A liberdade é apenas parte de um processo muito maior que a arte dele projeta. Colecionando diferentes elementos e texturas por meio da colagem, o designer pedreirense Ruan Rocha, 24 anos, expressa livremente sua criatividade através da estética de suas obras, parte delas, inspiradas em elementos simbólicos de Pedreiras, Maranhão, como João do Vale. Sem escolher um sentido ou um tema, os recortes são ressignificados pelos apreciadores e pelo artista, que defende que a arte não deve se limitar a um pequeno grupo, mas ocupar cada vez mais espaços na sociedade e na mídia.
Estreando, nesta quinta-feira (03), o espaço “Nossa arte”, Ruan traz recortes de sua maior inspiração nos últimos tempos, João do Vale, o maranhense do século XX. Ele explica que nesta obra não há crítica ou homenagem, apenas desconstrução mergulhada em uma estética que instiga, principalmente por meio do olhar apagado, sua assinatura e “drama eterno”. Nesta entrevista especial, ele fala de seu processo criativo, inquietações acerca da arte local e inspirações. Ao final, o designer expõe a grandeza dos artistas de nossa terra e os instiga a mostrarem a sua arte, sem medo. Na íntegra:
O Pedreirense: Em que momento da sua vida você decidiu colecionar arte por meio de recortes?
Ruan Rocha: Sempre usei computadores como minha principal ferramenta de criação, até que no início da pandemia me encontrei sem nenhum aparelho onde pudesse criar, foi quando a necessidade de continuar produzindo se tornou insuportável e sem as ferramentas digitais disponíveis minha única saída foram os trabalhos manuais, assim encontrei nos livros e revistas o meio ideal pra continuar criando, ressignificando, desconstruindo e reorganizando os elementos afim de algo novo. Hoje já tenho acesso novamente a um equipamento, mantenho a prática seguindo o mesmo processo tanto no físico como no digital.
OP: Como é o seu processo criativo: que recortes você busca destacar? Em quais momentos a inspiração te consome?
RR: Meu processo é a liberdade. Não há um objetivo definido, a não ser a estética. Não escolho um sentido ou um tema. Antes de colar tudo, separo as imagens que mais chamam minha atenção. Elas não precisam necessariamente conversar entre si. Essa relação é construída naturalmente. Minha função é organizar o peso de cada figura na tela. Minha criatividade só flui onde não há pressão, desta forma a arte brota naturalmente, de tal maneira que geralmente, até eu me espanto com o resultado. É uma pitada de senso estético e muita fé no acaso. Sempre funciona.
OP: Quem são suas referências?
RR: Minhas referências são inomináveis, mas minha inspiração primordial foram os quadros pintados pelo meu pai, depois encontrei no João a força necessária pra continuar.
OP: Mergulhar em diversas expressões artísticas é fascinante, muitas vezes, chocante. Você tem referências locais? Como sua arte é recebida pelos pedreirenses?
RR: Prezo para que João do Vale seja a inspiração maior para os pedreirenses, por que o maior legado dele não são as músicas exatamente, mas provar que não importa de onde você seja, a arte pode alcançar projeção e respeito nacional. Em Pedreiras sou conhecido por poucos, mas tenho trabalhado pra que isso mude e principalmente minha arte se torne inspiração, para que nossos inúmeros artistas incríveis tomem coragem de se expor.
OP: A arte é uma forma subjetiva de expressar a sua visão de mundo. De que forma a sua visão de mundo aparece em suas obras?
RR: O legado que eu gostaria de deixar na minha cidade é que nós pedreirenses somos NATURALMENTE incríveis, e para expressar nossa genialidade não precisamos de artes complexas ou enlatadas. Quando a gente cria algo de forma livre e confortável a beleza brota inevitavelmente. Então minhas peças são criações simples, reforçando a ideia de que não precisa enfeitar, bastar ser real. Quando a gente faz com sinceridade alguém sempre se identifica. Alguns chamam isso de magia – de fato é.
OP: A sua corrente artística é voltada ao mainstrem, embora a arte Underground tenha sido popularizada pela grande maioria da classe artística. Que inquietações você traz acerca desses dois termos?
RR: O artista nunca deveria se referir a própria arte como “underground”. Passa a impressão de que pertence somente a um pequeno grupo à margem que não tem espaço na mídia. Mainstream é só um antagonismo ao underground. Nós merecemos aparecer e isso depende principalmente da postura do artista, de se assumir como tal e “botar a cara”. Como disse Sérgio Sampaio: “Lugar de poesia é na calçada”.
OP: Para finalizar, conte um pouco sobre essa produção, a primeira, de muitas, que será exposta em nosso jornal?
RR: Os pedreirenses, felizmente, se excitam com a valorização dos nossos símbolos, eu também, então usei João do Vale somente como um símbolo de fácil identificação. Não há nenhuma crítica ou homenagem, é só a desconstrução de um ícone consagrado em prol da estética. Mas há um ponto hermético e minha identidade; os olhos apagados. Uso em todas as minhas criações como uma referência a um aspecto pessoal, meu eterno drama acerca dos olhos. Estou preparando uma arte pra tratar desse aspecto.
No geral minha mensagem para os pedreirenses é: nós somos abençoados, nossa terra é um berço de artistas. Em todos os lugares que andei eu ouvi que nós somos diferentes e cada vez mais acredito nisso. Então não tenham medo de se expressar. O mundo precisa de criadores e nós somos essas pessoas. A arte feita de coração sempre alcança o alvo. Oportunidades não vão aparecer do nada, busque-as, assumam sua personalidades sem medo de julgamentos, o universo gosta de quem se move, agrade-o, mova-se.
E obrigado ao O Pedreirense pelo o espaço, vocês incentivam e provocam minha arte. É reconfortante saber que temos uma mídia com tamanha sensibilidade e profissionalismo. Uma nova era tá surgindo e vocês são parte desse processo. Gratidão! Gratidão! Gratidão!
OP: Obrigada Ruan, sua arte é “nossa arte!”.