MEIO AMBIENTE
Não precisa ser Geógrafo, Climatologista, Meteorologista ou qualquer outro profissional de áreas afins, para entender que o verão brasileiro, nossa estação chuvosa, que se estende de dezembro (início do verão) e entra pelo outono (principalmente março e abril), historicamente é acompanhado de eventos catastróficos provocados pelas chuvas ou pelos rios. Neste caso, cabem aqui perguntas. A culpa é da chuva ou do rio? Ou dos dois? Os nossos rios são alimentados pelas chuvas, ou seja, tem regime pluvial. Então quanto mais chuvas, maiores serão os níveis dos rios. Posso até afirmar, sem medo de errar, que no verão do próximo ano, os jornais estamparão manchetes com deslizamentos na região sudeste, enchentes com desabrigados na região Nordeste e por ai vai, tudo em decorrência das chuvas ou das enchentes.
“As chuvas são sempre bem vidas”, diria um sertanejo, acostumado ao flagelo dos longos períodos de estiagem no interior da região Nordeste. Mas essa chuva assusta moradores de milhares de cidades brasileiras que vivem nas encostas de morros da região Sudeste ou mesmo nas áreas ribeirinhas nordestinas. Na Amazônia, o mesmo ocorre com as pessoas que moram sobre os rios em construções precárias de madeira, formando verdadeiras favelas sobre estacas (palafitas). Por que isso ocorre? O que há de comum entre essas pessoas? Como já mencionado, no Brasil as chuvas se concentram no verão. Em comum, esses milhões de brasileiros carregam um fardo pesado: a pobreza que cumulada com diversos problemas (moradias vulneráveis e ausência da infraestrutura necessária, entre outros) os tornam visíveis nesse período.
As citadas chuvas de verão fazem aumentar o nível dos nossos reservatórios. Estes são usados para diversas finalidades, como abastecimento de água para consumo humano, irrigação de culturas agrícolas, geração de energia hidrelétrica e até o controle de enchentes. A maior parte da eletricidade gerada no Brasil vem de usinas hidrelétricas, que dependem de reservatórios para manter um fluxo constante de água para as turbinas funcionarem.
Então para quê demonizar as chuvas? Neste caso, vilão mesmo são os rios. Certo? Errado quem pensa assim. E as enchentes por eles provocadas?
Não, os rios não são culpados pelas enchentes. Na verdade, as enchentes são causadas principalmente por eventos atmosféricos extremos, como dias de chuvas intensas, que fazem com que o nível dos rios aumente e transborde suas margens. Ao transbordar, o rio apenas procura o seu curso natural. Procura um espaço que sempre foi seu e que agora está desmatado e ocupado.
Conforme a ilustração a seguir, as enchentes são processos naturais que ocorrem regularmente nos períodos de maior volume de chuvas. A água ocupa a capacidade máxima do canal do rio, sem que extravase as margens. Quando a água transborda para as áreas das margens do rio, ocorre a inundação.É nesse evento que a água alcança a planície de inundação e causa complicações às populações próximas. Em função do clima tropical brasileiro, a ocorrência de precipitações volumosas é comum no período chuvoso, o que torna recorrente a situação.
Em defesa do rio, parafraseio o Jornalista Joaquim Cantanhede do Jornal ‘O Pedreirense’(2023):
“Vejo beleza na cheia, ainda que ela, ao avançar, não poupe as pálpebras de quem tão pouco tem. A cheia é ciclo inevitável. É um pedaço do mundo que persiste, apesar de tantos impactos sobre nossa casa comum. Os alagados são os oprimidos de um mundo, de ricos e pobres, que os marginaliza. Cheia não é castigo. Deus me livre pensar assim. A mata tá verdinha, os riachos fartos, as aves alegres e há gente agradecendo. Não vejo nisso maldade divina, pelo contrário. É a Terra que segue seu curso, como no primeiro dia”.
“Cheia não é castigo (…) Não vejo nisso maldade divina, pelo contrário (…)”. A sensibilidade do jornalista e a sua postura crítica diante do sofrimento dos seus conterrâneos penetra as entranhas da moral e da ética daqueles que tudo podem e nada fazem. Esse olhar independe de qualquer formação acadêmica. Esse olhar é humano e fraterno.
