assistência Social, homens do Exército Brasileiro, que se desdobram para garantir, em especial, a retirada, abrigo e alimentação. Profissionais por vezes desconhecidos. Os protagonistas mais importantes nessa hora de tanto aperto.
A política partidária também bota a cara na chuva, com tentáculos afiados, prontos para extrair, do caos, o que lhe for de proveito. Políticos da situação e oposição; para cada um deles a cheia terá um sentido, um uso político, que expõem dramas, faces e nomes. Em meio às águas barrentas, ao vivo, surgem os salvadores.
A imprensa também está lá. A serviço de quem? Cabe refletir. A cheia é um momento delicado e a linha entre a notícia e o espetáculo é por demais tênue. Tudo o que se registra naquele cenário vai parar em algum “lugar”, vira história. Precisamos refletir sobre como a contamos, já que é sobre outros, gente cuja privacidade já é tão violada. Mesmo nossas boas intenções por vezes violam direitos básicos e inegociáveis.
Nos enredos há sempre um pobre. Gente às margens deslocadas para outras. O Mearim não é seletivo, mas as estruturas sociais sim. Tragédia não poupa ninguém, mas os que se acham em situação de vulnerabilidade social são os mais vulneráveis ambientalmente e os mais afetados. A riqueza serve inclusive para isso: garantir segurança diante da crise climática e seus impactos. A cheia é inevitável, mas seus impactos também são um fato político.