OPINIÃO
Qualquer pessoa, não importa a religião ou país, ao ser questionada sobre a sua percepção acerca do Oriente Médio, a resposta na sua quase totalidade será: um lugar de muitas guerras, de grupos terroristas e rico em petróleo. De fato fazem e muito sentido. Mas, antes de começar a compreender essas respostas, cito uma breve passagem em Gênesis (12,1-3). Veja o que Deus disse para Abrão: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, Eu te abençoarei, engrandecerei teu nome; sê uma benção! Abençoarei os que te abençoarem, amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem. Por ti serão benditos todos os clãs da Terra”.
A terra prometida para Abrão era Canaã. A região de Canaã ficava entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo. Possuidora de terras muito férteis, vários povos começaram a disputar o controle dessa região – os hititas, jebuseus, amorreus, heveus, entre outros. O termo geral para todos esses povos era cananeus. A extensão territorial, seria do Rio Nilo(Egito) ao Rio Eufrates (na região do mar Morto e do mar de Quínerete). Canaã corresponde nos dias atuais aos territórios do Estado de Israel, Palestina (Faixa de Gaza e Cisjordânia), Jordânia Ocidental, sul da Síria e sul do Líbano.
Após sucessivas batalhas, os descendentes de Abraão conseguiram conquistar Canaã, 400 anos depois da sua chegada. Note que essa região do planeta é palco de muitos focos de tensões, desde tempos bíblicos. O mais recente deles envolve Israel e Irã. Deste, falaremos mais adiante.
O próprio emaranhado de povos, culturas e tradições por si só já é motivo de desavenças na região. Associado a isso, juntam-se outros interesses de ordem política e econômica que sempre envolveu potências mundiais, em geral potências nucleares. Bom, mas agora saindo da promessa divina no livro de Gênesis é importante destacarmos outro momento histórico envolvendo mais uma vez essa região, o movimento Sionista[1]. Para alguns, trata-se do movimento de base política-ideológica que deu origem à construção do Estado
de Israel, em 1947, logo após o Holocausto[1] na Europa. Para algumas correntes do sionismo, não existe esse objetivo final, ou seja, a construção do Estado de Israel.
Por isso, para entender as respostas citadas no inicio desse texto é preciso voltar no tempo. O Sionismo surgiu no Século XIX entre os judeus que viviam na Europa. Buscava uma solução para a questão judaica, sobretudo contra a discriminação sofrida pelos povos semitas[2], entre os quais, está o povo judeu. O sionismo moderno começou em 1896 com um livro escrito por Theodor Herzl[3]. Ele começou a falar do direito que os judeus teriam a um Estado próprio para viver em paz com sua identidade. O local escolhido foi a Palestina porque tem uma ligação histórica e bíblica.
Enquanto os defensores sionistas apelam para a necessidade de se estabelecer um local seguro para a população judaica, após as perseguições sofridas ao longo dos séculos, seus críticos consideram que a ideologia política por trás desse movimento é racista e colonial, sendo um obstáculo para a paz no Oriente Médio.
De acordo com Rashmi Singh (Agência Brasil, 2023) “Theodor Herzl fomentou uma organização que promoveu a migração judia para a Palestina para construir um Estado para os judeus”. O objetivo era juntar fundos e comprar territórios na Palestina. Mas eles não conseguiram comprar muita terra porque já era uma área ocupada. O desfecho da 1ª Guerra Mundial foi favorável ao Sionismo. A criação do Mandato da Palestina sob o comando do Reino Unido e a Declaração de Balfour, em 1917, fortaleceu o estabelecimento dos judeus nesse local.
A declaração ou carta até hoje é vista como o ponto inicial do conflito árabe-israelense. Escrita pelo ministro britânico Arthur Balfour, foi enviada para o lorde Walter Rothschild, um dos principais proponentes do Sionismo. Ficava evidente o apoio do governo britânico ao estabelecimento de um lar nacional para o povo judeu na Palestina. Ao mesmo tempo, a carta dizia que nada deveria prejudicar os direitos civis e religiosos de comunidades não-judias que já estavam ali. Não foi o que se assistiu nos anos que se seguiram. A Declaração de Balfour é o primeiro sinal de simpatia de uma potência mundial com o sionismo, fato verificado nos dias atuais, sobretudo com a postura diplomática dos EUA.
A partir de então à medida que aumentavam as correntes migratórias de judeus da Europa para Palestina, crescia também a reação dos árabes contra a presença desses estrangeiros. Nas décadas de 1920 a 1940 ocorreu uma escalada da tensão entre os judeus recém-chegados e os árabes na região. Para os palestinos, a presença dos judeus era uma imposição europeia, num território que historicamente pertencia a eles. No começo do século XX, a Palestina era composta basicamente por árabes e muçulmanos. Havia quase 700 mil habitantes. Destes, cerca de menos de 60 mil eram judeus. Porém, “em 1945, final da Segunda Guerra, os judeus eram 808 mil de 1,97 milhão de habitantes da Palestina”, conforme Camargo (2013, p. 431).
