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terça-feira, janeiro 21, 2025

Geografia para quê e para quem?

OPINIÃO


Inicio esta breve reflexão, primeiramente homenageando a todos os profissionais que escolheram fazer ciência a partir da geografia. Ela é muito mais do que a simples memorização de nomes de países, rios e montanhas. É uma ciência que nos permite compreender o mundo em que vivemos, suas complexidades, adversidades e interações. Mas para quê e para quem ela é realmente importante?

A geografia nos ajuda a entender o espaço em todas as suas escalas. Ela nos permite analisar como as cidades se desenvolvem, como os ecossistemas funcionam e como os povos e culturas se relacionam. Sem essa compreensão, estaríamos perdidos em um mundo sem referências.  Do planejamento urbano aos preparativos para o plantio, todos precisam da geografia para tomar decisões certas e seguras. Os últimos acontecimentos que fizeram com que o Brasil e o Rio Grande do Sul, ganhassem repercussão internacional, passam um pouco pelo fazer geográfico. Aliás, é oportuno esclarecer que nas redes de televisão do país, ao se falar do assunto, se transmite a ideia de que é a natureza a grande responsável pela tragédia (não que ela não contribua). Tratar-se-ia de uma tragédia ou catástrofe natural. Na realidade a tragédia não é natural. A tragédia é histórica e social. Mais adiante, falarei um pouco sobre esse assunto, muito embora a razão principal desta reflexão é falar da geografia, do dia do geógrafo, 29 de maio.

A sistematização da geografia como ciência ocorreu na segunda metade do Século XIX. Até então, segundo Morais (2007, p.11) não era possível falar de conhecimento geográfico, como algo padronizado e sistematizado, com um mínimo que seja de unidade temática, e de continuidade nas formulações. Mas é importante dizer que desde a pré-história já se tinha contribuições da geografia, mesmo que não se falasse de ciência geográfica, como por exemplo, nas caçadas aos animais, na curiosidade sobre os fenômenos naturais que aconteciam, na busca pelos lugares onde existiam os melhores climas para efetuar práticas agrícolas. Na Mesopotâmia (atual Iraque) e no Egito, por exemplo, durante as cheias dos rios Tigres, Eufrates e Nilo, os povos sabiam o momento exato de cultivar as plantações ou utilizar técnicas de irrigação.

Entretanto, conforme Andrade (2008, p.1), “a Geografia se tornou uma ciência autônoma a partir do século XIX, graças aos trabalhos dos geógrafos alemães Alexandre Von Humboldt e Karl Ritter […]”. Mas afinal, quando essa geografia chega ao Brasil? Antes de responder a esta questão é importante dizer que desde a sua sistematização a geografia apresentou diferentes concepções ou correntes do pensamento, como por exemplo, o determinismo Geográfico alemão de Friedrich Ratzel e a escola possibilista francesa de Paul Vidal de La Blache, numa perspectiva da geografia tradicional. No pós-Segunda Guerra Mundial, a Geografia pragmática e a Geografia Crítica surgiram pautadas em direcionamentos diferentes e com concepções de novos ideais que contrariavam a geografia tradicional.

E no Brasil, quando essa geografia científica chega? Segundo Cavalcante (2008, p.21): “A geografia brasileira, seja ela acadêmica, seja a escolar, institucionalizou-se no início do século XX, através da Sociedade Brasileira de Geografia Estatística, Universidade de São Paulo e outras instituições […]. O ensino de Geografia se comprometia com o estudo descritivo e a memorização dos lugares. Segundo Cavalcante (2013, p.18) “[…] essa Geografia caracteriza-se pela estruturação mecânica de fatos, fenômenos e acontecimentos divididos em aspectos físicos, aspectos humanos e aspectos econômicos […]”. Tratava-se de um ensino mecânico baseado na memorização de conteúdos que estão distante da prática social do estudante, portanto longe de uma aprendizagem significativa.

E os professores como eram formados para dar aulas de geografia? No Brasil, os primeiros cursos de formação de professores de Geografia surgiram nos anos de 1930, influenciados pela  Geografia Francesa. As instituições que sediaram os primeiros cursos foram a Universidade de São Paulo e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo Rocha (2000, p. 01):

“Foi através do decreto n 19.851, de 11 de abril de 1931, que o Ministro Francisco Campos renovava o ensino superior brasileiro com a introdução do sistema universitário. Neste decreto, eram criadas as Faculdades de Educação, Ciências e Letras, espaço acadêmico que abrigariam, dentre outros cursos, o de Geografia. As duas primeiras instituições organizadas sob as novas regras, Universidade de São Paulo (1934) e Universidade do Distrito Federal absorvida em 1938 pela Universidade do Brasil (atual UFRJ), fundaram suas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, criando os primeiros cursos de formação de profissionais para atuar nesta área de conhecimento”.

Portanto, os primeiros profissionais desse ciência tinham fortes tendências para uma preocupação com os estudos regionais e pela busca de explicações quantitativas dos fenômenos, fundamentos da escola francesa de então (PCN, 1998, p.19). Outro problema vivenciado pela geografia é que até 1934 os livros de Geografia não eram elaborados por geógrafos, eram elaborados por sociólogos ou então historiadores, e a única temática que era destacada referia-se à descrição dos lugares. Por isso, os estudantes viam na Geografia um curso de memorização e descrição. No período da ditadura militar a situação se agravou ainda mais, a geografia foi substituída pelos Estudos sociais, fato que contribuiu para empobrecer os conteúdos de Geografia.