Sigamos então. Outros fatores que podem contribuir para as enchentes são a urbanização desordenada, a falta de planos urbanos eficazes de ocupação do solo, o desmatamento e o assoreamento dos rios, que diminuem a sua capacidade de absorver a água e aumentam o risco de inundações. No entanto, é importante lembrar que os rios são elementos naturais relevantes para o ecossistema e para a sobrevivência humana, e que a gestão adequada dos rios pode ajudar a prevenir ou minimizar os efeitos das enchentes.
As enchentes podem ter intensidade e duração diferentes, bem como impactos variados, dependendo das características da região afetada. Por isso, a gestão adequada dos rios e o mapeamento das áreas de risco podem ajudar a prevenir ou minimizar os efeitos das enchentes.
Diante do exposto, o que mais certo temos, é a agonia do rio. “É a Terra que segue seu curso, como no primeiro dia”, como diz o Jornalista Joaquim Cantanhede. Mas, e as implicações das enchentes que danos causam e até ceifam vidas, de quem é a responsabilidade? É possível evitar as enchentes, como as que assolam o Brasil neste início de ano? Evitar completamente as enchentes é impossível, já que se trata de um fenômeno natural. No entanto, existem medidas que podem ser adotadas para minimizar os impactos das enchentes e prevenir ou reduzir seus danos:
- Gestão adequada das bacias hidrográficas;
- Construção de sistemas de drenagem;
- Controle e planejamento do uso e ocupação do solo;
- Investimento em infraestrutura;
- Educação e conscientização da população.
Pode-se buscar também, conforme a situação, sobretudo para aquelas populações que moram em áreas de risco, a adoção de tecnologias de alerta que permitam avisar a população sobre o risco de enchentes e orientar as pessoas a tomarem medidas de segurança. Vê-se pelo exposto que a implementação das medidas de prevenção e combate às enchentes é uma responsabilidade compartilhada, coordenada e integrada entre a sociedade civil e o poder público em suas diferentes esferas.
São muitos os recentes casos no Brasil em que milhares de pessoas conviveram ou convivem com os eventos citados. Mas, em particular destaco aqui os deslizamentos e enchentes que já deixaram seis mortos e 33 municípios em situação de emergência no Maranhão, segundo o Corpo de Bombeiros Militar do estado (CBMMA). A Defesa Civil e Secretaria de Assistência Social de Pedreiras aponta que mais de 3.000 pessoas já foram atingidas pela enchente do Rio Mearim. As fortes chuvas que caem na região do Médio Mearim chegaram a inundar diversas ruas em Pedreiras e Trizidela do Vale, em uma enchente que já é considerada uma das maiores dos últimos anos.
Mas, o que chama a atenção é que as enchentes provocadas pelas cheias do rio Mearim não são recentes. A cidade de Pedreiras, por exemplo, que é banhada pelo Rio Mearim, de acordo com registros históricos, já enfrentou inundações significativas no passado. Em 2009, por exemplo, a cidade foi atingida por uma grande enchente, que afetou diversas áreas e provocou prejuízos materiais e desabrigados.
O trecho a seguir, conforme Ribeiro (1986) aponta uma das alternativas buscadas no sentido de amenizar o sofrimento das pessoas que sofrem a cada cheia, a construção da Barragem no rio Mearim.
A “Barragem do Mearim” citada acima é a mesma do Flores, pois teria sido, o já falecido, deputado federal Eurico Ribeiro o primeiro político maranhense a levantar o problema das enchentes e sugerido o barramento do rio Flores e o Mearim como solução. Através do projeto nº. 2976, publicado no Diário do Congresso Nacional em 20 de maio de 1961. Evidentemente, motivado pela catastrófica cheia de 1961, ressaltando ainda, que a enchente de 1933 marcou sua vida, pois seu pai residente na cidade de Pedreiras, “perdera quase tudo que possuía: uma usina de beneficiamento de arroz e algodão e uma loja de tecidos, ferragens e miudezas.” (RIBEIRO, 1986).[1]
As barragens possuem várias finalidades, entre elas a de controle de inundações. A barragem pode ser usada para reter a água de chuvas intensas, evitando que ela atinja as áreas abaixo da barragem e cause inundações.
