Moradores se agarram à esperança da construção de uma barragem artificial, ventilada pelo poder público. Projeto que até então, não entrou nem no papel.
Por lá o cenário já não provoca surpresa, mas segue preocupante. Quem da água do Rio Insono bebe, sente os impactos provocados pela ausência da cachoeira, que se achava no povoado Barriguda do Insono, município de Pedreiras (MA), um cenário que vai muito além de memórias afetivas. Para os moradores que residem nas proximidades e em povoados pertencentes ao território de Lima Campos (MA), a ausência desse recurso natural trouxe consequências alarmantes ao cotidiano daqueles que têm o rio como fonte de sobrevivência.
Nossa jornada inicia em uma tarde de sábado, pela Vila Santa Luzia, na Barriguda. Lá, habitam cerca de 150 famílias. Parte desses moradores trabalham no cultivo de hortas ou dependem da pesca para venda ou alimentação. Agora, se viram como podem para buscar recursos em outras localidades, por influência do nível da água. “Uma boa parte da comunidade vivia da pesca e plantações e a partir do momento que ela (cachoeira) se esvaiu ficou muito complicado, porque não represa mais a água e isso deixou nossa vida mais crítica”, relatou Tânia Sousa, 38 anos, lavradora e Presidente da Associação dos Moradores da Comunidade Barriguda do Insono.
Mais à frente, dona Maria Silvandira, 55 anos, caminha com pressa. O motivo? Abafar o arroz que está no fogareiro. A rotina corrida da casa, no entanto, não a impediu de falar com nossa equipe, pelo contrário. Para a lavradora, que reside há 24 anos no povoado Barriguda, o grito é pela tão sonhada “reconstrução da cachoeira”. “Para nós foi um impacto muito grande. Depois que a cachoeira quebrou nossa vida teve uma grande mudança. Antes segurava água o verão todo e hoje já não temos mais isso. Me dá uma tristeza olhar e saber que não temos mais”, relatou a moradora.
Seguimos rumo à próxima vila da comunidade, conhecida como Cacimbão. Por lá residem cerca de 50 famílias, incluindo a de seu Jacinto Herculano da Silva, 48 anos. Sua residência fica a poucos metros do Rio Insono, o que, em tempos de cachoeira, lhe possibilitava certas proezas. “Aqui atrás da minha casa na hora que eu queria comer um peixe pegava a tarrafa, ia bem aqui e era ligeiro demais, em questão de segundos estava em casa com um quilo, dois quilos de peixe. E agora, se você for lá, a gente passa a pé de um lado para o outro sem um pingo d’água”, relatou o pedreiro consternado com a situação.
Os moradores recebem o verão com temor, pois é nessa época que o solo ganha ainda mais destaque em relação ao baixo volume do rio. “Até a quentura aqui era mais pouca, por causa da água, pois ela diminuía mais o calor pra gente aqui. As árvores estão secando, estão morrendo, pois as raízes se acham à beira do rio”, disse seu Jacinto.
Num momento em que os esforços medidos para a mitigação da crise climática tornam-se cada vez mais necessários, pensar a degradação da cachoeira do Rio Insono como um processo que deu-se ‘do dia para a noite’ é isentar o poder público da responsabilidade para com esse bem natural. O problema, segundo moradores, já era previsto. “Todo inverno havia uma degradação da cachoeira, pedras caiam, a gente entrava em contato com as autoridades e nada foi feito. Tão tal que chegou nesse nível, dela cair completamente e não ter mais restauração”, contou a moradora Tânia
Diante das consequências dessa perda, moradores se agarram à esperança da construção de uma barragem artificial, ventilada pelo poder público durante visita ao local realizada em maio de 2023, pelas duas gestões: Pedreiras e Lima Campos. Por lá estiveram presentes técnicos das secretarias de meio ambiente das duas cidades, a prefeita Vanessa Maia, seu esposo Fred Maia, a prefeita Dirce Prazeres e o então secretário Jailson Fausto, no entanto o projeto não entrou nem no papel, mas não faltou criatividade para descrevê-lo.
