O mês de outubro, convencionou-se em um mês ligado às questões femininas.
Desde 1997 ele se tornou o mês OFICIAL de combate ao câncer de mama, apesar dessa luta ser uma constante que deve ser lembrada o ano inteiro.
No Brasil, o câncer de mama representa a primeira causa de morte por câncer nas mulheres brasileiras, isso se dá principalmente pelo diagnóstico tardio da doença. Coisa que poderia ser reduzida consideravelmente se toda mulher tivesse acesso aos exames ginecológicos periodicamente e à mamografia, que apesar de ser garantida pela Lei 11.664/2008 ainda continua sendo um exame complicado de se obter, devido às filas no SUS.
O que pouca gente sabe é que segundo estudo publicado no International Journal of Cancer[i]* detectou-se uma correlação direta entre o câncer de mama e os produtos químicos para alisamento e tintura de cabelo. O estudo, que trabalhou com 46 mil mulheres americanas acompanhadas durante 8 anos, também mostrou que os índices em mulheres negras é 45% maior que em mulheres não negras. O que nos leva a crer que o número de mulheres negras que utilizam os alisantes é muito maior que mulheres não negras. Esses dados só revelam mais um traço indelével do racismo estrutural a qual somos submetidos. Pois, o padrão europeu das loiras e cabelos lisos ainda é uma constante desde a infância, obrigando a inúmeras meninas a se submeter a ações insalubres para obter a tão almejada aceitação pela sociedade. O que me leva a segunda parte deste artigo!
O dia da menina!
Sim, 11 de outubro foi comemorado o dia da menina, a data foi criada para assinalar que a desigualdade de gênero começa desde a primeira infância. E é triste ver como nossas meninas são constantemente submetidas a situação que tendem a inferiorizá-las e/ou desmotivá-las.
Nesse mesmo mês de outubro, tão rosa como ele evoca ser, eu estava no supermercado e devido ao dia das crianças separaram uma mesa em que expuseram um monte de brinquedos. Enquanto eu me maravilhava escolhendo umas “maletinhas” que imitavam os materiais de várias profissões uma menina entre seus 6 e 7 anos, se encantou com uma das maletas que continham ferramentas, de fato o brinquedo era lindo, tinha martelo, furadeira, chave de fenda, régua-nível e parafusos… os olhinhos dela brilharam e ela gritou: “olha, vó!!” enquanto segurava a maleta, a vó olhou e viu o azul da maleta, as peças nela e imediatamente falou: “isso é de menino! Deixa.”
A menina, como se estivesse acordando naquele instante para a realidade expressou um assustado, triste e resiliente “AH! É de menino…” e deixou, o brinquedo se afastando dali.
Meu coração, sangrou!
Ali, naquele exato momento, eu presenciei ao vivo o que durante tanto tempo tenho estudado e lutado para acabar… Por que uma menina não pode brincar com ferramentas? Porque isso tem que ser só coisa de menino?
Lembrei-me dos vídeos que costumo fazer mostrando minha alegria em mexer com as minhas ferramentas, em cortar e lixar a madeira, construir, desmontar e reciclar algo, mas de fato isso só me foi possível fazer depois de adulta. Enquanto menina eu constantemente ouvia o “isso não pode!”, “Comporte-se como uma menina!”, “isso é coisa de meninos”.
Entretanto, estamos no século XXI e a despeito de todas as lutas e vitórias feministas, ainda vemos os mesmos padrões sexistas e machistas se repetindo: o Azul é para meninos e o Rosa é para meninas…
Ao ampliar meu olhar sobre os brinquedos, vi as maletas “destinadas as meninas” possuíam secadores, lixas de unhas, tesouras. Claramente definindo que a “profissão de cabeleireiro” é rosa! Os demais “brinquedos de meninas”, também estavam muito bem demarcados, eram os kits de limpeza, conjuntos de chás, utensílios de cozinha, todos na cor Rosa!
É claro que não há nenhum problema com a cor ou mesmo com as existências dos brinquedos, o problema está em quando essa cor e esses brinquedos se tornam marcas de gênero, restringido ou estereotipando um ou outro.
Em pesquisa realizada pela PLAN Brasil e feita com mais de 1.700 meninas de 6 a 14 anos, em 2013, denunciam o contexto alarmante das desigualdades de gênero, que prejudicam o pleno desenvolvimento das habilidades das meninas para a vida.
Segundo a pesquisa “Enquanto 76,8% lavam louça e 65,6% limpam a casa, apenas 12,5% dos seus irmãos homens lavam a louça, e 11,4% dos seus irmãos homens limpam a casa. Além disso, segundo o levantamento, uma em cada cinco meninas conhece outra que já sofreu violência, e 13,7% das meninas de 6 a 14 anos trabalham ou já trabalharam”.***
O mais doído é ainda ver que 37,7% das meninas brasileiras acham que, na prática, meninas e meninos não tem os mesmos direitos!
O que estamos fazendo com nossas meninas?
O exemplo que vivi e a pesquisa citada mostra nossa dura realidade… É DIFÍCIL SER MENINA EM UMA SOCIEDADE MACHISTA.
É mais que hora de evocar que por “SER MENINA” ela tenha a opção de escolher o que quer fazer! E o que quer ser!
Portanto, precisamos urgentemente lutar por uma sociedade com equidade de gênero e raça e isso só é possível ser alcançado com uma educação antirracista e antimachista.
Sigamos nessa luta! Lutando como uma menina! Vencendo como uma menina!
Por Nila Michele Bastos Santos, Historiadora, Psicopedagoga, Especialista em Formação de Professores. Mestra em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. Doutoranda em História pela Universidade Estadual do Maranhão. Professora do Instituto Federal do Maranhão IFMA – Campus Pedreiras. Coordenadora Geraldo NEABI – IFMA / Campus Pedreiras e do LEGIP – Laboratório de estudos em Gênero do Campus Pedreiras. Instagram: @nilamichele
[i][i]As considerações da pesquisa em português podem ser encontradas em: https://pebmed.com.br/produtos-quimicos-para-cabelo-podem-aumentar-o-risco-de-cancer-de-mama/
*** A pesquisa está disponível online e pode ser baixada por qualquer pessoa, pelo site http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/03/1-por_ser_menina_resumoexecutivo2014.pdf