Reportagem “sobre a fome e a epidemia de obesidade que afetam a população mais pobre do país”
“Na porta de um pequeno mercado localizado entre dois terrenos baldios, em uma rua poeirenta do interior do Maranhão, pacotes de salgadinho brilham sob o implacável sol das 10 horas da manhã. A temperatura passa dos 30° C em Trizidela do Vale, região central do estado, quando um menino de 11 anos, descalço e vestindo apenas uma bermuda azul, entra na loja para comprar um adoçante a pedido da mãe. Antes de pagar, agarra um dos pacotes brilhantes: um salgadinho de milho sabor calabresa acebolada – que de calabresa só tem o aroma artificial –, vendido a 50 centavos. Uma banana custa 75 centavos, mas o garoto nem chega perto das frutas guardadas no refrigerador no corredor mais distante da porta. As prateleiras de destaque destinam-se aos salgadinhos de pacote. “É para chamar as crianças”, explica o atendente.”
Nas últimas semanas, a Revista Piauí também esteve em Trizidela do Vale, Maranhão, no desdobramento da “reportagem de apresentação da série Má alimentação à brasileira, sobre a fome e a epidemia de obesidade que afetam a população mais pobre do país”.
Na produção jornalística de Camille Lichotti e Rubens Valente (reportagem), Plínio Lopes (checagem), Fernanda da Escóssia (edição) e José Roberto de Toledo (coordenação)”, Trizidela se destaca. Por qual razão? “O índice de obesidade (somando a moderada e a grave) mais do que triplicou: subiu de 4% em 2008 para 16% em 2021 entre as crianças de 5 a 10 anos. Já o índice de crianças abaixo do peso, que vinha caindo nos últimos anos, voltou em 2021 ao mesmo patamar de 2008. Ou seja: levando em conta o início da série histórica de dados do Sisvan e a situação atual, a desnutrição deixou de ser o principal problema nutricional em Trizidela do Vale – mas não porque deixou de existir. Agora desnutrição e a obesidade são problemas que se somam”.
A reportagem, além de trazer dados importantes, descreve com riqueza de detalhes, a história de duas famílias trizidelenses – uma para retratar um quadro de desnutrição e o outro de obesidade – mas ambos os contextos se encaixam no quadro de insegurança alimentar:
“Na penúltima semana de junho, Anajara Guimarães levou o filho caçula, Marcos, de 6 anos, a uma consulta médica. Era uma campanha da igreja do bairro Aeroporto, região afastada do centro de Trizidela do Vale, onde a paisagem já começa a ganhar características rurais. No projeto social, as crianças são pesadas, medidas e os voluntários calculam o Índice de Massa Corporal (IMC) usando um programa de computador. Marcos estava pesando 15 kg. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o peso ideal para um menino da sua idade é de 20 a 23 kg. Além do baixo peso, que, de acordo com os critérios do projeto da igreja, configura um quadro de desnutrição, os exames do garoto também mostraram uma anemia severa. “Nesse dia eu voltei para casa chorando igual criança”, lembra a mãe, que passou a tomar remédios para conseguir dormir.”
“A poucos minutos dali, num outro bairro pobre da mesma Trizidela do Vale, Maria de Fátima Nery, de 27 anos, mora com as três filhas, o namorado e a mãe. Ela diz se lembrar até hoje de quando a filha Maria Clara, de 6 anos, comeu o primeiro pacote de macarrão instantâneo, aos 9 meses de idade. Assim que terminou a refeição ultraprocessada, começou a ter febre e convulsões que duraram vinte dias. Hoje o macarrão instantâneo é uma de suas comidas favoritas. “Não sei que gosto tem, só sei que é bom”, explica a menina. Na última vez em que foi pesada, Maria Clara – que tem a mesma idade de Marcos –, estava com 45 kg. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o peso ideal para meninas nessa idade é de 20 a 23 kg.”
A convite da Revista Piauí, o jornalista Joaquim Cantanhêde, que integra e equipe do jornal O Pedreirense, acompanhou a repórter Camille Lichotti durante visitas às famílias entrevistadas, contribuindo com material fotojornalístico. A reportagem, na íntegra, pode ser acessada no site da Revista Piauí.