“Mexeu com uma, mexeu com todas”, esse foi o eco ouvido na manhã de quinta-feira, 20 de agosto, na Rodoviária de Pedreiras, três dias depois do lugar, um dos mais movimentados da cidade de Pedreiras (MA), ter sido palco de um episódio de violência contra a mulher, sob os olhares dos populares, que dizem ter chamado a Polícia Militar (PM), e das câmeras de segurança que registraram o ocorrido.
Como de costume em situações passadas, as cenas de violência foram densamente compartilhadas nas redes sociais e questões morais (conduta das agredidas) novamente evocadas na tentativa de justificar as agressões cometidas por um homem contra sua companheira.
“A partir do momento que vi o vídeo fiquei louca, andando da sala para a cozinha. Como conheço as mulheres e os homens de Pedreiras que estão sempre na luta, fui convidando cada um, com dia, hora marcada e local. À medida em que as pessoas foram dizendo, “eu posso”, nós criamos o grupo para dialogarmos melhor sobre essa questão. Tive a ideia, que só é boa e só colocamos em prática quando temos parceiros que melhoram essa ideia”, explica a militante pela causa das mulheres, em especial às negras, Francinete Santos Braga, uma das articuladoras da ação.
O protesto ocorreu em uma semana marcada por episódios de violência contra mulheres que ganharam visibilidade nos meios de imprensa nacional e regional. Além da mulher agredida na rodoviária, o movimento lembrou da criança de 10 anos estuprada pelo tio, no Espírito Santo, cujo aborto foi questionado por setores evangélicos e católicos, e da vereadora Lionete Silva Araújo Coelho (Dudu Coelho), que teve parte do corpo queimado com água quente pelo marido, o também vereador de Peritoró, André Coelho.
Reuniu ativistas, educadoras e equipes que lidam diretamente com políticas públicas voltadas para às mulheres, entre elas o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, Secretaria da Juventude, Secretaria de Assistência Social e Conselho Tutelar de Pedreiras.
A educadora Hiarley Silva Corrêa, sob os olhares atentos da filha, Hiza Júlia Ruben Corrêa Leal, deixou seu recado. “A educação é a base, tanto a partir de casa, como a educação formal. Muitas vezes lidamos com adolescentes e crianças com a visão muito distorcida, principalmente em relação à violência doméstica. Crescem acreditando que isso é normal e não é. Mais tarde se deparam com a escola, uma instituição formal, onde vai se desconstruir essa vivência que esse aluno teve, mostrando pra ele que aquilo não é certo”, destaca Hiarley, com 24 anos dedicados ao magistério.
Hiza Júlia Ruben Corrêa Leal, por sua vez, divide com a mãe, dentre muitas causas, o combate à violência contra a mulher. Seu otimismo parte de algo próprio de sua geração: acesso à internet, meios digitais e com eles mais informação. “Tive muita sorte por ser filha de professores. Me considero muito privilegiada nesse âmbito, pois sempre tive mais vivência e contato com pessoas diferentes de mim. Percebo que, mesmo pessoas que não tiveram, também tem ideias parecidas e entendem por causa dessa difusão de conhecimento”, pondera a jovem feminista.
Anualmente setores da sociedade pedreirense se mobilizam de diversas formas para tratar sobre o assunto: passeata, palestras e campanha nas redes sociais. Apesar do esforço, diariamente casos como o da rodoviária viram manchete, indicando que a realidade ainda se acha distante do almejado. O que falta?
“O cumprimento das leis. As mesmas precisam ser mais rígidas para que os agressores repensem seus atos antes de cometer determinada agressão. A humanidade também está muito alheia ao temor de Deus. Falta respeito, dignidade, amor. Faltam também políticas públicas de emprego, educação, entre tantas outras oportunidades”, destaca a professora Ana Roberta Alves Texeira, há 32 anos professora da rede pública municipal de educação.
No campo das iniciativas do poder público diante de situações de agressão, como a ocorrida da rodoviária, Cícera de Maria Alves Lopes, que está à frente da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, destaca: “Nossa preocupação maior é com o trabalho e acompanhamento (psicológico) à vítima. Nossa demanda aumentou muito agora com essa pandemia. Os atendimentos presenciais e online continuam. Temos uma parceria muito bacana com a Delegacia da Mulher. Sempre que acontece um caso de agressão, que chegam ao conhecimento, eles nos informam. Fazemos a visita à vítima e o acompanhamento psicológico com a família”.
Enquanto o movimento ocorria, ideias eram expostas e o lema do ato, “Mexeu com uma, mexeu com todas”, era proferido, parte dos que costumam frequentar a rodoviária (motoristas, passageiros, vendedores e cozinheiras) não olhavam com bom grado para a manifestação, os mesmos que viram a agressão e preferiram não intervir diretamente. Narram as cenas protagonizadas pela mulher, cujos os gestos incomodam mais que a agressão por ela sofrida, e pedem providências para que algo semelhante não mais ocorra.
“O que vi da manifestação é que tão dando apoio à ela e outras para voltarem e fazerem a mesma coisa. Aqui tem que ter respeito, é um ambiente familiar, anda todo mundo. Isso não pode acontecer. Se acontecer de novo, todo mundo vai reunir e pegá-la de pau. Ela tem que procurar o lugar dela, pois aqui não é cabaré. Com esse tipo de gente nem me misturo. Ela fez coisas absurdas”, destaca uma das pessoas que presenciaram tanto o ocorrido como a manifestação.
Enquanto a sociedade se divide, é a ausência da juventude que preocupa Hiza Júlia Ruben Corrêa Leal. “Esse movimento deveria ter bem mais jovens, principalmente meninas. Sinto falta, mas acho que é uma questão de comunicação. Pedreiras tem muito a ganhar com a gente junto, lutando junto, seja como for, principalmente a juventude”.
Por Joaquim Cantanhêde