REPORTAGEM ESPECIAL
Pés de cajá espreitam nossa ida. A estrada é, em maior parte, coberta por asfalto. A paisagem, aos poucos, vai se “amostrando”, como nos dizeres dos mais velhos. Os pés de babaçu predominam e nos acompanham até Aroeira, comunidade campesina pertencente à Lima Campos, Maranhão. Ela integra o Projeto de Assentamento Santa Maria dos Fernandes (PA).
Já em meio à mata, somos guiados por seu Antônio Honorato Rocha de Sousa Bastos (58), Francisco Lisboa de Oliveira (60), agricultores, e por dois pequenos. Minutos depois teria ciência de que se chamam Rafael Oliveira da Silva (11 anos) e Mateus Borgeia de Oliveira (10). No encalço deles Lassie, cachorra que não nos estranha, mas não é chegada a afagos de desconhecidos.
No território que compreende a comunidade moram em torno de 55 famílias, destas, 34 estão cadastradas e assentadas pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
“As famílias vivem da agricultura familiar, agropecuária, pesca para consumo e extrativismo do coco babaçu. Integram a renda das famílias os benefícios sociais, como aposentadoria e Bolsa Família”
João Fernandes Sousa, que está presidente da associação de moradores de Aroeira.
Sob o alpendre de sua casa, um lugar sensivelmente acolhedor, partilha recortes históricos da comunidade, cujo nome Aroeira não foi escolhido por acaso. Se deu em razão da presença de uma árvore que assim se chama. Segundo ele, Aroeira é parte de um assentamento que já foi uma propriedade (4.335 hectares), sendo desapropriada, pelo Governo Federal, em 1989, tendo a posse emitida, pelo INCRA, em 1994. Desde então, cinco comunidades integram o assentamento: Santa Maria (o maior povoado), Aroeira, Salvador, Morada Nova e Centrinho). Ao todo 178 famílias estão assentadas.
Nossa caminhada nos levou ao rio Insono, que corta, além de Aroeira, outras três comunidades: Morada Nova, Lago do Salvador e Santa Maria. As chuvas recentes animam a paisagem verde, encharcam-nos os pés e aumenta a distância entre uma margem e outra. A importância do riacho para os campesinos não poderia ser melhor descrita. “É o pai da pobreza”, afirma seu Antônio Honorato.
Em suas margens cheiro de morte. A comunidade ainda tenta assimilar o que aconteceu.
“A situação é cruel. Do tempo em que a gente mora aqui ainda não tinha visto a barbaridade que fizeram. O tanto de peixe que mataram, ajuntou até urubu na beira do Insono”, relata Francisco Lisboa.
As cenas que ele descreve se espalharam pelas redes sociais e chegaram até as autoridades ambientais de Lima Campos. Os sinais de anormalidade já teriam sido notados no sábado (28/05), ao observarem um fenômeno que no saber da comunidade é chamado de “peixe bebendo”.
“Quando cheguei na reza estavam comentando. Perguntei e me falaram. Como estava de noite não pude ir lá. A baixinha, mãe dessa menina ali, disse: ‘Madrinha, vamos lá amanhã de manhã’”. A dimensão do dano ambiental ficaria claro, para dona Francisca Justina Alves e sua comunidade, com o sol do dia seguinte. Muitos peixes mortos à margem do velho Insono, fato jamais presenciado em Aroeira, segundo versam os moradores.
“O mais afetado foi o mandi. Peixe morto tinha demais. Andamos mais ou menos 1km”, explica seu Antônio Honorato.
Dona Francisca Justina percorreu parte do rastro de morte, acompanhada por outra mulher que filmava a triste cena. “Cada piauzão, traíra e piranha. Jogavam fora e ela filmava”. Francisca relata a dificuldade na pesca com anzol deste então. Ela chegou a comprar “dois cambos” de peixes ainda vivos e agradece por não ter sentido nada após ingeri-los. Suas idas ao Insono cessaram.
O que ocorreu? O que ocasionou a morte de tantos peixes? Ainda não se sabe.
“Começamos a receber mensagens e fotos dos moradores do povoado Aroeira, nos relatando mortes de peixes sem aparente motivo. Houve uma preocupação geral. Ainda no domingo iniciamos as articulações junto à Vigilância Sanitária, para saber quem poderia estar indo fazer a análise da água, que é o primeiro passo. Fizemos isso no dia seguinte com Igor, que é o químico da Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS) e a equipe de meio ambiente, fazendo a coleta da água em vários pontos. No momento, aguardamos o resultado para sabermos o que ocasionou a morte dos peixes”
Jael Darc Alves Meneses, secretária de Meio Ambiente de Lima Campos.
“Nós só vamos comer desse peixe quando saber do resultado. A pessoa pode comer e se prejudicar” alerta seu Antônio Honorato. A decisão é compartilhada por outros moradores da comunidade. A principal suspeita deles é de que tenha sido veneno. Em diálogo com nossa equipe seu Antônio citou a possibilidade de que os peixes tenham sido envenenados para a venda.
