Leituras e descobertas do mundo
Fiz, na manhã de sábado, na Praça dos Orixás, um vídeo curto com o título “produção cultural nas praças”. Postei nas redes sociais. Depois, pipocaram ideias na minha mente. De fato, fazemos produção cultural? Qual a especificidade de nossa produção cultural? Ela possui um significado especial por se fazer em praças de Teresina? Ou é só mais uma ação excêntrica? Por que voltar-se para crianças? É possível apreciar literatura infantil em praças?
Quanto mais pensava, mais me disciplinava para produzir perguntas. Habitualmente, não refletimos de fato. Simplesmente imaginamos que já sabemos de tudo. Não há necessidade de questionar. E, quando questionamos, repetimos aquelas repetidas ideias. Não há, de fato, um pensamento criativo. Recordei-me da minha abordagem com as crianças (enquanto leem ou quando já concluíram sua leitura): e aí? o que achou mais interessante? Por quê? Isso lembra alguma coisa de sua vida? Por que não gostou? Assim, passei a interagir com a Biblioteca Leituras e Descobertas do Mundo à maneira de um livro: que assombros … sensações … dúvidas … emoções… são despertos em mim à medida que releio essa vivência?
“Produção cultural com crianças por meio da mediação de literatura infantil num espaço estranho aos nossos hábitos de ler”. Para mim, que vivo esse projeto há muitos anos, essa resposta faz muito sentido. Mas as crônicas não são diários íntimos; pretendem ser registros sobre vivências da Biblioteca Leituras e Descobertas do Mundo. Assim, vou buscar explicitar alguns dos sentidos ocultos.
Produção cultural, pois, crianças e educadores desafiam-se, a cada encontro, a produzir modos de interagir, pensar, ler e criar. É uma criação coletiva que busca tecer significados vivos para seus atores ao mesmo tempo que se dão interações entre crianças, educadores e obras literárias. Não há livros em prateleiras de uma biblioteca com aqueles códigos classificatórios (apenas adesivos circulares com as cores verde, azul e vermelho conforme a complexidade linguística do livro). Tampouco uma bibliotecária com cara sisuda a recordar que é preciso fazer silêncio. Pausa: refiro-me à bibliotecária pois, na minha infância, era a imagem que tinha ao frequentar duas bibliotecas públicas de Teresina. Pelo contrário, as crianças fazem-se leitoras a sua maneira: uma busca refúgio em separado; outras preferem ler numa mesa com outras crianças; algumas precisam de acompanhamento de um educador pois estão apreendendo o mundo das letras e palavras. Mais recentemente, com o caderno da leitora (é proposital o emprego do feminino), as crianças leitoras escrevem e partilham suas experiências com os livros lidos.
Assim, reinventamos a noção de tempo e espaço de leitura. Uma praça transforma-se num local particular de cada grupo de crianças leitoras e educadores. As crianças e as vivências na Praça dos Orixás, no bairro São Joaquim, são distintas das experiências na Praça São Raimundo Nonato, no Parque Wall Ferras. Ao distribuir as cadeiras e mesas, posicionar os expositores de livros, organizar a grande roda para trocarmos vivências e saberes (ou simplesmente escutar individualmente cada criança leitora) … Vamos reinventando o mundo a nossa maneira. Criamos a nossa biblioteca numa praça com nossos interesses, afetos e desejos.
Por Luciano Melo, educador