THYAGO MYRON
Na era da informação digitalizada e instantânea, o jornalismo enfrenta um desafio monumental: a desinformação. Esse fenômeno, que muitas vezes se manifesta de maneira sorrateira e insidiosa, ameaça minar a própria essência do jornalismo responsável. Este texto explorará a desinformação não apenas como um problema que o jornalismo enfrenta, mas também como uma prática que alguns jornalistas, inadvertidamente ou não, contribuem para perpetuar.
A desinformação contemporânea transcende as fronteiras das informações falsas e alcança o cerne do jornalismo ético e responsável. As causas desse problema são múltiplas e intricadas. Por um lado, a crescente pressão para fornecer notícias em tempo real, aliada à competição acirrada por audiência, levou a lapsos na apuração de fatos e à prevalência de manchetes sensacionalistas que frequentemente sacrificam a precisão em prol do sensacionalismo.
Ademais, as redes sociais digitais e plataformas de compartilhamento de informações amplificaram exponencialmente a propagação da desinformação. Muitas vezes, informações incorretas ou enganosas ganham tração viral, alimentando bolhas de filtro onde os indivíduos são expostos apenas a visões que corroboram suas crenças preexistentes, criando um ambiente propício para a disseminação de informações falsas.
Em um cenário em que a mídia hegemônica, incluindo veículos renomados como o Estadão, é acusada de fabricar e compartilhar desinformação, a preocupação com a integridade do jornalismo se torna ainda mais premente. É inegável que mesmo meios de comunicação tradicionais podem, em alguns casos, estar envolvidos na disseminação de informações incorretas ou tendenciosas. Isso pode decorrer de diversas razões, incluindo viés editorial, pressões comerciais, erros de reportagem e, em ocasiões mais preocupantes, ações deliberadas que visam atender a agendas políticas ou interesses comerciais específicos.
O Estadão compartilhou a seguinte manchete “Lula atuou em operação para banco emprestar US$ 1 bilhão à Argentina e barrar avanço de Milei”. Após uma repercussão negativa, o jornal vem sendo acusado de propagar fake news, uma vez que a ministra do planejamento, Simone Tebet, desmentiu a reportagem assinada por Vera Rosa, que afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria desempenhado um papel direto na concessão de um empréstimo de US$ 1 bilhão à Argentina, com o intuito de apoiar o ministro da economia argentino e candidato peronista à presidência, Sergio Massa. Isso teria sido feito com o objetivo de conter o avanço do candidato de extrema-direita, Javier Milei.
“O presidente Lula não me ligou, não entrou em contato comigo. O que é natural, eu sou governadora desses bancos e eu simplesmente voto num banco que não é brasileiro, cujo dinheiro não é do Brasil. Nós temos 8% de participação, mas não é dinheiro, e a CAF se reúne exatamente com um banco para ajudar os países da América Latina. Minha secretária, por minha determinação, foi autorizada a votar favoravelmente como 20 dos 21 países votaram favoravelmente. Todos os países que fazem parte da CAF, deste banco que não é nosso, não tem dinheiro federal brasileiro lá, não estamos tirando dinheiro do Brasil para colocar lá, e temporariamente, e, portanto, nós aprovamos. Tanto é verdade que a Argentina já pagou o banco”, declarou Tebet. De acordo com informações do Estadão, sugere-se que Lula teria tido um papel direto na concessão do empréstimo à Argentina. Contudo, essa alegação carece de fundamento. A liberação do montante em questão foi aprovada em 28 de julho pelos países membros do banco, obtendo um apoio expressivo de 19 votos favoráveis entre os 21 possíveis. O banco em questão é o Banco de Desenvolvimento da América Latina, conhecido como Agenda CAF, uma instituição financeira regional. O empréstimo em referência, direcionado a um país da região que enfrenta consideráveis dificuldades financeiras, recebeu a aprovação maciça de 20 dos 21 países membros do banco.
O exemplo mencionado relaciona-se diretamente à problemática da desinformação sendo propagada pelo jornalismo. A alegação de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria atuado diretamente na concessão de um empréstimo à Argentina, sem evidências sólidas que a respaldem, ilustra como a desinformação pode se infiltrar nas notícias. A responsabilidade do jornalismo é fundamental para garantir que as informações sejam verificadas e apresentadas de maneira precisa. No entanto, quando veículos de mídia propagam alegações infundadas ou distorcem os fatos, eles comprometem a credibilidade da profissão e a confiança do público.
