“[…] é o socorro da população do Brasil”, diz Ronielly de Lima Rocha, sobre o Sistema Único de Saúde (SUS)
O trajeto é por uma estrada de terra, a cerca de quatro quilômetros da cidade de Lima Campos (MA). Nosso destino? Povoado Nova Salvação, aonde reside o funcionário público e vereador, Ronielly de Lima Rocha, de 37 anos. Acompanhado de sua família, ele recebe nossa equipe, numa manhã ensolarada de terça-feira (31), e compartilha recortes importantes de sua vida: o diagnóstico de uma doença rara, as adversidades em meio a esta jornada, o medicamento de R$ 500.000,00 mil e o Sistema único de Saúde [SUS], como escape.
Durante parte da vida, o servidor público, pai da pequena Pâmela, de 7 anos, travou uma luta constante pela saúde. Tudo começou aos 17 anos de idade quando as primeiras crises de cálculo renal chegaram. Em meio a sua passagem por vários hospitais, tratamentos, exames e cirurgias, acompanhado sempre pela esposa, a Téc. de Enfermagem, Patrícia de Lima Almeida Rocha, 29 anos, a incerteza sobre uma doença, até então desconhecida, era o dilema que recaía sobre a família. Na época, ocupar a fila de transplante não era uma opção para Ronielly, em virtude da baixa taxa de hemoglobina, que poderia ocasionar em sua morte durante o transplante.
No entanto, a busca pelo diagnóstico continuava. “Foi um trabalhão para ser diagnosticado. Fiz várias cirurgias para retirada de cálculos. Com 31 anos de idade perdi a função renal, comecei a fazer hemodiálise. Não sabia porque tinha perdido a função renal”, explica Ronielly visivelmente emocionado ao relembrar sua trajetória.
O processo foi longo, cerca de 20 anos de espera até chegar ao diagnóstico. No entanto, muito aconteceu durante um período de tempo e outro. Um desses acontecimentos é o que Ronielly chama de “pior imprevisto” de sua vida, descreve fazendo referência ao acidente sofrido por sua esposa, há dois anos, quando ela retornava do hospital de São Luís, aonde o acompanhava. Patrícia fraturou o tornozelo, joelho, cabeça e outras partes do corpo, que fizeram com que ela se ausentasse por um tempo do suporte que dava ao esposo. “Me faltou chão, porque Patrícia para mim é os meus pés”, conta Ronielly sobre a esposa.

Uma ligação aqui, outra acolá em busca de um laboratório que realizasse um exame de genética para o tão aguardado diagnóstico, até que uma luz no fim do túnel surge: a ligação de uma médica de São Paulo, que mudaria positivamente a vida de Ronielly. Trata-se da Drª Maria Helena Vaisbich, especialista em doenças renais raras. “Recebi a mensagem dela falando que era nefrologista e que fazia pesquisa desse tipo de doença no Brasil. Até então achei que fosse golpe. ‘Ajuda assim? Sem querer nada?’ fiquei com medo [risos]”, contou Patrícia, esposa de Ronielly.
Com o suporte da Drª Maria Helena, o diagnóstico de Ronielly veio no início deste ano. Hiperoxalúria primária (HP) tipo 1, foi o resultado. Uma doença renal rara e heterogenia que atinge os rins e consequentemente o funcionamento do corpo. Mas o espanto maior veio com a revelação do valor da medicação, chamada Lumasiran. Mais de meio milhão de reais por dose. No caso de Ronielly, em decorrência do agravamento da doença, a administração da dose deve acontecer duas vezes ao mês. Mas sem dinheiro suficiente para custear a compra a família se viu sem esperança.

Novamente a Drª Helena entra em ação e apresenta à família o Instituto “Amor e Carinho”, localizado em São Paulo, que oferece suporte a pacientes com doenças raras. Em maio deste ano o instituto pediu a papelada e deu entrada na justiça para conseguir a medicação. Patrícia, esposa de Ronielly conta que desacreditou que tão logo a medicação estaria disponível para o marido. “Achei que fosse demorar anos e anos”, contou.
Em outubro, a medicação chegou ao município de Lima Campos escoltada por seguranças e foi recebida pela farmacêutica da cidade escolhida por Ronielly. Já a profissional escolhida para preparar e administrar a medicação foi a enfermeira Irismar Frota. Ela conta que após conversas e orientações da Dra. Helena a aplicação aconteceu no dia 11 de outubro, no Hospital Municipal. Segundo ela, foi um momento diferente, de muita gratidão e fé
“Para mim o preparo e administração foi emocionante, uma sensação diferente de tudo que já vivi no cotidiano da unidade hospitalar. Ele [Ronielly] chegou acompanhado da família e muito amigos. Ali eu pude perceber a fé e a esperança do paciente, familiares e amigos, pessoas que conhecem a história e torcem pela saúde do Ronielly. Ali eu vi a presença de Deus.”, relatou a enfermeira Irismar Frota.

A importância do SUS no tratamento de doenças raras
Muitos cidadãos desconhecem seus direitos e deveres no que compete a saúde pública. É importante lembrarmos que em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que medicamentos de alto custo para o tratamento de doenças raras devem ser fornecidos pelo Estado. Para os remédios que ainda não têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a concessão deve ser feita com base na análise da real necessidade de cada caso.
“O Estado só pagará se o medicamento for registrado na Anvisa. Excepcionalmente, medicamentos para doenças raras poderão, sob certas condições, solicitar importação mesmo não tendo registro na Anvisa”, explicou Salmo Raskin, geneticista do Departamento Científico de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Outra alternativa é recorrer à justiça, como foi o caso de Ronielly, por meio de uma liminar. “É um recurso utilizado por pacientes que necessitam de um medicamento caro e que não está sendo coberto pelo plano de saúde ou pelo SUS. A liminar é uma decisão judicial provisória que tem como objetivo garantir o direito à saúde do paciente, permitindo que ele tenha acesso ao tratamento necessário mesmo sem a cobertura prevista.”, explicou o advogado Tenório da Silva, via JusBrasil
O funcionário público, por sua vez, ressalta a importância do SUS na vidad da população brasileira. “O SUS tem a sua importância e graças a Deus, se não fosse o SUS eu não teria conseguido de forma nenhuma comprar essa medicação. O sus funciona e está em construção cada vez mais melhorando. Gostaríamos que fosse melhor ainda, mas é o socorro da população do Brasil”, declarou Ronielly”, disse.
Após tomar as medicação, Patrícia descreve o avanço no tratamento do marido e compara com a vida sem a medicação. “Uma semana antes dele receber a segunda dose ele estava muito ruim, era febre toda noite, muitas dores, ele não dormia. Com dois dias depois as dores melhoraram, ele tem dormido tranquilo e nós também”, contou a Téc. de enfermagem.
Com emoção, Ronielly aproveitou para estender agradecimentos pelos responsáveis por essa conquista. À Drª Maria Helena, ao Instituto amor e carinho, aos médicos que o acompanharam, enfermeiros e técnicos, às clinicas, hospitais e autoridades públicas.
