De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)[1], o Brasil é um país campeão mundial da produção e exportação de alimentos, além de possuir muita água, terras e tecnologia. Tendo em vista tais atributos é de se esperar que a escassez de alimentos ou mesmo a fome[2], sejam problemas alheios à realidade do país. Porém, estudos recentes realizados pela FAO mostram justamente o contrário. Cerca de 5,2 milhões de brasileiros passaram um dia ou mais sem consumir alimentos ao longo de 2017, o que corresponde a 2,5% da população. Embora declarações do atual chefe do executivo nacional apontem numa direção contrária sobre a existência da fome no Brasil, em 2017(últimos dados do Ministério da Saúde), cerca de 5.663 pessoas morreram desnutridas (em média 15 pessoas por dia).
Diante dos fatos, cabem aqui pelo menos três questionamentos: 1) Por que em certos períodos os alimentos são tão caros em nosso país, se somos grandes produtores e exportadores? 2) Por que rotineiramente temos um produto que acaba assumindo alta em seu preço? 3) Por que às vezes dar-se preferência às exportações em detrimento do abastecimento interno? São alguns questionamentos, cujas respostas nos farão entender não só a alta nos preços de alguns alimentos, nos últimos meses, mas, também os motivos que conduzem à valorização e incentivos dados a certos produtos e produtores em detrimento de outros.
Os produtos da refeição básica do brasileiro[3], como por exemplo, o ovo, o tomate, o feijão, o óleo, a carne, e gora a sua majestade, o arroz, tiveram altas nos últimos meses, prejudicando a alimentação das classes sociais mais baixas. Só o arroz, segundo Levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que o preço do arroz aumentou 120% nos últimos 12 meses.
Primeiramente é importante fazer uma relação (equação) bem simples. Quando o Dólar (moeda norte-americana) está mais alta(valorizada), as exportações brasileiras são estimuladas. Portanto ocorrem menos importações. Dessa forma, verifica-se um aumento da procura por certo produto. O valor do dólar – R$5,47 (cotação de 22/09/2020) – estimula diversos produtores a optarem por vender (exportar) seus produtos para outros países, em vez de abastecer o mercado interno, pois assim, seus ganhos (em Dólar) são bem maiores. A moeda americana subiu cerca de 40% nos últimos seis meses.
A falta ou escassez de alimentos no mercado interno provoca sua alta. Segundo o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos 12 meses, o aumento dos alimentos ficou em 8,83%. Para este ano, conforme o Instituto Brasileiro da Economia(Ibre), se o valor do dólar continuar alto, a previsão é a de que ocorrerá um aumento entre 8,5% e 9% no preço dos alimentos.
No caso específico do arroz, as exportações apresentaram aumento de 260% entre os meses de março e julho de 2020, principalmente para abastecer o gigantesco mercado chinês. Cabe aqui dizer que a China é a maior produtora de arroz do mundo. Mas, em função da pandemia, teve que poupar a produção nacional, combinando com importações principalmente do Brasil, garantindo assim seu estoque para abastecer seu povo. Caminho inverso fez nosso país. O Brasil, como já citado, aumentou as exportações do produto e reduziu sua importação em cerca de 59%. Isso contribuiu para diminuir a sua oferta interna e consequentemente o aumento do seu valor.
De acordo com o Centro de Pesquisas Econômicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea), o valor pago pelo arroz no local de sua produção (campo) bateu recorde – subiu 63% em agosto de 2020 em comparação com a mesma época do ano passado. Outro aspecto que deve ser levado em conta no entendimento desta questão diz respeito à omissão do estado. O representante máximo do Estado brasileiro, reagiu da seguinte forma: “Eu não vou interferir no mercado, o que tem que valer é a lei da oferta e da procura”, disse o presidente da República do Brasil[4].
