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sábado, março 22, 2025

Os brioches de Maria Antonieta, ou os discursos de neutralidade das celebridades

Conta a lenda que ao ver a população francesa protestar diante os portões do palácio gritando e exigindo pão, a rainha Maria Antonieta, irritada com o barulho, teria perguntado aos seus cortesões do que se tratava tudo aquilo e os que eles queriam. Eles a explicaram que se tratava do povo que estava revoltado, pois não tinham pão para comer.

A rainha então teria achado aquilo um absurdo e indignada teria dito: “Se não têm pão, que comam brioches, ora!”

A anedota, que não tem nenhuma comprovação histórica, evocava como a nobreza (a elite dominante da época) se comportava diante da crise. Protegida pelos muros de seu Palácio, a rainha que não passava fome ou frio não compreendia, ou não desejava compreender, a realidade do outro, não entendia que o que possuía não era um direito de todos, o que fazia dela uma privilegiada.

Mas o movimento de enclausura em seu próprio mundo de privilégios e a cegueira seletiva da realidade ao seu redor, não é nada que ficou apenas no passado francês, ao contrário, os brioches da rainha tem outro nome hoje, são arrotados como neutralidade política. Posição essa que apenas quem não passa fome, frio, não é caçado para ser exterminado, perseguido, não sofre preconceito de raça, gênero e classe, não é exposto diariamente a violência física ou psicológica, tem a garantia de seus direitos respeitados e principalmente tem a opção de não enxergar a realidade, pode declarar.

É possível manter-se neutro diante de 477 mil mortes pela Covid-19? Diante do extermínio das populações negras e indígenas? Diante o desmatamento criminoso da Amazônia?  Tomar posição política não é escolher legenda partidária é apresentar-se diante dos fatos e escolher entre continuar do jeito que está ou exigir mudanças, exigir um país em que os privilégios de uns sejam direitos de todos. A escolha pela neutralidade é simplesmente afirmar que não se importa com tudo que está ocorrendo, pois, afinal de contas não os atinge.

Tomemos cuidados com as “belas Marias Antonieta” de hoje, que fazem questão de mostrar que o “perrengue chic” que passam é pagar 500,00 reais à vista para encher o tanque de gasolina de seu novo Porsche justamente enquanto milhares não conseguem se quer comprar a cesta básica que já passam dos 50,00 reais…

Tomemos cuidado com quem chama de mera “arrogância de direita” aqueles que desmatam em nome do lucro, que mandam invadir favelas para promover chacinas, aqueles que imitam pacientes agonizando sufocados diante de tantos que perderam seus familiares para uma doença, que esses mesmos “arrogantes” afirmam se tratar apenas de uma gripezinha. Tomemos cuidado com quem julga ser apenas arrogância ignorar correios eletrônicos de laboratórios oferecendo vacinas que poderiam salvar a tantas vidas…

Acreditar que esses atos não passam de arrogância não é neutralidade; é uma forma cruel de dizer que, se não me atinge eu não vou me envolver. É falar para a população faminta comer brioches, quando esta não tem dinheiro nem para um pão. Que, aliás, anda caro demais, atualmente também… 

É preciso que determinadas celebridades, que arrastam milhões de pessoas em suas páginas pessoais, tenham a consciência de que sua influência não está apenas em ditar modas e consumo. Querendo ou não, esses artistas representam o desejo de sucesso de várias pessoas, por isso seus comportamentos são tão imitados. O que é consumido não apenas o shampoo, perfume ou sabonete que vendem, não é somente a carteira de investimento que diz usar, ou a marca de sapatos que preferem ou a música que escutam é também suas opiniões sobre ciência, política, religião e preconceitos. Selecionar no que querem ou não influenciar não é possível, quanto mais famoso, mais poder de influência adquiri e como já dizia os quadrinhos: “Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades…”

Da bolha que muitas celebridades optaram por viver, pregando uma positividade tóxica e um conformismo alienado, falam com o ar de muita inteligência, mas com pouco conhecimento. Como professora de história, permitam esclarecer de maneira bem simples e pouca acadêmica um ponto importante.

Foi no século XVIII, durante a Revolução Francesa, a mesma que destronou e guilhotinou a rainha Maria Antonieta (aquela dos brioches), que o que chamamos de direita e esquerda política começaram a se configurar. Em suas assembleias para tomar os rumos da nova nação, seus representantes acabaram se dividindo de acordo com seus interesses e ideais, assim  sentando-se nas cadeiras do lado direito ficaram os conservadores, aqueles que desejavam que as mudanças fossem mínimas ao ponto destas não modificarem a posição socioeconômicas burguesas em que estavam, já do lado esquerdo sentavam-se aqueles que desejavam que as transformações fossem amplas, modificando a ordem social vigente e garantindo pão e educação a todos e isso incluía camponeses e proletários, esquecidos pela direita. Ao centro sentavam os que historicamente ficaram conhecidos como Planície, que ao contrário do que muitos pensam não eram “os neutros”, no centrão ficavam os oportunistas que votavam junto aqueles que garantissem seus interesses, ora direita, ora esquerda.

Explicar como se deu a demonização das esquerdas seria pauta para outro texto, muito mais acadêmico que pessoal, mas fica a questão: a quem interessa essa demonização? Quem de fato sai beneficiado com as “fake-new” sobre as esquerdas? A quem interessa que as pautas das esquerdas sejam vistas como “delírios comunistas”?

É preciso refletir sobre essa pseudo neutralidade apregoada para influenciar, afinal desde quando a justiça social, a igualdade, equidade, fim dos preconceitos de raça, gênero e classe se tornaram delírios? Pois, essas são essencialmente as pautas das esquerdas.

É preciso refletir sobre o porquê da militância em prol da transformação social e igualdade indiscriminada, ainda que não alcancemos em vida, tornou-se motivo de chacota e discriminação?

Não é possível existir neutralidade diante da vida e da morte, e como me ensinou um dos maiores influenciadores do mundo, Dr. Martin Luther King:

O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons… É sob o silêncio cúmplice dos decentes que alguns dos maiores crimes acabam sendo perpetrados”.

Para aqueles que tem o poder das mídias, das redes sociais e das “influencies” entendam que tal e qual disse a Drª Natália Pasternak na CPI da Covid-19 “Não precisamos de uma população confusa, precisamos de uma população esclarecida!”

Vacina no braço. Floresta em pé. Comida no prato. Educação para todes e Dignidade Humana! É esse o meu lado!

Por Nila Michele Bastos Santos, doutoranda em História pela Universidade Estadual do Maranhão. Mestra em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. Historiadora, Psicopedagoga, Especialista em Formação de Professores. Professora do Instituto Federal do Maranhão IFMA – Campus Pedreiras. Coordenadora do LEGIP – Laboratório de estudos em Gênero do Campus Pedreiras.

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