Na Rua dos Bobos, número zero
O vice-prefeito de Pedreiras, Maranhão, Dr. Walber Rodrigues da Cruz (PT), agora é um “companheiro”. Se é bom e ninguém pode negar aí são outros 500. Sua filiação ao Partido dos Trabalhadores, às margens da eleição 2024, dividiu o diretório municipal da sigla, mas a ala favorável prevaleceu, com as bênçãos do vice-governador Felipe Camarão.
Sai prefeito, entra prefeita, Dr. Walber é aquele que permanece quando a “festa” termina, já à espreita da próxima. De Lenoilson Passos até aqui, foi, por mais ou menos tempo, governo. É a figura que melhor personifica o que no Brasil se convencionou chamar de Centrão (Camaleão). Resguardado como é, não é dado a polêmicas. Parafraseando Mineirinho, hit do Só Pra Contrariar, no seu cantinho ele bota pra quebrar.
Antes da vida política já exercia a medicina. Em 2015, inaugurou um hospital que leva seu nome, localizado na Avenida Abílio Monteiro, bairro do Engenho. Ali, nos corredores brancos, o empresário da saúde mostra que não basta ter um jaleco. É preciso, também, acesso ao Palácio dos Leões. O importante não é de onde a água brota, desde que corra para o mar, mas no caso de Dr. Walber o sentido é inverso: o mar desemborca no rio.
Informações do Portal da Transparência do Governo do Maranhão detalham os repasses feitos ao Hospital Dr. Walber Rodrigues da Cruz, cujo pesquisa com base no CNPJ, revelou se tratar do nome fantasia da Clínica Terezinha de Jesus Ltda. Segundo o Diário Oficial do Estado, o contrato entre a Secretaria de Estado da Saúde e a clínica de Dr. Walber foi assinado em 22 de agosto de 2022, visando “locação de imóvel com estrutura de maternidade”. Tendo duração de dois anos, previa valor global na ordem de R$ 2.640.000,00 (dois milhões, seiscentos e quarenta mil reais).
Quando se refere à estrutura o documento trata de detalhar, para que não reste dúvida, que demandas deveriam ser atendidas. “Maternidade apta a comportar 35 (trinta e cinco) leitos para atendimento exclusivo de obstetrícia, sendo 32 (trinta e dois) leitos de obstetrícia clínica e cirúrgica, 03 (três) quartos PP, 02(duas) salas de Centro Cirúrgico e 01(uma) sala de RPA com 03 (três) leitos para realização do serviço de Risco Habitual no Município de Pedreiras”.
O governo informa ter pago, em 2023, R$ 795.666,67. Já em 2024, os pagamentos chegaram à casa dos R$ 1.210.000,00.
(Clicando nas imagens seguintes, você será direcionado ao Portal da Transparência, podendo vê-las com melhor qualidade)
2023
2024
Mais que amigos, friends
Dr. Walber não é apenas o dono de um estabelecimento de saúde particular. É um aliado local, de primeira ordem, do governador Carlos Brandão (PSB). Quando parte do seu grupo, puxado por Fred Maia, propagava apoio ao senador Weverton Rocha (PDT), durante disputa pelo governo de estado, a caravana dos Rodrigues/Curvinas foi a São Luís, no dia 25 de março de 2022. Com direito a retrato, o médico e seus familiares deixaram claro o apoio a então pré-candidatura de Brandão.
O anúncio da necessária maternidade foi feito pelo governador, na companhia de Walber, seu filho, o médico e ex-vereador Bruno Curvina, e do deputado federal Fábio Macedo.
“Em breve teremos uma maternidade para atender as futuras gestantes do Médio Mearim”, alardeou o médico, sem maiores detalhes, em publicação no dia 6 de agosto de 2022 no Instagram.
Dias depois, no horário nobre da Rádio Cidade FM, pai e filho concederam uma entrevista para tratar das boas novas. “Avanço gigantesco”, profetizou Bruno Curvina, depois de descrever a prometida estrutura materno/infantil.
“Essa parte da segurança, com a aparelhagem que vai chegar aqui. Serão dois médicos obstetras se revezando para dar atendimento. Um no centro-cirúrgico, outro na porta recebendo as gestantes. Terá um pediatra 24h por dia para receber essas crianças que irão nascer. Terá um ultrasonografista 24h por dia fazer ali no momento de urgência”, profetizou o médico.
Ainda durante o papeado, alegando ser uma ideia divina, Walber fez menção a seu caráter político. Disse ele: “tem que ter a boa política”. Em seguida emendou: “A política é boa, desde que saiba utilizar em benefício do próximo”.
“Nós temos certeza, dentro de pouco tempo esse hospital materno/infantil irá atender nossa população”, disse Walber. Suas palavras não se cumpriram, exceto na folha de pagamento do governo de seu aliado político, em favor de sua clínica.
