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domingo, dezembro 1, 2024

Onde estão as mulheres pretas? Ou por que precisamos de uma ministra negra progressista no STF?

OPINIÃO


Onde estão as mulheres pretas? A pergunta, que inicialmente pode causar estranheza, merece uma reflexão mais aprofundada. Quais são as imagens que lhes vêm à mente quando se refere às mulheres pretas? Em quais ambientes, mais frequentemente, vocês as veem?

Durantes anos os espaços femininos estiveram em segundo plano ou relegados a subordinação dos papéis masculinos. Se incluirmos o universo da cor nessa análise, constataremos que, para as mulheres pretas, esses locais ainda apresentam níveis mais baixos, tais como a subalternidade ou até mesmo a escravidão.

É inegável que as mulheres negras (pretas e pardas) contribuíram decisivamente para a construção da sociedade brasileira, mas também não é possível dissociar as chagas sociais que explicam um pouco dos desafios que elas enfrentam no dia a dia, até os dias de hoje. 

O espaço da mulher preta permanece historicamente associado a servidão doméstica, o que permite que boa parte das pessoas não se choquem ou nem percebam a carga preconceituosa que isso representa. A naturalização da mulher preta como empregada doméstica é tamanha que facilmente encontramos aqueles que até se revoltam quando questionamos e apontamos o quão problemático isso é.

Cabe relembrar um episódio recente da história política maranhense, quando da indicação da deputada Abigail Cunha para a Secretaria Estadual da Mulher. Criticada por mais uma vez uma mulher branca elitista assumir o cargo, a deputada buscou se justificar postando em suas redes sociais uma foto ao lado de suas empregadas domésticas (mulheres pretas) com a seguinte legenda “Para quem anda dizendo que eu não gosto de mulheres negras. Puro preconceito as donas da minha casa são negras e são mulheres de batalha e verdadeiras”.

Publicação de Abigail Cunha — Foto: Reprodução/Instagram

Inconscientemente, fruto do racismo estrutural em que foi criada, a secretária reforçou os lugares de poder capitalista, historicamente construídos, entre as mulheres: as brancas são as donas e as pretas as serviçais. 

Ela, calçada com seus belos saltos, contrasta cruelmente com as mulheres descalças. Apesar daquelas mulheres serem provavelmente assalariadas, é inevitável não associar a imagem ao período escravista, no qual os sapatos eram negados aos escravos.

Há quem diga que posso estar exagerando, afinal a escravidão já foi abolida desde 1888. No entanto, uma rápida pesquisa na internet revela diversos casos de pessoas resgatadas de trabalhos análogos à escravidão e estes não se limitam aos trabalhos rurais. Peço que relembrem os casos que a mídia nacionalmente divulgou de libertações de mulheres que viviam em condições análogas à escravidão em espaços domésticos de pessoas de alto poder aquisitivo. 

São médicos, professores universitários e até desembargadores, cujas mulheres “empregadas” foram capturadas, ainda na infância, e passaram por todo tipo de tratamento, obrigadas a lidar com tarefas domésticas sem receber nenhum tipo de benefício financeiro, assistência à saúde ou apoio emocional. Trata-se de casos com o de Madalena Gordiano, que viveu 38 anos em cativeiro com a rica família Milagres Rigueira, em Minas Gerais, ou da idosa de 84 anos resgatada após 72 anos de escravidão doméstica na família Mattos Maia, no Rio de Janeiro, ou ainda o caso de Madalena Santiago da Silva, resgatada em 2021, na Bahia, após ser escravizada por Sônia Seixas Leal por 54 anos.

O que todos os casos tinham em comum? Eram mulheres Pretas!

Quando foi resgatada, Madalena Silva estava tão traumatizada e vulnerável que tinha medo de tocar nas mãos da repórter que a entrevistava, simplesmente por serem de uma branca. O cativeiro a torturou física e mentalmente, levando-a a acreditar que era inferior aos brancos.

Mais recentemente, em 6 de junho de 2023, a Polícia Federal resgatou, na residência da família do desembargador Jorge Luiz Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Sônia Maria de Jesus, 50 anos, levada aos nove anos de Osasco, na Grande São Paulo, para o Sul do país. Sônia, que é surda devido a uma infecção, provavelmente não cuidada adequadamente no ouvido quando era criança, não teve a oportunidade de estudar, aprender Libras ou até mesmo ter o seu próprio CPF.

A vida que conheceu foi a escravidão, vivendo em um quartinho com mofo e infiltrações, distante dos cômodos principais da casa, sendo castigada com puxões de cabelo e beliscões por sua “patroa” Ana Borba, sempre que cometia erros nas tarefas domésticas. Sônia foi levada a um centro especializado em acolher mulheres vítimas de violência doméstica e intrafamiliar, mas o desembargador Borba entrou com uma ação para solicitar uma visita e, posteriormente, o retorno da vítima à sua residência. 

