OPINIÃO
“Nenhuma gota”, disse mãe logo cedo, ao espiar o interior do único tonel com um restinho de água. No mesmo quintal, duas caixas d’água vazias. Desde que cheguei de Brasília encontrei a casa desabastecida, o que já não me gera surpresa alguma. A explicação a gente já guarda na mente: vazamento, bomba quebrada, ou os dois.
Perdi as contas de quantas vezes isso foi assunto aqui no jornal, uma pauta que também me atravessa, como bom morador de um dos muitos morros que formam a paisagem desta cidade.
Quem pode resolver não tem pressa, outros dizem que não há dinheiro. Nessa escassez, a fartura é de promessas – coisas que são ditas nas enfadonhas reuniões de sempre, no teatro das instituições que desejam nos levar a crer que está tudo funcionando. Não está e isso é latente na expressão de minha mãe: “Nenhuma gota”.
Dizer que os mais afetados são os mais pobres também já não é novidade. Carlos Brandão sabe disso. Aliás, em uma de suas passagens por Pedreiras, Maranhão, durante campanha eleitoral, foi recepcionado pelo emblemático buraco aos pés do Alto São José. A falta d’água é uma pedra literal, no caminho dos vivos e dos mortos. Nada mais irônico.
Os responsáveis estão distantes de nossos baldes vazios, de nossa pele sedenta, de nossas roupas que se acumulam. Até os felinos não escondem a tristeza desses dias que na verdade são décadas de descaso. E o que a gente faz quando o governador aparece? Vai ao encontro dele, em algum lugar distante de nossas dores e lutas, fortalecidas pelo descaso, da qual ele é parte. Vamos ao encontro de quem deveria vir até nós, minimamente.
Nessa terra em que tantos falam por Brandão – ou pensam que falam, ou falavam quando era conveniente– não há quem o convide a subir um morro, para pelo menos olhar a agonias de nossas mães de família. Não basta a lida durante o dia, perdem noites de sono mendigando, próximo à torneira, o que lhes é de direito. Brandão não conhece a Pedreiras profunda. Não creio que terá compaixão daquilo que de forma concreta desconhece.
A população, em tese, faz sua parte e a imprensa local também. Me parece evidente que nada disso surtirá o efeito desejado – consistindo em uma resolução efetiva que garanta regularidade no abastecimento por longo tempo. Há uma revolta no meio do povo, dos com sede, ainda timidamente externada, não organizada e que se fosse, poderia gerar maior constrangimento a quem de fato cabe resolver tão indignamente situação. CAEMA e Governo do Estado do Maranhão precisam ser responsabilizados. Essa revolta precisa parar de ser verbo, um punhado de textos nas redes sociais. Precisa ganhar as ruas, ocupar espaços. Quem sofre com a falta d’água precisa gritar. Não nos deixam outra saída.
Na conta da atual prefeita de Pedreiras está a promessa de resolução fácil, num passe de mágica. Sabe aquelas coisas que a gente escuta para não ser indelicado, mas sabe que é só balela? Era conveniente, no contexto da campanha de 2020, dizer ao público o que seria feito sem dimensionar o problema e os outros atores sociais envolvidos nele. Problema da falta d’água, em Pedreiras, não se resolve do dia para a noite. A questão é que o horizonte não aponta grandes avanços em favor do povo, nem a curto, médio ou longo prazo.
Como ter esperança de um ano melhor, quando ele já começa com comunidades inteiras atravessadas pela carência daquilo que é mais básico à sobrevivência? O desafio de nossa gente é encontrar outras formas de se fazer ouvir. As usadas, como disse, não surtem efeito. O tamanho do gemido precisa ser mais alto que o barulho do mar que avizinha o Palácio dos Leões.