Enquanto ela ganha por aquilo que não entrega, como testemunha o portal da transparência, as transferências de gestantes e recém-nascidos, para o Hospital Macrorregional de Alto Alegre e outras unidades, são recorrentes quando as estruturas de saúde dos municípios se deparam com gravidades que não conseguem resolver.
Os secretários de saúde ouvidos pelo jornal O Pedreirense dizem desconhecer a existência de uma maternidade estadual em Pedreiras, ou de qualquer estrutura que lembre uma. Eles continuam relatando as dificuldades que acabariam, como bem disse Bruno na entrevista com ares de profecia, com a instalação da maternidade.
“Nós sonhamos com esse momento”, disse Arilene Bezerra, ouvida pelo O Pedreirense, em 17 de julho de 2024. Dentre as demandas regionais, que precisam ser resolvidas, a existência de uma maternidade estadual é uma urgência, disse ela.
Cara de susto. Essa foi a reação de Fabiana Meireles, secretária de Saúde de Trizidela do Vale, ao saber que o Governo do Maranhão paga por uma maternidade, que ela, enquanto gestora, disse nunca ter tido acesso. Relatou a existência de situações, em que diante das gravidades, gestantes acabam sendo encaminhadas para unidades estaduais (baixo risco/alto risco) em São Luís, mesmo sem a regulação efetivada. Literalmente se bate na porta, mesmo que isso possa resultar em notificação (puxão de orelha para simplificar). Realidade vivenciada por gestores de outros municípios e pacientes entre a vida e os protocolos.
Maternidade, foi essa a demanda posta sobre a mesa do Orçamento Participativo, evento realizado pelo governo de Carlos Brandão, para definir prioridades regionais de saúde. Na segunda etapa, online, Otacílio Fernandes, gestor da saúde para o Médio Mearim, viu como necessária a mobilização dos secretários municipais, em especial, para que a construção de uma maternidade fosse a proposta vencedora.
“A mais votada será incluída no orçamento” disse Otacílio, sem saber que isso já ocorre, pelo menos no setor de contabilidade do governo. Em nenhum momento do diálogo com OP o gestor citou serviços de saúde ofertados pelo estado em anexo à Clínica Terezinha de Jesus Ltda.
“Vamos somar nossas forças e juntar todo mundo, porque é muita energia positiva”, disse Walber, em entrevista ao Studio2 RádioCast, em agosto de 2022. No mesmo mês, ao matinal Tribuna 101, o político afirmou: “Tenho conversado com as pessoas que fazem política em Pedreiras, com nossa prefeita Vanessa Maia, com Fred Maia e com outras pessoas, a respeito dos benefícios que isso irar trazer para Pedreiras”.
O que dizem os citados?
Nos bastidores, ao que parece, o desenrolar da história não foi tão coletivo assim. Fontes ouvidas dizem que o que se sabia é que o contrato não teria vingado (por questões políticas), logo, não estaria havendo qualquer pagamento, mas não é o que diz o Governo do Estado do Maranhão, ao responder uma solicitação do jornal O Pedreirense, com base na LAI (Lei de Acesso à Informação), protocolado no dia 27 de julho de 2024.
“Com a transferência dos serviços de clínica médica para o Hospital Regional Estadual de Pedreiras e a redução dos casos de COVID-19, foi celebrado em 2022 o Contrato n° 311/2022/SES/MA. Nesse período, o imóvel passou a ser utilizado como suporte e apoio logístico para outras unidades de saúde satélites da região”, informou o governo de Carlos Brandão sem dizer quais os serviços prestados.
Chama a atenção que diante da não oferta do serviço contratado, o Governo do Estado do Maranhão só tenha colocado um fim no contrato após pedido de informação feito pelo jornal O Pedreirense. “O contrato foi encerrado em 22/08/2024 e não houve renovação”, disse a SES (Secretaria de Estado da Saúde).
A resposta narra fatos já sabidos pela redação do OP e não atende a solicitação de acesso a documentos de natureza pública (estrutura administrativa e números de atendimentos, por exemplo) que apresentem dados justificando assim a manutenção, por quase dois anos, do vínculo contratual. Situação reportada ao Ministério Público do Estado Maranhão (MPMA).
Confira a nota na íntegra:
As 11 tentativas de diálogo (via ligação) com Dr. Walber, fracassaram. Duas mensagens enviadas via WhatsApp, em datas distintas, permanecem sem respostas.
Bruno Curvina não respondeu às mensagens que lhe foram enviadas, via WhatsApp, pedindo informações.
Citados por Dr. Walber nas entrevistas, Fred Maia e Vanessa Maia não responderam se tinham conhecimento do contrato entre o governo de estado e a clínica de seu aliado.