Há mais de três décadas, profissionais da enfermagem lutam pelo reconhecimento da classe, por melhores condições de trabalho e pela efetivação de um piso salarial que contemple, para além de enfermeiros (as), técnicos (as) de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiros (as). Uma luta nacional, que vem ganhando novos desdobramentos após a aprovação de um projeto, criado pelo Governo Federal, que abriu crédito de R$ 7,3 bilhões aos estados, municípios e Distrito Federal, para o cumprimento desta Lei.
Em Pedreiras, Maranhão, cidade de tantos causos, em suma, políticos, o piso salarial da enfermagem poderia ter ficado na pasta das exceções de projetos que deram certo, uma vez que, Vanessa dos Prazeres Maia, prefeita do município, faz questão de deixar claro, em seus discursos e na biografia do seu Instagram, ser “enfermeira por formação”, o que para muitos seria a esperança da concretização desse direito. Mas do poder público, diante do valor irrisório destinado pela União ao município, para auxiliar o pagamento desses profissionais, o silêncio, até o fechamento dessa reportagem, foi a resposta.
Atrelados à incerteza, “sem nenhuma informação, nenhuma nota, nenhuma reunião”, sobre o possível recebimento do novo piso salarial, profissionais da enfermagem lamentam o descaso. “O primeiro balde de água fria veio na publicação da portaria do recurso, em que a cidade nem aparecia. Informalmente, pessoas ligadas a gestão mandavam ficarmos tranquilos, que estava errado, iria corrigir. E corrigiu, com o município de Pedreiras recebendo um valor irrisório, que não daria para pagar sequer um enfermeiro com o novo piso”, conta uma fonte ao jornal O Pedreirense.
A portaria Nº 597, publicada em 19 de maio, no Diário Oficial da União, apresenta a relação dos valores, em nove parcelas, destinados aos municípios brasileiros, categorizados por seus respectivos estados. Pedreiras, como mostra o quadro, aparece com o valor [o menor] de R$ 4.750,00 por parcela, o que chama atenção, principalmente quando comparado ao valor recebido pela cidade vizinha, Trizidela do Vale, de R$ 1.206.789,46 por parcela, uma diferença colossal de R$ 1.202.039,46.
De acordo com a portaria, “foram considerados para o cálculo dos valores a serem transferidos aos estados, municípios e Distrito Federal:
I – a disponibilidade orçamentária e financeira;
II – o indicador de participação relativa do ente federado no esforço financeiro total de implementação dos pisos da enfermagem, estimado a partir da base de dados da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, considerados os impactos para o setor público, para as entidades filantrópicas, bem como para os prestadores de serviços contratualizados que atendam, no mínimo, 60% (sessenta por cento) de seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde – SUS; e III – fator de redistribuição e correção de desigualdades entre os entes federados.
Em conversa com o jornal O Pedreirense, o enfermeiro Isac Gonçalves, que atua no Ministério da Saúde, em Brasília, explica os possíveis caminhos que possam ter influenciado no valor da verba disponibilizada, uma vez que, chama a atenção a disparidade dos valores quando relacionamos Pedreiras, não só à quantidade de habitantes, comparando aos municípios vizinhos, mas por dispor de uma Regional de Saúde, que atende parte da região do Médio Mearim. No entanto, o que explicaria esse valor irrisório?
De acordo com Isac, o valor é repassado levando em conta a quantidade de profissionais cadastrados no CNES – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde -. “Às vezes não é o tamanho do município, é a quantidade de profissionais em cada município”, explica o enfermeiro, que, ao ser informado sobre o valor destinado a Pedreiras, aponta outro caminho: a possível não atualização do CNES, por parte da gestão. “Grande parte da verba vai sair da União e a União vai liberar proporcionalmente conforme o cadastro no CNES. Possa ser que o município deixou de informar, deixou de cadastrar”, disse Isac.
Vale ressaltar que a importância do município de manter sempre os dados bem atualizados, pois dependendo da localidade, os recursos enviados são enviados com base em avaliações do CNES. Navegando no site oficial, não encontramos com exatidão uma lista com os respectivos funcionários cadastrados, a não ser, quando pesquisamos individualmente pelo nome ou CPF. Das fontes ouvidas nesta reportagem, todas aparecem cadastradas. A atualização do CNES deve ser feita mensal ou imediatamente após qualquer alteração nos dados.
Entramos em contato com a Secretária de Saúde de Pedreiras, Arilene Oliveira, e a questionamos sobre a efetivação do piso salarial da enfermagem. Sem prolongar a conversa ela informou estar em Brasília, nesta terça-feira (30), tratando sobre o assunto. “Só poderei próxima semana, porque ainda não temos o resultado final”, disse. Insistimos em questioná-la sobre a verba destinada ao município e os caminhos que o poder público tem buscado para efetivação desse direito, mas até o fechamento desta reportagem não tivemos retorno.
Entramos em contato também com a prefeita de Pedreiras, Vanessa Maia, que junto à secretária de saúde Arilene Oliveira, ao assessor de saúde Ivan Lima e acompanhantes, marcaram presença em um evento promovido pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em Brasília. Relutante ao pagamento do piso, o CNM alega que o recurso não é suficiente para cobrir os gastos com os aumentos salariais e orienta gestores a não pagarem o piso. A prefeita não respondeu aos nossos questionamentos, mas utilizou a rede social, de forma rasa e sem detalhes, para avisar que o encontro tratou sobre o tema.
É importante ressaltar que o pagamento do piso salarial da enfermagem, na forma em que foi aprovado pelo Congresso, ainda depende de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A votação no STF foi suspensa na noite de quarta-feira (24) devido a um pedido de vista feito pelo Ministro Gilmar Mendes. Enquanto isso, é importante enfatizar que a regra que estabelece o piso, segue válida.
“Pra nós, o piso seria o reconhecimento do trabalho humanizado, do esforço em prestar um serviço de qualidade. Imagina trabalhar sem isso? Temos feito isso há muitos anos, e ver o Brasil sorrir e nós chorarmos? Receber o piso seria se sentir importante. O salário da enfermagem de Pedreiras está congelado há mais de 20 anos. No dia da enfermagem no último dia 12 ganhamos um dia sem brilho, só uma arte com um modelo de enfermeiro sorrindo e feliz”, ressaltou a fonte ao jornal O Pedreirense.