“A lua é clara, o sol tem rastro vermelho. É o lago um grande espelho, onde os dois vão se mirar” (João do Vale)
A música “Na asa do vento” é uma das minhas preferidas. Impossível ouvir sua letra e não imaginar as cenas descritas. Como pode um caboclo que partiu da desconhecida cidade de Pedreiras, em um poema, falar de natureza, astronomia e até física? Isso surpreendeu o Brasil. Somente alguém, com a sensibilidade de João, poderia compor algo assim. Seu professor foram suas manhãs, tardes e noites. Fez o lago parecer mar, falou de cenas comuns, do que viu e ouviu.
João não faz falta apenas para os mais próximos, sua ausência é sentida na cultura brasileira, pois a riqueza dos seus versos nos são uma verdadeira aula de Brasil, de Nordeste, região que o deixou partir, certamente sem eira e nem beira. No Rio de Janeiro foi encontrando espaço. O Maranhão seria pequeno demais para ele.
João foi um astro, mas se despiu do estrelismo conservando os mesmos trajes, tomavas as suas pingas, jogava seus baralhos e dominós, jamais quis dar uma de politicamente correto. Sua grandeza foi tamanha que fez saber o Brasil da existência de uma rua, a nossa “Golada”, tida apenas como reduto dos cabarés e bebedeiras. Foi ali que o discriminado falou dos discriminados. E hoje, dia em que completaria 87 anos? Para responder a essa pergunta nos voltemos a outro trecho da música em que ele diz:
“A aranha tece puxando o fio da teia,
A ciência da abeia, da aranha e a minha
Muita gente desconhece.”
O ícone depois de morto virou polêmica, estátua, teatro, túmulo e festival. João foi grande, do tamanho do Brasil, mas mesmo sendo o maior entre nós, não foi digno de ser, o seu nome, também o da avenida principal da terra que cantou, restando-lhe apenas a entrada da cidade. Até aqui, não tem sido tido como digno de ter um museu em sua honra. Queremos mais sarais, shows culturais, mas quando o sarau acabar, o silêncio pairar, onde poderemos encontrar João? Em obras inacabadas que recebem seu nome, em um museu que não é museu, em um largo que o lixo estreita e “sua cabeça”, onde foi parar?
Sua arte precisa ser materializada e isso vai muito além de uma estátua ou um prédio em seu nome.
Engana-se quem pensa que João morreu. Ele está mais vivo do que nunca. Perene na história de cada jovem que partiu daqui por falta de oportunidade, que olham para todos os lados e não encontram saída. Esquecidos, sem representatividade pública. João se faz vivo em cada ato de discriminação, exclusão social e econômica. João é Brasil na versão dos pobres.
Deve estar rindo, feliz, livre, afinal, para quem voou nas asas do Carcará, o mudo é uma gaiola. Inquestionavelmente ele é o Maranhense do Século XX e aqui deixo uma interrogação: Quando o trataremos como tal?
Parabéns para João!
Por Joaquim Cantanhêde