“Cem mil vidas ceifadas pela Covid-19”. Não precisa ser profeta para supor que tão triste sina seja manchete nos próximos dias. Agarrando-nos à realidade dos fatos, teremos uma ideia da magnitude desta que é a maior tragédia de nossa história. E olha, não foram poucas desde o mitológico descobrimento. Sangue é adubo na terra Brasil. Mas não é a Covid-19 e sua letalidade que tira o sono do “líder” da nação.
Para Jair Messias Bolsonaro, presidente do Brasil, o importante agora é “tocar a vida”, ignorando a pilha de corpos enterrados sem as honrarias do luto. Para onde foi o patriotismo que o colocou no poder? Cem mil vidas brasileiras perdidas em um enredo mórbido pavimentado pelo negacionismo governamental, que precede a pandemia. Poderíamos esperar desfecho diferente?
Morte na cidade, no campo e na Amazônia, com aumento de 34,5% das áreas com alerta de desmatamento, apontam dados de agosto de 2019 a 31 de julho de 2020, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Um total de 9.205 km² de área florestal, ou seja, mais de seis vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Só Bolsonaro, o “Trump dos trópicos”, consegue ter paz em um país diante de tragédias cotidianas descortinadas, que se ampliam nesse cenário pandêmico. “Tocar a vida” custe o que custar tem sido a grande máxima do chefe do executivo desde o início da pandemia. Por sorte, parte da população tem escolhido a razão. O que leva alguém a pensar que estaríamos em melhor situação se as direções apontadas por Bolsonaro tivessem sido seguidas? Mas há quem acredite e tenha orgulho de dizer que o isolamento social não tem sido o melhor caminho até aqui. Apregoam que tudo não passa de uma conspiração contra aquele que veneram, mas se esquecem que o mito tem pés de barro.
“Mais de 40 milhões de brasileiros gostariam de trabalhar, mas não encontram trabalho ou deixaram de procurar, aponta IBGE”, título da matéria em destaque hoje no G1, que traz dados da Pnad Covid. Nesse contexto, o Auxílio Emergencial aparece como mitigação dos impactos sociais e econômicos da pandemia, ferozes em realidades historicamente marcadas pela vulnerabilidade social. A Oxfam- Brasil, contudo, faz um alerta: “apenas 47,9% do montante destinado ao auxílio emergencial às pessoas em situação de vulnerabilidade foi distribuído até início de julho”. Mas não são as vidas perdidas e aquelas em risco que fazem Bolsonaro perder o sono.
Nesta semana, a Revista Piauí, com o sugestivo título “Vou intervir!”, descreve, com a riqueza de detalhes que marca seu jornalismo, os dias mais inquietos do presidente durante a pandemia da Covid-19. Nada relacionado ao crescente número de casos e óbitos. Bolsonaro reuniu-se com seus subordinados não para tratar, portando a seriedade que se espera, sobre as medidas que ainda podem ser tomadas em conjunto com estados e municípios no enfrentamento à pandemia. Seu “inimigo” maior, àquela altura, era a mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal (STF), que por pouco, muito pouco, não o viu (ainda) intervir. Sua preocupação naquele instante era a possibilidade de ter seu celular e o de seu filho, Eduardo Bolsonaro, apreendidos a mando do ministro Celso de Mello, decano do STF.
Para Bolsonaro o importante é tocar a vida, ainda que isso seja praticamente impossível para grande parte dos brasileiros que já viviam em situações subalternas antes da pandemia. Não é a preocupação ou amor por esses brasileiros que o fazem ficar furioso. O que lhe importa é que a canção de destruição que embala seu governo continue tocando e se possível abafando os ecos do luto.
É um egoísta ideológico e se lhe fosse possível, faria desaparecer todos aqueles com pensamentos divergentes dos seus. Seria um “ótimo” imperador e na era medieval o mais fervoroso dos clérigos da inquisição, mas infelizmente, aqui se acha a nota dissonante, tornou-se presidente na democracia pregando claramente seu desprezo por ela. Logo, devemos supor, como a realidade é feliz em mostrar, que não seja o único amante de um mudo com pensamentos e ações unanimes.
Bolsonaro no poder, com seus discursos de ódio destilados contra tudo e todos. Isso só foi possível nessa democracia pela metade. Que nunca foi acabada e absoluta, mesmo nas gestões do Partido dos Trabalhadores (PT). O grave pecado político cometido foi esquecer que a luta pela efetivação das garantias constitucionais são diárias e abandonar as fileiras seria fortalecer as sobras ideológicas da ditadura militar. Não haverá esse tempo em que lutar será optativo.
Bolsonaro se empenha para fazer definhar ou desacreditar os mecanismos que impedem a prosperidade de suas ações autoritárias. Força os limites da democracia, ansiando a ruptura e com ela uma razão forjada para o uso da força. É o diretor de um teatro com vocação para tudo aquilo que, uma parte humanidade, se empenha em superar. O Brasil de Bolsonaro não tolera que outro poder, como o STF, faça minguar seus sonhos de opressão e dominação. Tão pouco suporta a verdade e por isso se empenha para distorcê-la numa verdadeira campanha de difamação em massa. Para continuar vivo, o mito da direita brasileira alimenta os ratos do centrão.
Bolsonaro, mais cedo ou mais tarde passará, ele ou a democracia. Essa relação nunca foi a longo prazo. O Brasil continental é pequeno demais para ambos e o “vou intervir!” não está de todo perdido. Basta uma ação efetiva do STF, para que o presidente volte a ter insônia, convoque outra reunião e bata o martelo. Quem nunca teve, não tem nada a perder, exceto, uma boa noite de sono durante a pandemia.
Ótima reflexão!
O Pedreirense nasce como gente grande, uma análise que atinge o âmago do problema que estamos vivenda, precisamos que a população acorde, e quando acordar não seja tarde para reconstruir.
Excelente reflexão, companheiro!