Mesmo com todos os argumentos do Ministério Público, contrários à aproximação da família perpetradora com a vítima, o pedido do desembargador foi concedido após as decisões dos ministros Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça, e André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal.

A decisão, que promove a revitimização de Sônia e atenta contra todo o sistema de proteção às vítimas de condições análogas à escravidão e norma que protege mulheres vítimas de violência doméstica, parece não ter qualquer impacto significativo para os juízes, tanto homens quanto brancos, que tomaram essa decisão. 

A atitude desses homens brancos demonstra a falta de sensibilidade (e justiça) com a vítima: uma mulher preta, que, assim como tantas outras mulheres negras que sofrem com a falta de representação nas esferas de poder, amargam as injustiças daqueles incapazes de imaginar a dor que elas sentem.

Quanto tempo mais demorará para a mudança acontecer? 

O judiciário brasileiro não tem paridade de gênero nem de raça, sendo predominantemente masculino e branco. Tomemos, por exemplo, o nosso próprio Supremo Tribunal de Justiça, que, em sua composição atual, com 11 membros, possui apenas duas ministras, sendo estas brancas.

Ora, a sociedade brasileira é essencialmente diversificada e em sua própria Constituição estabelece como valores supremos da nação uma sociedade pluralista, justa e sem preconceitos. Sendo assim, é relevante questionar por qual motivo a suprema corte brasileira nunca representou ou assegurou essa diversidade entre seus membros?

No decorrer de sua trajetória, o Supremo Tribunal Federal teve apenas três juristas mulheres: Ellen Gracie, Carmen Lúcia e Rosa Weber. Nenhuma delas é negra. Esse cenário só reflete o histórico machista, patriarcalista e racista da sociedade brasileira. A falta de representatividade prejudica a democracia, uma vez que confirma que grande parte da população brasileira é marginalizada e não se reconhece nas próprias instituições de acesso à justiça do país. Como, por exemplo, a sistemática exclusão das mulheres negras na gestão dos poderes.

Em maio de 2023, com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, o presidente Lula perdeu a oportunidade de sanar essa chaga discriminatória da sociedade brasileira, ao indicar mais um homem branco ao cargo. Agora, em outubro, com a saída de Rosa Weber, novamente tem-se a chance de reparar esse problema histórico. 

Em 8 de março de 2023, um documento intitulado “Manifesto por juristas negras no Supremo Tribunal Federal”, assinado por mais de 100 organizações, como Abayomi Juristas Negras, Geledés, Instituto Marielle Franco, Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Maranhão (SINDOMESTICO/MA), entre outras, foi enviado ao presidente Lula. O documento é uma cobrança para o que a sociedade precisa. Não faltam juristas negras capazes de ocupar o cargo com maestria, o que as difere de outros possíveis candidatos brancos é apenas a falta de oportunidades.

Portanto, precisamos pressionar! Se desejamos uma sociedade verdadeiramente democrática, é crucial que as instituições de poder reflitam a diversidade para assegurar que todas as vozes e perspectivas sejam ouvidas. 

A presença de uma ministra negra progressista, no Supremo Tribunal Federal, permite uma mensagem clara de que o sistema jurídico estará comprometido em combater o racismo e suas manifestações em todas as esferas da sociedade. Além de inspirar jovens afro-brasileiras a seguirem carreiras jurídicas e políticas. Isso contribui para o empoderamento das minorias e incentiva a participação ativa na construção de um Brasil mais justo e equitativo.

A relevância de ter uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal do Brasil não se limita apenas à representatividade, mas também se estende ao fortalecimento do sistema judiciário, à promoção da igualdade racial e a luta contra o racismo estrutural.

Essa presença é crucial para assegurar que a mais alta instância judiciária do país seja efetivamente inclusiva, permitindo que casos como os de Madalenas, Sônia e diversos outros, que dizem respeito à discriminação racial e à diversidade étnica do Brasil, sejam tratados de forma mais aprofundada e sensível, que a complexidade desses temas requer, fortalecendo a interpretação e aplicação adequadas da lei em casos que envolvam direitos humanos, diversidade e igualdade.

Precisamos de uma ministra negra e progressista no STF e precisamos urgentemente!

Por Nila Michele Bastos Santos, doutoranda em História na Universidade Estadual do Maranhão. Mestra em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. Mestra em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. Historiadora. Psicopedagoga. Especialista em Formação de Professores. Professora do Instituto Federal do Maranhão IFMA – Campus Pedreiras. Coordenadora do LEGIP – Laboratório de estudos em Gênero do Campus Pedreiras.


Referencias:

Reprodução – O Globo. 05/03/2023.

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