Seguem relatos das históricas cheias do rio Mearim e do Projeto Flores:
Mas, durante uma década os estudos de levantamento ocorreram em ritmo muito lento, e, somente a partir da histórica cheia de 1974, a qual mais uma vez arrasou a cidade de Pedreiras é que o Governo Federal passou a ser pressionado para intensificar as ações que viessem de fato resolver o problema (GONÇALVES, 2007).
O problema em questão são as cheias, especialmente nas cidades do vale do Mearim – Pedreiras, Trizidela do Vale, São Luiz Gonzaga, Bacabal, Vitória do Mearim e Arari. Estas a cada período chuvoso mais rigoroso se deparavam com verdadeiras calamidades. A solução, conforme apontamos acima e defendida por políticos da época foi a construção de uma barragem no rio Flores, um dos principais afluentes do rio Mearim.
A Barragem do Rio Flores está localizada na cidade de Joselândia, a 276 km de São Luís, capital do estado do Maranhão, com capacidade para 1 bilhão e 400 milhões de metros cúbicos d’água. Sua construção foi iniciada em 1983 e concluída em 1987, com o objetivo de fazer o controle de enchentes da bacia do Mearim; a melhoria da navegabilidade; aproveitamento de água para agricultura irrigada; e aproveitamento energético[2]. Na época, a proposta também previa a construção de outras barragens ao longo do curso do rio Mearim e de seus principais afluentes – Grajaú, Corda e Flores[3]. A barragem, no entanto, vem convivendo, ao longo dos anos, com a falta de manutenção, maquinário sucateado e o risco de inundação, carecendo de novos investimentos.[4]
Portanto, diante da situação de calamidade em que se encontram milhares de maranhenses, notadamente na região do Médio Mearim, é preciso uma reflexão acerca da problemática. As enchentes trazem consigo uma série de impactos negativos para as comunidades afetadas. Além das perdas materiais, como casas e propriedades, as enchentes podem causar a perda de vidas humanas e animais, a contaminação de fontes de água potável, o surgimento de doenças e a interrupção de serviços básicos, como eletricidade e os fluxos de pessoas e mercadorias. Essas consequências podem ser ainda mais severas em regiões vulneráveis, como áreas de baixa renda e sem infraestrutura adequada.
Finalmente, é necessário investir em medidas preventivas que não devem ser paliativas, como a construção de sistemas de drenagem e contenção de cheias, bem como a educação da população sobre o risco de enchentes e a importância de medidas de precaução. Somente dessa forma será possível minimizar os impactos negativos das enchentes e proteger a vida e o bem-estar das pessoas que habitam essas regiões.
Por José Edson da Silva Barrinha, professor de Geografia do IFMA/Pedreiras
Fontes Consultadas
GONÇALVES, Jean Carlos. A história da Barragem do rio Flores – Esperança e desilusão para o município de TUNTUM-MA. 2007. (Texto adaptado).
http://www.sp.senac.br/blogs/revistainiciacao/wp-content/uploads/2015/12/110_IC_artigo-.pdf.
[1]Eurico Bartolomeu Ribeiro – Advogado e Deputado Federal pelo Estado do Maranhão. Natural de Pedreiras. Nascido em 01/08/1928 e falecido em 30/12/1996.
[2]Membros da Comissão de Obras e Serviços constatam falta de investimentos na Barragem do Rio Flores – Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão». www.al.ma.leg.br. Consultado em 11 de junho de 2018.
[3]Barroso, Carlos. «A BARRAGEM DO RIO FLORES». www.carlos-barroso.com. Consultado em 11 de junho de 2018.
[4]Castro, Raimundo de. «Barragem do Flores terá mesmo destino da Barragem de Algodões?». www.castrodigital.com.br. Consultado em 11 de junho de 2018