Nesse contexto, é essencial que os veículos de mídia exerçam um rigoroso controle de qualidade, verificando cuidadosamente suas fontes e evitando a disseminação de informações não verificadas. A transparência em relação às fontes e ao processo de apuração também é crucial para que o público possa avaliar a credibilidade das notícias. O caso mencionado destaca a importância da responsabilidade jornalística na prevenção da desinformação e na preservação da integridade do jornalismo como um pilar essencial da democracia. Quando o jornalismo falha em cumprir essa responsabilidade, ele contribui para o problema da desinformação que atualmente afeta a sociedade.
Em outra ocasião, o Estadão recorreu à prática jornalística para disseminar, mais uma vez, desinformação. Desta vez, o foco recaiu sobre Anielle Franco, ministra da igualdade racial. Com a manchete “Anielle Franco usa avião da FAB para ato do governo na final da Copa do Brasil e é alvo de críticas”. Primeiramente, ao mencionar que Anielle Franco “usa avião da FAB para ato do governo na final da Copa do Brasil,” a frase sugere que Anielle estava envolvida de forma pessoal e direta com o evento governamental, o que pode criar uma impressão de que ela estava usando recursos públicos de maneira inadequada. No entanto, a análise mais aprofundada revela que Anielle estava, na verdade, participando de um ato oficial do governo, o que muda o contexto.
A expressão “alvo de críticas” é interessante nesse contexto, pois, como mencionado, pode implicar que Anielle estava sendo criticada por um amplo espectro de pessoas. No entanto, a explicação adicional revela que essas críticas se originavam principalmente de políticos bolsonaristas que estavam distorcendo a situação para atender aos seus próprios interesses políticos.
Essa manipulação das informações exemplifica como o jornalismo pode ser empregado para transmitir narrativas políticas específicas, distorcendo a realidade. Quando isso ocorre, contribui-se para a disseminação da desinformação, pois o público é levado a acreditar em interpretações errôneas dos eventos.
Essa breve análise destaca como as escolhas linguísticas, como o uso de palavras e estruturas de frases, podem influenciar a interpretação do público sobre um evento. Nesse caso, a frase inicial poderia ser interpretada de maneira mais equilibrada e precisa, destacando que Anielle Franco estava participando de um evento oficial do governo, ao invés de criar uma impressão inicial de irregularidade em sua ação. A ênfase nas críticas, quando contextualizada, também poderia esclarecer a natureza política das discordâncias em torno do evento.
Os episódios mencionados ao longo do texto destacam a interconexão entre jornalismo, distorção de informações e desinformação, especialmente quando se trata de servir a interesses políticos. Quando o jornalismo é usado para promover agendas políticas em detrimento da verdade, a confiança na mídia como uma fonte confiável de informação é erodida.
Os dois casos mencionados estão anteriormente relacionados à preocupante prática da desinformação que pode ser percebida em alguns setores da mídia, incluindo o Estadão, onde informações podem ser apresentadas de maneira tendenciosa ou imprecisa, com o potencial de contribuir para a disseminação de informações equivocadas. Esses casos destacam a importância da responsabilidade jornalística na apresentação de informações de maneira precisa e imparcial. Quando essa responsabilidade não é cumprida, a mídia pode se tornar um veículo de desinformação, comprometendo a qualidade e a credibilidade do jornalismo. Portanto, é fundamental que veículos de mídia adotem práticas rigorosas de verificação de fatos e se esforcem para manter um padrão elevado de integridade informativa, evitando assim a propagação da desinformação na sociedade.
Ademais, os leitores e espectadores têm um papel crucial a desempenhar nesse contexto. Eles devem questionar o conteúdo da mídia, buscar informações adicionais por conta própria e consumir notícias de diversas fontes para obter uma visão mais completa dos eventos. A educação midiática e o desenvolvimento do pensamento crítico são ferramentas poderosas para ajudar as pessoas a discernir entre informações confiáveis e desinformação.
Thiago Henrique de Jesus Silva, mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Jornalista pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão – UNIFACEMA. Membro do grupo de pesquisa Jornalismo, Mídia, História
e Poder (JOMIHIP-UFPI) e do Núcleo e Pesquisas em Estratégias em Comunicação (NEPEC-UFPI). E-mail: thiago.silva@ufpi.edu.br.