Quando a Organização das Nações Unidas lançaram a Resolução nº 181/1947 que criava dois estados na Palestina, um para os judeus e outro para os palestinos, nascia ali um conflito de natureza territorial que muitas vezes se impregna de religiosidade. Assim, pode-se dizer que foi depois da instalação do Estado de Israel, que eclodiram quatro grandes conflitos colocando em lados opostos os judeus, os povos árabes e seus respectivos aliados: A Guerra de Independência (1948-1949), a Guerra de Suez (1956), a Guerra dos Seis Dias (1967) e a Guerra do Yom Kippur (1973). São chamadas de guerras árabe-israelenses, motivadas principalmente pelo controle territorial da Palestina. Israel venceu a todas essas guerras e conseguiu ampliar sua área territorial, inclusive, ferindo a resolução das nações unidas.
No entanto, é importante ressaltar que apesar dos quatro grandes conflitos árabes-judeus, trata-se de situação muito complexa e que ainda está em andamento. O novo arranjo geopolítico internacional engendrado com o final da Guerra Fria e o desmantelamento do modelo socialista soviético deu novos rumos para as tensões internacionais, inclusive nessa região que biblicamente é conhecida como a “Terra Prometida”. Agora as guerras travadas no Oriente Médio e em outras regiões do mundo ganharam outro componente: O terrorismo fundamentalista.
Os ataques ocorridos às torres gêmeas do World Trade Center (WTC), em Nova Iorque e ao prédio do Pentágono (sede do Departamento de Defesa dos estadunidenses), em Washington (capital dos Estados Unidos), no dia 11 de setembro de 2001, revelou não apenas uma nova forma de ataque terrorista, maior e bem coordenado, como também uma nova concepção de guerra. Esses ataques foram planejados e executados pela rede terrorista islâmica, de atuação internacional, Al-Qaeda, que, à época, era comandada pelo bilionário saudita Osama Bin Laden.
A Guerra do Iraque que teve início em 2003, como consequência do ataque aos EUA, só cessou em 2011. É considerada uma extensão da política da “Guerra ao Terror” dos Estados Unidos, iniciada após os ataques do 11 de setembro de 2001. O foco naquele momento foram os regimes autoritários islâmicos que representavam um perigo internacional por conterem armas de destruição em massa.
Onde estariam esses regimes? Acertou quem pensou em Oriente Médio. Os EUA denominaram os países detentores dessas armas de “Eixo do Mal”. Quais eram esses países? Iraque, Irã e Coreia do Norte. Os dois primeiros são do Oriente Médio. Para os EUA, esses países constituíam uma grave ameaça para a segurança dos Estados Unidos e do mundo. Anos depois, inspetores da ONU, comprovaram que o Iraque não possuía armas de destruição em massa. Quanto à Coreia do Norte, nada pôde ser verificado devido ao regime ditatorial que vigora neste país.
Nesta terceira década do Século XXI, existem vários conflitos em andamento no Oriente Médio. Como por exemplo, podemos citar: Conflito entre Israel e palestinos (principalmente na Faixa de Gaza), Conflitos interligados (Israel combate o Hamas e o Hezbollah, aliados do Irã, que apoia também os Houthis, grupo rebelde do Iêmen que ataca navios e é alvo dos Estados Unidos e do Reino Unido) e uma Crise Humanitária, marcada por execuções sumárias de civis e, em alguns casos, assassinatos em massa cometidos por membros de grupos armados palestinos e de Israel. Além dessa situação descrita na Palestina, há também um conflito de menor divulgação envolvendo a Arábia Saudita e o Iêmen, ou seja, um conflito esquecido, de pouca atenção das autoridades internacionais.
Lembrando que a Arábia Saudita, assim como Israel é aliada dos EUA. Esse conflito teve início em 2014. Portanto já dura 10 anos. De um lado, com o apoio do Irã, estavam os Houthi, grupo xiita[1] considerado uma milícia rebelde. Do outro, estavam o governo de Abd-Rabbu Mansour Hadi e a coalizão sunita[2] que o apoiava. Quando os xiitas tomaram a capital e a parte norte do país, o governo fugiu para o sul, mas manteve-se com apoio de parte das tropas e principalmente com apoio da Arábia Saudita. Assim, a região tornou-se mais um lugar atingido pela polarização de potências militares que divergem sobre questões político-religiosas no Oriente Médio. Embora compartilhem do Islamismo, sunitas e xiitas são rivais em uma série de disputas por território e poder no Oriente Médio.
