Leituras e descobertas do mundo
Nossa crônica começa com esse desenho de Kauã. Ele chegou no projeto assim que estacionei o carro na praça para montar a biblioteca (antes das oito horas; o projeto só inicia às oito e trinta).
– Tio, vou fazer um desenho pro senhor!
Ele buscou traduzir nossa ocupação na Praça dos Orixás: o carro, as crianças, a flora, o prédio do banheiro público, a lagoa… Mas a surpresa não foi somente esta. No seu caderno de criança leitora, ele escreveu uma história sobre si mesmo. Além de descrever sobre o seu cotidiano escolar, narrou sobre sua vivência com o projeto: “ele gostava de jogar e ler livros e histórias de crianças e trazia um livro pra casa e lia aquele e escrevia sobre o livro fim”.
Ler livros e escrever. Para muitos, duas orações banais. Para nós, um caminho de muitas vivências e aprendizados. Ao ler, não buscamos somente compreender uma narrativa distante. As personagens e suas questões são também nossas questões. Com a literatura refletimos sobre nós e os outros. Não são somente histórias; são nossas histórias. Nossas histórias como seres humanos com individualidades próprias, num tempo determinado, em meio a um mundo contraditório e campo vivo de nossas experiências.
Ao ler e escrever estimulamos nossas crianças a exercitarem suas potências humanas a partir de exercícios reflexivos críticos sobre o mundo. Na tarde de sábado, abraçamos um debate árduo: a violência entre crianças como demonstração de dominância de uma criança sobre a outra.
– Por que resolver nossas diferenças com sopapos e puxões de cabelo?
– É engraçado ver um colega com nariz sangrando?
– Se muitas crianças brigam quer dizer que isso é o que deve ser feito?
– Se ela ou ele começou, precisamos dar continuidade?
– Se não bater vou demonstrar fraqueza? Ou demonstro minha capacidade de lidar respeitosamente comigo e com os outros?
Esses exercícios humanos mostram para todos nós (crianças leitoras e educadores) que a vida não está dada. Nada é natural. Tudo foi criado por nós. Se existe intolerância, fomos nós que criamos. Assim como também somos nós que propomos atitudes de empatia e respeito. Se existe uma educação autoritária, é fruto de nossas ações. A criação de uma educação criativa, crítica e humanista passa por nossas vontades e atitudes.
Potencializar o humano é demonstrar, a cada final de semana, que somos capazes de construir trajetórias próprias. Nada está dado definitivamente. Nossa biblioteca em praças de Teresina é uma demonstração clara que podemos criar, propor movimentos novos para a vida, fazer uma nova ética de respeito, liberdade, criatividade e fraternidade.
Por Luciano Melo, educador