REPORTAGEM ESPECIAL
Madrugada de sexta-feira (05/08). Um grupo parte de Pedreiras e atravessa a ponte Francisco Sá em busca de diversão na cidade vizinha, Trizidela do Vale, interior do Maranhão. O local encontrado pelo casal Jorge Francisco Brito da Silva (26) e Venâncio Bonfim (25), mais dois casais de amigos, foi o Pub 251. O local, que se autodescreve como “O Melhor Happy Hour da Cidade”, é, pelo menos para os dois, um lugar para “nunca mais”.
Jorge e Venâncio abriram as portas do lar que dividem, recebendo os jornalistas do O Pedreirense. Descrevem detalhes do que, segundo eles, teria acontecido na madrugada anterior. Ao logo do dia, a denúncia feita por eles e tornada pública nas redes sociais ganhou certa repercussão.
“Entramos no ambiente, bebemos uma cerveja. Senti vontade de ir ao banheiro [localizado fora do pub] e Venâncio me acompanhou. No regresso, o proprietário do ambiente nos chamou, em um tom muito ríspido, arrogante e prepotente, a uns oito passos de distância da porta principal e nos falou o seguinte: ‘Olha, vocês estão chateando alguém e não gosto de gays, mas tudo bem, vocês podem ficar aqui, a casa é de vocês. Desculpa qualquer coisa.'”
Relata Jorge, sobre o que teria sido dito, a ele e seu companheiro, por Lorran Vasconcelos, que tem se manifestado sobre o caso em nome do Pub 251.
A permanência do casal no espaço, diante do contexto relatado, se tornaria insustentável. Partiram e aqueles que os acompanhavam, em solidariedade, também deixaram o lugar.
Jorge Francisco é seguro ao afirmar de onde teria partido a discriminação. É categórico ao dizer que da boca de Lorran Vasconcelos, saíra a afirmação “não gosto de gays”.
A história do casal se aproxima de um ano e dois meses. As primeiras prosas se deram via bate-papo do Facebook e o face a face em um jantar, no dia 28 de maio de 2021, na popular Praça do Jardim. Desde então dividem rolês, vivências e perrengues.
“Na maior parte do tempo tem sido normal. Venâncio é bastante maduro para isso. Tanto que é o que é, tem o que tem. Eu da mesma maneira”, destaca o agente administrativo Jorge, sobre o cotidiano que levam.
“Severidade”, é a palavra que usa para descrever o comportamento que adotam diante de outros, que não os percebem como normais em razão da quebra de um padrão de união fora da heteronormatividade. Para eles não há gracinha quando o assunto é preconceito.
No Brasil, somos regidos pela Constituição Federal de 1988. Consta nela o seguinte reconhecimento, no capitulo III, Art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Ratificar isso é importante em um país onde há cerca de 60 mil casais homoafetivos compartilhando vida, casa e madrugadas. Deste recorte, 47,4% são formados por católicos e 53% mulheres, apontam dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), correspondentes ao Censo 2010.
Segundo pesquisa, 99,6% das uniões homoafetivas não é formalizada (com registro civil ou religioso). O Sudeste lidera no número de uniões homoafetivas, com 52%, seguida pelo Nordeste (20%).
Em 2021 houve mais de 2,1 mil uniões nesta configuração, segundo levantamento feito pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB). Um acréscimo de 2% em relação ao ano que o antecede.
Tão real quanto esses números é a homofobia e transfobia, cuja criminalização só veio em 2019, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, a prática, indução ou incitação à discriminação ou preconceito, em virtude da condição sexual, passou a ser crime. Apesar disso, em 2021, houve acrescimento de 8% no número de pessoas mortas pela violência LGBTfóbica no Brasil, ou seja, 300 pessoas foram mortas em razão de sua homoafetividade.
Lorran Vasconcelos, proprietário do Pub 251, nega que de sua parte tenha havido homofobia. “Eu seria incapaz de destratar qualquer pessoa em qualquer lugar, imagina em um dos meus estabelecimentos comerciais”, diz ele, em diálogo com o jornal O Pedreirense, via Instagram, na manhã de sábado (06). Em sua reposta também enviou uma fotografia, ao qual aparece acompanhando de alguém que lhe seria um amigo com condição sexual semelhante à daqueles que o denunciam.
“Minha resposta fica nessa foto. Meu padrinho de casamento é gay e negro”. Segundo Lorran, há divergência entre o relato de Jorge e Venâncio. “Minha versão é uma só. Tenho pessoas a depor a meu favor, que estavam bem próximas ao acontecido. Tenho imagens das câmeras, que mostram que não tratei eles como marginais, como eles disseram que eu os expulsei”, acrescenta.
O casal não pretende esperar e o caso pode parar na justiça. A impunidade, para eles, é inaceitável. “Ali nunca mais”, exclama Jorge, que vê na busca de direitos, caminho para que situações semelhantes não ocorram.