O Estado pode sim, criar mecanismos para estimular um aumento da produção voltada para o consumo interno. Como? Criando políticas que fortaleçam a Agricultura Familiar (Pronaf). De acordo com Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência Contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP, na sigla inglês), O pequeno produtor não consegue sozinho se inserir nos mercados, muito menos adquirir financiamentos para sua produção. Nesse sentido, deve ser função do Estado auxiliá-lo. O pequeno agricultor precisa de apoio, de financiamento e de organização para que possa produzir, se organizar em grupos, cooperativas, e também possam processar minimamente aquela produção e fazer com que chegue aos mercados, acrescenta Balaban.
Na contra mão da situação descrita, está o agronegócio brasileiro que é um dos mais fortes do mundo. Ao contrário da agricultura familiar, tem sempre apoio do Estado, através de subsídios e empréstimos de bancos oficiais. Existe um lobby[5] dos grandes fazendeiros e produtores rurais e, portanto, grande peso político nas decisões referentes a este setor, beneficiando-o. A chamada bancada do agronegócio além de forte é muito organizada. O grupo conta com 210 deputados e 26 senadores no congresso nacional.
Mas, até quando essa situação perdurará? Até quando o pobre trabalhador brasileiro carregará esse fardo (que infelizmente não é de arroz)?
Para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), além da questão cambial (alta do Dólar), outros fatores também contribuíram para o aumento do preço especificamente do arroz: elevados patamares de preço internacional anteriores à crise de covid-19, a redução de área plantada no Brasil nas últimas duas safras, resultado das baixas rentabilidades identificadas nos últimos anos e o aumento da demanda pós-pandemia.
Então qual será a saída? De imediato, uma valorização do Real frente ao Dólar seria um bom começo, o que poderia provocar uma queda do preço das commodities[6]. Espera-se também que safra 2020/2021 seja maior e, possa reduzir o preço do arroz no mercado. E entre idas e vindas, o governo, depois de pressões de diferentes setores, definiu que 400 mil toneladas do grão poderão ser importadas sem imposto até o fim do ano, o que deve reduzir o valor com que o alimento chega às prateleiras. O problema é que, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), o consumo per capita de arroz no Brasil é de 34 quilos por ano. Assim, as 400 mil toneladas dariam para menos de 15 dias.
Por fim, encerro essa reflexão com a frase do Sociólogo Herbert de Souza, o Betinho: “Quem tem fome, tem pressa”. Entre suas contribuições para o Brasil está a fundação da Ação da Cidadania, programa de luta pela vida e contra a miséria, combatendo a fome e o desemprego através da democratização da terra. Exemplo que deve ser seguido, nesses tempos de incertezas provocadas pela pandemia do Corona-vírus e pela valorização de políticas estatais de liberalizantes que acirram as desigualdades sociais em nosso país.
Por José Edson da Silva Barrinha, licenciado em Geografia, Especialista e Mestre em Geografia pelo PPGGEO/UFPI. Coautor do livro Organização Espacial de Teresina. Professor efetivo de Geografia do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) – Campus Pedreiras.
[1] FAO – É a agência especializada do Sistema ONU que trabalha no combate à fome e à pobreza por meio da melhoria da segurança alimentar e do desenvolvimento agrícola.
[2] Fome – (do latim faminem) é o nome que se dá à sensação fisiológica pelo qual o corpo percebe que necessita de alimento para manter suas atividades inerentes à vida.
[3] Refeição básica do brasileiro – é um conjunto formado por produtos utilizados por uma família durante um mês. Este conjunto, em geral, possui gêneros alimentícios, produtos de higiene pessoal e limpeza.
[4] Vídeo exibido nas redes sociais no dia 10/09/2020. ( https://www.youtube.com/watch?v=GzeQU05wnlY).
[5] Lobby – Significa exercer pressão sobre algum poder da esfera política para influenciar na tomada de decisões do poder público em prol de alguma causa ou apoio.
[6] São produtos que funcionam como matéria-prima, produzidos em escala e que podem ser estocados sem perda de qualidade, como petróleo, suco de laranja congelado, boi gordo, café, soja e ouro.