De a cordo com a moradora Tânia, durante a visita, Fred Maia, esposo da prefeita de Pedreiras, descreveu aos moradores até mesmo as pedras que seriam colocadas no local e prometeu a entrega da obra em três meses (90 dias). Entramos em contato com Fred e questionamos a base de tal promessa. Ele disse: “A história lá é o seguinte, eu disse que ninguém faz nada só, e, principalmente, que lá é uma questão das duas cidades e que se botando pra fazer, se faz em 90 dias”, relatou.
“Ficou deles fazerem o projeto, os dois municípios, e até hoje a gente está esperando. Esse projeto não saiu do papel, não foi feito a reconstrução da cachoeira, ainda né. A gente tem esperança que um dia seja reconstruída né, mas até agora…” relatou Ana Maria, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lima Campos.
Buscamos respostas também junto à Secretaria de Meio Ambiente de Pedreiras. Lá fomos recebidos por Luan Manasseis, engenheiro ambiental, e Alice Lopes, guarda ambiental. Ambos estiveram no local em setembro de 2023 para uma avaliação dos impactos gerados pela ausência da cachoeira. Questionamos o engenheiro sobre a existência de um projeto de construção da barragem, mas ainda não há. Existe somente um documento intitulado, “Avaliação do impacto ambiental e monitoramento da cachoeira do Insono: uma análise da perda progressiva do recurso natural”, que segundo a Guarda Ambiental, foi encaminhado a outros órgãos institucionais na tentativa de ser executado.
Em conversa com o secretário de Meio Ambiente de Pedreiras, Aldeclei Farias, sobre o andamento da construção do projeto ele afirma: “a secretaria, a gestão municipal, está disponível para auxiliar na execução do projeto e por isso também tem cobrado respostas para agilizar, tendo em vista que, não temos condições de realizar esse projeto só”, concluiu
Entramos em contato com o então presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Mearim, Darlan Pereira, e questionamos o recebimento deste relatório e como o comitê vem se articulando para agilizar a construção da barragem. No entanto, não tivemos resposta.
Tentamos contato também com o secretário de Meio Ambiente de Lima Campos, José de Ribamar Braga, que assumiu o cargo em janeiro deste ano. Ele disse: “Nesse exato momento eu não tenho uma resposta plausível pra te dar, mas irei conversar com o Secretário de Pedreiras se eles tem alguma informação concreta sobre esse caso”, concluiu o secretário que, até o fechamento desta reportagem não nos deu outro retorno.
“Quando a gente perde um bem, é que a gente vai saber o valor que tem”, disse o professor José Cícero de Queiroz, biólogo e pós- graduado em solo e ambientes. Ele explica a atual situação do Insono.
“O assoreamento, a ‘destruição’ do Insono já vem acontecendo paulatinamente há muito tempo. Se alguém perguntar como está o Insono hoje? Ele está degradado e até na Barriguda ele não sofre tanto depósito de dejetos, mas dali pra frente o termo é pena”, disse o professor
Durante sua jornada acadêmica, Cícero conta que o Rio Insono foi tema de trabalhos e até monografias defendidas por seus alunos do curso de geografia. Ele ainda conclui:
“O Rio Insono é um riacho que antigamente era um pequeno rio perene, hoje ele é temporário. Ali na cachoeira o que pode ser feito? Muita coisa! E coisa simples, principalmente agora que está começando o verão”.
Sobre a degradação progressiva do lugar, ele afirma: “faltou um pouco mais de cuidado, faltou um olhar para aquela situação ao ponto do aterro natural das pedras se desgastarem com o tempo e a força da água levar. Não era pra acontecer, mas aconteceu e eu como biólogo acho que dá pra fazer muita coisa”.
Era por meio das redes sociais que o estudante, Paulo Gomes, 15 anos, morador da Vila Santa Luzia, tentava buscar visibilidade à problemática. “Eu nasci aqui dentro e cresci às margens desse rio. Eu vi, quando ele acabou quebrando, uma necessidade que não atingia só as pessoas que tomam banho aqui, mas também as áreas da agricultura e da psicultura. Vi a necessidade de um apoio público, não só político, mas também da comunidade. Através das redes sociais tentava retratar as dificuldades das pessoas que vivem aqui”, concluiu
Para dona Silvandina, restaram somente no celular as imagens do antigo Insono e a esperança de dias melhores. “Quando vejo os vídeos e lembro que não temos mais aquele lugar, me da uma tristeza tão grande”, lamentou.