Os moradores foram unanimes em afirmar que o povoado é constantemente visitado por gente da redondeza, vindos, em especial, de Pedreiras e Lima Campos. Segundo eles, o que os atrai é a pesca e a caça, não pela subsistência, e no caso da pesca em larga escala. Uma moradora, que preferiu não se identificar, disse que pescadores de longe chegam a passar três dias nas beiradas do Insono, por vezes trazidos por moradores, pontua outra fonte ouvida. A busca, em especial, é pelo mandi, que seria vendido nos mercados da redondeza.
“Vai haver um controle. A gente não vai mais ficar como era. A gente não pode proibir total, mas tem que ter um controle”, ratifica seu Antônio Honorato, expondo, em seu semblante, preocupação.
“Os de fora vem, com um horror de engancho, e os daqui não podem porque não há vaga. Voltam com os enganchos pra casa. Os de fora tomaram de conta de tudo”, descreve dona Francisca, que fala com entusiasmo sobre seu gosto pela pescaria.
Jael Darc explica que Secretária de Meio Ambiente de Lima Campos tem ciencia da situação. Indagada pelo jornal O Pedreirense sobre soluções, ela destaca que a pasta dialoga com o setor jurídico sobre caminhos viáveis para solucionar o conflito.
“Quando os recebi, na segunda-feira, esse foi um dos pontos abordados. A gente não tem ainda uma proibição em si. Temos a Piracema, período em que a pesca é proibida, mas eles pontuaram que lá não há este controle e buscaram saber sobre o que podemos fazer a este respeito. Acionamos o jurídico para sanar todas as nossas dúvidas e ver até aonde podemos ir. A primeira ação será sentar: jurídico, comunidade e a SEMA”, esclarece Jael Darc.
Os moradores também atribuem aos de fora os lixos deixados durante a estada às margens do rio. Até tênis podem ser encontrado. A ideia de que o espaço é de todos não viria acompanhada de cuidado. Na calmaria do Insono aflora um conflito que passa pela pesca em grande quantidade pelo latifúndio, que cerca a comunidade. Até ameaça com tiro já teria ocorrido, nos relata um morador. Grandes extensões de terra desmatada se contrastam com a área do assentamento, de mata fechada e densa.
É por ela que Rafael, Mateus e a cachorra Lassie me guiam. Além do Insono, o território é percorrido temporariamente por córregos de água transparente e fria. Parte da comunidade entende o valor de ter a mata em pé. Sem ela não haveria o cheiro de babaçu, ao ser torrado na panela pela lavradora Maria Marlene do Nascimento Ernesto. Menos ainda haveria a laranja tão farta de água, a ponto de nos cansar. Ao chão, sua casca vai virar chá depois de secada ao sol.
Para os pequenos, a jornada do dia não vai terminar em banho, ainda que aparentemente tudo esteja como sempre. “Não vou banhar, porque havia veneno na água, muito peixe morrendo, por isso não vou soltar um mergulho”, explica Rafael, flertando com o rio a quem chama de mãe.
“Tem gente que não tem muito dinheiro pra comprar carne. Aí a gente vai, pega um peixinho no Insono, frita ou cozinha. Agora tá mei fei”, se queixa Mateus, com o braço sobre cacunda de seu parceiro de diversão.
No que depender deste povo, de velhos, jovens e crianças, a luta pela integridade do território continuará. “Na justiça”, explica Rafael, quando indagado sobre a situação que também o afeta. A solução, no ponto de vista dele, está na ponta da língua: “ Quem coisar [degradar] vai pegar uma multa. O que se faz aqui na Terra tem que pagar”.
Resultado do Boletim de Analises Físico-químicas aponta processo natural de eutrofização
Foi divulgado, nesta terça-feira (14), o resultado do Boletim de Analises Físico-químicas, sob encomenda da Prefeitura Municipal de Lima Campos, Maranhão, a fim de apurar o que teria ocasionado a morte de peixes no rio Insono. Coube ao químico Pedro Igor coletar amostras de água, em pontos do rio, que posteriormente foram encaminhadas ao Laboratório Gaia Ambiental. No resultado consta a seguinte observação: “ Os dados de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), de ambos os pontos, estão acima dos valores máximos para água doce classe 2 (Art. 15)”.
“O que esses resultados nos mostram? Esse número elevado quer dizer que a quantidade de oxigênio, ali naquele local, foi consumida rapidamente. No nosso caso, a gente foi eliminando as hipóteses. A hipótese de crime biológico e ambiental, por conta de agrotóxico foi descartada, porque o volume que poderia ser usado neste rio, para atingir todos estes peixes, teria que ser um volume muito grande, dezenas de litros de veneno teriam que ter sido jogados ali. Se fosse agrotóxico o peixe não morreria na hora. Ele iria biocumular (acúmulo de substâncias químicas), no seu organismo, esta substância”.
Pedro Igor, em entrevista ao blogueiro Marcos Lima.
Segundo ele, também está descartada a hipótese do lixo doméstico ou esgoto como causa, levando em consideração a existência de poucas residências na proximidades do Insono.
“A única hipótese que restou foi a de processo natural, que aconteceu, de eutrofização. Inclusive, vários especialistas deste ramo indicaram que isso foi o que teria acontecido no povoado Aroeira”, ressaltou Pedro Igor, descartando a possibilidade de que tenha havido crime e tranquilizando a comunidade no tocante ao consumo dos peixes.