Era quase meia-noite. Na rua onde moro a quietude dava o grito, ambiente diferente do WhatsApp. De repente recebo a seguinte mensagem:
“Em meio a situação de pandemia e após o termino das eleições, nesta sexta-feira, dia 4 de dezembro, os vereadores de Pedreiras aprovaram o projeto de lei orçamentária que aumenta os salários de vereadores, secretários, vice-prefeito e prefeito”.
Minutos depois o mesmo conteúdo é visto em outros grupos do aplicativo de conversa. Muito pouco preciso para virar notícia, mas o suficiente para deixar o sono de lado e ir apurar. Lembrei-me que as sessões da Câmara de Vereadores de Pedreiras costumam ser exibidas pelo Facebook do legislativo local. Foi o que ocorrera quando a casa decidiu o destino da Comissão Parlamentar Processante (CPP) e de Prefeito Antônio França, contudo, esse jornalista deu com a cara nos burros. Não há nada, nem no Facebook e tão pouco no Instagram, que traga claridade para o que fora feito sobre o tapete azul escuro da “casa do povo”.
“Resumo da sessão Ordinária do dia 27/11/2020”, eis a legenda do último vídeo postado na página da Câmara de Vereadores de Pedreiras.
Enquanto o tão esperado princípio da transparência com a coisa pública não dá as caras, a moralidade da ação é questionada, tendo como principal argumento os dias difíceis que abarcam, em especial, os pedreirenses, imersos numa crise econômica sem dias contados e uma pandemia, até então sem cura. As indagações fluíram com gosto de indignação: “alguém da imprensa local sabe dizer se algum vereador votou contra ou foi unanimidade?” Outros sugerem mobilização a fim de pressionar os vereadores contra a decisão de um aumento expressivo no apagar das luzes de um ano instável.
“Foi aprovado por todos”
Às 0h44 minutos sou informado, por uma fonte próxima ao Plenário Messias Rodrigues e cuja identidade será mantida em segredo, que ninguém, dentre os 13 parlamentares, se opôs ao aumento, que apesar da legalidade, tem sua moralidade ainda mais questionada em tempos de pandemia. “Passou de 6.000,00 para 7.500,00. Irá valer a partir de 2021 até 2024”, explica a fonte, o aumento não contemplou o cargo de prefeito, vice-prefeito e secretários, como dizia parte da mensagem.
Segundo a fonte ouvida todos os parlamentares votaram pelo aumento. São eles:
Robson Rios, esposo da vereadora eleita Iaciária Rios
Elcinho Gírio
Ceiça Feitosa
Sergio Profirio
Gard Furtado (reeleito)
Bruno Curvina, sobrinho da vereadora eleita, Valdete Cruz
Zezinho do Amor
Adonias Quineiro, esposo de Anarjara Quineiro, vereadora eleita
Filemon Neto (argumenta que não participou da sessão)
Jotinha Oliveira (reeleito)
Zé Renato (reeleito)
Aristóteles Sampaio (reeleito)
Didi Motos
“De 4 em 4 anos o subsídio é reajustado baseado no salário dos deputados”. A fonte faz referência ao cálculo que fundamenta o valor do solário (os mais sacerdotais chamaram de subsídios) pagos aos vereadores e pela qual justificam o aumento. De acordo com a Constituição Federal (art. 29, inc. VI), “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos”. No caso de Pedreiras, com população estimada em 39.191 pessoas, segundo dados de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, “o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a trinta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais”.
Recordar é viver
Não é a primeira vez que uma votação dessa natureza se dá sem alarde. Em 2016 a cidade foi notícia no G1 por conta de um reajuste, tido como abusivo, que contemplara os dividendos do prefeito, vice-prefeito e vereadores. Na ocasião, o vereador Otacílio Fernandes foi questionado quanto a moralidade da ação: “Eu entendo que o chefe do Poder Executivo precisa ser bem remunerado para que ele não tenha nenhum motivo para desviar o dinheiro público. O salário tem que ser digno e justo para a função que ele vai exercer”, argumentou quando presidia o legislativo.
Dois pesos e duas medidas
Cabe salientar aos que evocam a legalidade do ato, que a Constituição Federal versa, nessa questão, sobre os limites orçamentários, logo, não há qualquer pena prevista em caso de bom senso e sensibilidade. Nenhum parlamentar sairia preso caso votasse contra o aumento. Com sua aprovação cabe ao gestor fazer o repasse, caso contrário, será enquadrado do crime de responsabilidade conforme artigo 29-A, § 2º, da Constituição Federal. A mesma Carta Magna que em seu artigo 5°, inciso XXXIII, assegura que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. A mesma fonte usada para balizar o aumento, determina que os agentes públicos trabalhem com transparência, devendo estrita satisfação de seus atos à sociedade que banca seus proventos.
À 1h50 de hoje, entramos em contato com o vereador Bruno Curvina, presidente da Câmara de Vereadores de Pedreiras:
“Vereador Bruno Curvina, bom dia!
Estou escrevendo uma matéria a respeito do reajuste no subsídio dos parlamentares, na tentativa de elucidar a questão e aparar arestas, incluindo o que a CF diz sobre.
A dúvida que paira diz respeito à razão da sessão do dia 04/12 não ter sido exibida ao vivo pelo Facebook, como de praxe. Por qual razão?
Há quem considere o aumento imoral, ainda que legal. Não caberia uma cota de sacrifício dos vereadores nesse momento de crise?
De já, gratidão pelo retorno!”
O que ainda não aconteceu.
“Não me surpreendeu, infelizmente, a notícia de aumento de salário do executivo e legislativo. Já se espera a cada 4 anos tal situação. Saber que pode ter urgência na votação de quem está à frente da gestão, mas no debate sobre o melhorias para os servidores em seu plano de cargos, salários e carreira e em outras pautas que possam favorecer quem está margem da sociedade não há pressa. Não falo aqui de um só parlamentar, ou chefe do executivo. Falo de uma maneira geral, de uma política arrastada à gerações, que enfraquece o povo e fortalece os “poderosos” que desmontam a máquina pública a seu favor. Como por exemplo, a resolução na questão do nosso hospital público. Ou a construção de escolas dignas à comunidade (relembro aqui, o caso do colégio Herschell Carvalho)”, questiona Raira Barrêto, professora da rede municipal de ensino.
O aumento nos valores vem de encontro à insatisfação de uma parcela da sociedade pedreirense que vê incompatibilidade entre o contracheque dos parlamentares e o resultado, na prática, do trabalho que cada um diz desempenhar. Há uma distância abissal entre o que ganha um trabalhador comum e aquilo que é recebido pelos que os representam.
Por Joaquim Cantanhêde