Essa geografia descritiva, “decoreba” e da memorização aos poucos foi perdendo espaço para o movimento de renovação da ciência, chamado de Geografia Crítica, sobretudo, a partir da década de 1970. Para essa corrente do pensamento geográfico, o método científico baseou-se no materialismo histórico-dialético. Desenvolvido pelos alemães Karl Marx e Friedrich Engels no século XIX, este método é uma teoria política, sociológica e econômica. O método recebeu duras críticas de Antonio Gramsci, Hannah Arendt, Michael Foucault e Gilles Deleuze. Essas críticas em parte se deram em função das concepções de mundo vivenciadas por esses teóricos. Embora essas críticas não sejam nosso foco aqui, é importante dizer que o mundo de Marx e Engels é o da Revolução Industrial do Século XIX. 

Milton Santos, geógrafo

Para os teóricos alemães, a sociedade é um campo de lutas, tendo em lados opostos os trabalhadores (o proletariado) e a burguesia. Esta, desfruta do lucro proporcionado pela classe proletária por meio da apropriação do trabalho e do que Marx chamou de mais-valia. A mais-valia é a diferença de preço entre um produto final e sua matéria-prima. Essa diferença é acrescentada pelo trabalho impresso sobre o produto e, segundo Marx, todo o trabalho é feito pelos trabalhadores, enquanto a burguesia apenas desfruta do lucro. O lucro recebido pela burguesia é uma espécie de apropriação do trabalho do operário, que possui a sua força de trabalho usurpada e falsamente recompensada por um salário. O predomínio capitalista em escala planetária tornou mundo e pessoas dependentes dos interesses do lucro. Já se paga o preço por isso. A geografia dos lugares e nos lugares já tem explicitado isso.

Note-se que a Geografia se impregna dessas concepções teórico-filosóficas para dar conta das contradições desse mundo cada vez mais globalizado e contraditório. É essa geografia que aos poucos é inserida nas escolas. Os professores se “viram nos 30”, na tentativa de desenvolver seu ofício de tal forma que permita aos estudantes a capacidade de entender o mundo que o cerca, a partir de múltiplos olhares.

Ensinar Geografia torna-se cada vez necessário e relevante na explicação e compreensão do mundo na contemporaneidade. Professores e estudantes são desafiados diariamente na elucidação dos mais diferentes problemas do mundo. Por exemplo, as  causas das tensões e conflitos, o porquê do crescimento das desigualdades internacionais e por que não falar das mudanças climáticas e aquecimento global, dos eventos climáticos extremos que se tornaram cava vez mais intensos, como os que tomaram conta do Rio Grande do Sul no mês de maio do corrente ano, e mais recentemente na Papua Nova-Guiné,  país da Oceania. Lá os deslizamentos devem ter soterrado mais de 2 mil pessoas. O país frequentemente enfrenta fortes chuvas, mas, neste ano de 2024 tem registrado chuvas e inundações ainda mais intensas e nunca vistas. Em março, pelo menos 23 pessoas morreram em um deslizamento de terra.

Imagem: Adobe Stock

Aliás, certas frases ganharam os noticiários mundo a fora nas últimas décadas. Tipo: “Não nevava dessa forma há 60 anos”; “a última enchente foi há 70 anos”; “a Amazônia vive uma seca”; “nunca esse rio secou tanto”; “algumas espécies animais já foram extintas”, entre outras frases. Embora alarmistas, elas sintetizam um pouco o que tem sido essa terceira década do século XXI, quando o assunto é sociedade e natureza. As descobertas e avanços científicos, a conquista do espaço, avançam de forma assustadora. Mas o que assusta mesmo são os sinais e o ritmo das mudanças climáticas e suas implicações socioambientais.

Cavalo Caramelo – RS

É diante desse cenário que o Professor de Geografia necessita ter uma formação continuada e baseada numa perspectiva construtivista piagetiana. Professor e estudante devem interagir, pois a aprendizagem não acontece de forma passiva, cabendo ao professor a tarefa de criar possibilidades enquanto sujeito mediador da aprendizagem e promover situações/problema que permitam o conflito e consequentemente avanço cognitivo de cada estudante na sua individualidade, promovendo o desenvolvimento das estruturas de pensamento, raciocínio lógico, julgamento e argumentação.

A educação de qualidade é aquela que promove o desenvolvimento global do indivíduo em seus aspectos cognitivos, sociais e afetivos. O estudante deve ocupar o centro do processo de aprendizagem, através de uma metodologia ativa que tenha por objetivo a construção do conhecimento a partir dos conhecimentos prévios que cada indivíduo carrega consigo. É esse protagonismo que a geografia na sua perspectiva crítica procura dar suporte. Sem a geografia, estaríamos limitados ao nosso pequeno canto do mundo.

Por José Edson da Silva Barrinha, professor de Geografia do IFMA/Pedreiras


Referências

BECKER, Fernando. O que é Construtivismo? Série Idéias, n. 20. São Paulo: FDE, 1994. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_20_p087-093_c.pdf.

CAVALCANTE, Lana de Souza. A geografia escolar e a cidade: Ensaios sobre o ensino de geografia para a vida urbana cotidiana. Campinas, SP: Papirus, 2008. ______________Geografia, Escola e construção do conhecimento. 18 ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2013.

GUIMARÃES, Maria Leda Lins. A geografia no espaço tempo. Natal: EDUFRN, 1996. MORAES. Antônio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. 21. ed. São Paulo: Annablume,2007.

ROCHA, Genylton Odilon Rego da. Uma breve história da formação do professor de Geografia no Brasil. In: Terra Livre, n.15, São Paulo, 2000, p.129-144.

STRAFORORINI, Rafael. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries iniciais. São Paulo: Annablume, 2004.

Sites consultados: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/materialismo-historico.htm

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