Embora não seja um país industrializado, rico em petróleo, metais preciosos ou terras férteis, o Iêmen é uma região muito estratégica. É ali que se localiza o estreito de Bab al-Mandab, conexão entre o Mar Vermelho e o Golfo de Áden, uma das mais movimentadas rotas de navios petroleiros do mundo todo. A região sofre com ataques aéreos sistemáticos feitos pela força aérea saudita que já deixaram centenas de vítimas.
Para se ter uma ideia, segundo levantamento realizado pela BBC[1], apenas em fevereiro de 2022 foram mais de 700 ataques aéreos no país. Já são mais de 200 mil mortes. A instabilidade aumentou ainda mais como apoio do Irã aos rebeldes xiitas causando insegurança na região.
Perceba que, de fato o Oriente Médio é mesmo um barril de pólvoras. Os conflitos são intermitentes e históricos. A natureza desses conflitos varia conforme as nações envolvidas. No mais conhecido desses conflitos, já relatado aqui e que envolve judeus e palestinos, o caráter é basicamente territorial. A Guerra Irã-Iraque travada de 1980 a 1988 resultou de disputas fronteiriças entre as duas nações, mas também questões políticas e religiosas estavam envolvidas. Lembrando que as três principais religiões monoteístas, ou seja, crença na existência de um único Deus, surgiram no Oriente Médio: O Islamismo, o Cristianismo e o Judaísmo.
E petróleo também é motivo de conflito? Sem dúvidas. O petróleo foi/é uma das peças centrais no conflito que envolveu grupo autodenominado “Estado Islâmico” no Iraque e na Síria. Em 2002, a revista britânica The Economist escreveu que, embora a alegação dos EUA para a invasão do Iraque tenham sido as supostas armas de destruição em massa detidas pelo então regime do de Saddam Hussein, a abertura das enormes reservas de petróleo do país ao capital estrangeiro também teria motivado a ofensiva americana na chamada Guerra ao Terror.
O petróleo também teve papel importante no golpe de Estado de 1953 no Irã ─ organizado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. Os dois países tentaram derrubar um primeiro-ministro eleito, Mohammed Mossadegh, e substitui-lo por Mohammad Reza Pahlavi, cujo reinado terminou quando fundamentalistas iranianos chegaram ao poder, em 1979.
Portanto, guerras, grupos terroristas e petróleo são sim, os aspectos que mais caracterizam e evidenciam o Oriente Médio no mundo, fazendo com que o título desse breve texto realmente tenha sentido, “Oriente Médio: Um barril de pólvoras”.
Por fim, um breve relato dos ataques à distância do Irã contra Israel. Contextualizemos então. O ataque iraniano sem precedentes utilizando drones e mísseis em grande escala contra Israel na noite de 13/04/2024, foi na realidade uma retaliação a um suposto ataque israelense a uma embaixada do Irã na Síria, trazendo à tona a longa guerra “fria” entre os dois lados e aumentando a perspectiva de um conflito de caráter regional. O ataque marca um novo e perigoso ponto de tensão no “barril de pólvoras” que é essa região do continente asiático. O Oriente Médio é sem dúvidas um dos territórios internacionais mais instáveis política e militarmente, em função seja da religiosidade, das questões territoriais e da riqueza em combustíveis fósseis presentes em seu subsolo.
Por José Edson da Silva Barrinha, professor de Geografia do IFMA-Pedreiras
[1] O termo sionismo faz referência ao Monte Sião, nome de uma das colinas de Jerusalém e usado como sinônimo de terra prometida, ou terra de Israel.
[2] foi o genocídio de cerca de seis milhões de judeus nos campos de concentração e de extermínio, comandados pela Alemanha. Esse evento histórico foi orquestrado pelo regime nazista de Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
[3] Termo que designa um conjunto linguístico composto por vários povos. Estão intimamente ligados com a origem das três grandes religiões monoteístas no mundo: o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo.
[4] Foi um jornalista judeu austro-húngaro que se tornou fundador do moderno Sionismo político.
[5] Xiita é uma seita do Islamismo, que significa ” partidários de Ali “. Os xiitas consideram Ali (o primo e genro do profeta Maomé) o sucessor legítimo da autoridade islâmica.
[6] A palavra sunita significa “alguém que segue as tradições do Profeta”, em árabe. Esse grupo é considerado o ramo ortodoxo do Islã.
[7] É uma subsidiária da British Broadcasting Corporation (BBC) no Brasil. Atuando como provedor mundial de notícias em língua portuguesa e agências de notícias
Sites consultados:
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-10/entenda-o-que-e-sionismo-movimento-que-da-origem-ao-estado-de-israel.
- https://brasilescola.uol.com.br/guerras/guerras-arabe-israelenses.htm
Referência consultada
CAMARGO, Cláudio, Guerras Árabe-israelenses. In.: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das Guerras. São Paulo: Contexto, 2013, p. 431.