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quinta-feira, dezembro 12, 2024

Meu amigo vento

CRÔNICA


Fazia tempo que não o espiava. Modo de falar, já que ele se veste de tudo, se camufla. A gente sente, mas vê-lo que é bom, só na poeira do terreiro em tempo de estiagem, tarde das pipas. Da última vez era domingo cedo. Chegou estressado, balançou o varal jogando ao chão uma penca de roupas.

O nobre amigo não toma jeito. Tendo porta, janela, brecha, ele entra. Vai da cozinha a sala numa pressa que só perde para mulher a ponto de parto. Mexe em tudo, da colher pendurada ao pano do pote.

Por aqui não tem sido bem quisto. Há até B.O. na delegacia contra ele. As moças da comunidade o acusam de levantar suas saias. Quanto atrevimento. Como se não bastasse, nos dias de festejo, após léguas e léguas de tempo se emperiquitando, basta uma rajada para bagunçar os cabeços e desfazer o arranjo. Falta de conselho não foi, mas calado tava, calado ficou.

Forasteiro todo, demora vir por essas bandas. Na TV falam que o viram nas zeuropas. Até que a copa do pé de Jatobá anuncia sua chegada. Às vezes calmo, às vezes vendaval. Vê-lo zangado nunca quis. Derruba casa, mata centenas. Guento calando sem irritá-lo, lembrando minha morada de taipa. Deus me livre de contenda com o sujeito. Na dúvida, abro a porta, o permito zanzar pela casa feito dono. Mas esse cabra que mata gente é o que afugenta o calor nos dias secos. É o que faz vibrar as bandeirinhas de São João e ao mesmo tempo atiça o fogo que consome os troncos abrasados. Leva a goiaba bibicada pra lá e pra cá, dificultando o banquete das pipiras. Tanto quanto elas, é levado a travessuras.

Seu sobrenome não sei. Fi de quem? Menos ainda. Se sabemos um tiquim foi graças ao sermão de domingo, feito por padre Jacó. Disse que antes de tudo, antes do mundo ser o que é, ele já era. Andava por aí sem fazer morada, mas discordo. Talvez apenas sua tapera seja maior e ao contrário da minha, redonda. Eu é que não vou questionar-lhe o gosto.

Talvez numa dessas vindas, ele cumpra a profecia de dizer “lento o que virá”. Ou talvez já diga, de uma forma que eu não entenda. Talvez não seja apegado a um falar bonito, como essa gente da cidade. Talvez prefira um assobio entre as folhas.

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Joaquim Cantanhêde
Joaquim Cantanhêdehttp://www.opedreirense.com.br
Jornalista formado pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
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