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domingo, novembro 10, 2024

Marília Mendonça não é a Rainha da Sofrência, é a Rainha do “Supera!”

“Tá espalhando por aí que eu esfriei, que eu tô mal
Que eu tô sem sal, realmente eu tô
Sem saudade de você
Eu já fiz foi te esquecer”

Marília Mendonça se encantou em 05 de Novembro de 2021, tinha 26 anos, a idade do meu filho caçula, então posso sentir a dor de sua mãe, poderia ser minha filha, mas de alguma forma ressoa em mim suas letras e canções. Uma menina potente, admirável. Marília cantava a dor da mulher traída, do sofrimento de mulheres, e cantava SUPERA: “Para você isso é amor…, para de insistir, o que você está passando eu já passei, se ele não te quer – SUPERA”. Como compositora e cantora ela colocou no topo das mais ouvidas as mulheres no sertanejo/feminejo. As pessoas tem o direito de não gostar do gênero musical que ela cantava, mas nunca apagar sua história, enquanto uma menina/mulher que cantava a potência feminina. Nas suas canções, essas mulheres podem tudo. As mulheres passaram a cantar suas músicas que falavam das suas dores, na perspectiva de uma mulher. Sofrência? Eu digo que é superação, resistência, parar de ouvir homens que tratam nossos corpos como objeto para ouvir uma menina cantando: 

Ele tá fazendo de tapete o seu coração
Promete pra mim que dessa vez você vai falar não
De mulher pra mulher, supera
De mulher pra mulher, SUPERA
” 

Em uma entrevista ela dizia ter mais medo de ser traída do que da morte, seu primeiro grande sucesso foi INFIEL. A infidelidade, a traição é tema de muitas músicas, sempre com a ideia de que homens não podem ser de uma única mulher, está na “natureza” deles, ela descontrói esse discurso machista, tão presente na nossa sociedade e em muitas músicas, se posicionando contra esta violência. Marília responde com música: “Me desculpe, eu sou fiel”; “Meu cupido é gari só me traz lixo… será que eu mereço este tipo de amor?”; “Alô porteiro tô ligando para te avisar, que este homem que está aí, ele não pode mais subir, está proibido de entrar”. Sim, ela cantava a separação, mas, sobretudo, que esta mulher é quem colocava o fim na relação abusiva. A mulher como agente do seu processo de superação, colocando sempre sua autoestima em primeiro plano.

Iêê
INFIEL
Eu quero ver você morar num motel
Estou te expulsando do meu coração
Assuma as consequências dessa traição

Foi esta música (Infiel) e esta cantora que meu filho mais velho me apresentou em 2016: escuta esta MULHER! Na minha casa os meninos foram ensinados a respeitar às mulheres, e ele tinha ficado maravilhado não só com a potência da voz, mas com a letra que a menina de 21 anos cantava “Assuma as consequências dessa traição”, a frase soa como um mantra em um país machista, violento como o nosso, no qual homens traem mulheres o tempo todo e não satisfeitos repetem da sua “incapacidade de criar vínculos”, na verdade incapacidade de se tratarem e de melhorem, enquanto seres humanos, pois não enxergam essa atitude como sendo perversa e violenta. Muitos acham que só a violência física é violência, todo o resto é violência também, enganar, esconder, trair. Um mundo machista como o nosso, onde os homens brincam com o sentimento das mulheres, traem, assediam, Marília era um respiro dentro deste sertanejo “macho” que colocava a mulher sempre vitimizada. Marília dá uma virada e diz que a mulher pode tudo, e mandava o recado: “meu coração não é a casa da mãe Joana, respeita quem te ama, ou vaza ou me assume”; “É uma ciumeira atrás da outra… A verdade é que amante, não quer ser amante”.

Recentemente, o mesmo filho que me apresentou Marília Mendonça me envia a música de trabalho do novo disco com Maiara e Maraísa “Não sei o que lá” e brincou: quero ver você cantando este refrão! O refrão cantado rápido virou uma grande brincadeira entre nós, um áudio enviado pelo Whatsapp, que Marília dizia que era um podcast, áudio de dois minutos de homem que toda vez que bebe é assim, lembra que a mulher existe e envia áudio. 

“Eu não sei o que lá te ama
Não sei o que lá saudade
Não sei o que lá vem me buscar aqui
Acelerei o áudio e foi só isso que eu entendi
Toda vez que ele bebe é assim
Toda vez que ele bebe é assim”

Neste mesmo álbum a música PRESEPADA fala de um homem que tem uma busca incessante por mulheres, enquanto tem uma mulher ao seu lado que ele não valoriza, a letra é certeira, cobra a responsabilidade do homem e diz: agarra essa mulher e casa! Da mesma forma que em outra música de sucesso ela cantava: amante não quer ser amante.  

“Cadê sua responsabilidade?
No seu lugar eu teria vergonha
Por mim, ela teria te deixado
Fazer o quê se ela te ama?
Então aproveita que ela nem sonha quem você é

É hora de parar com a presepada
Respeita sua namorada
Agarra essa mulher e casa, agarra ela e casa


Vive numa busca incessante
Pra achar alguém interessante
Sem enxergar que ela é brilhante, que ela é rara

Em outra música as três cantoras Marília, Maiara e Maraísa dão um recado sobre a violência que as mulheres sofrem: “Tire suas mãos de mim” e “primeiro aprende a ser homem” se posicionando a respeito da violência contra mulher. As três cantoras gravaram um vídeo falando a respeito e cantaram

“Tire suas mãos de mim
Quando eu te conheci, você não era assim
Não te devo explicações de nada
Não tenho medo da sua ameaça

É que pra você é só ciúme
Mas isso é doença e você não assume
Seu amor é mal acostumado a gritar e proibir

Você não manda em mim
Eu sei aonde eu devo ir
Eu sei o que eu posso vestir
Se tudo o que eu faço te incomoda
Você sabe o caminho da porta

Em 2018, Marília se posiciona politicamente dizendo “ELE NÃO” a pedido da cantora Maria Gadu, foi atacada violentamente nas redes sociais, era uma guria de 23 anos, que não estava preparada para aquela violência. A música que muitos apoiadores do presidente Lula cantam “Ai que saudade do meu ex” é um dos grandes sucessos dela: 

Ele que era homem de verdade
Ai, que saudade do meu ex” 

Por mais compositoras e cantoras como Marília Mendonça, que fala diretamente com as mulheres deste Brasil tão marcado pela violência de gênero. No nosso país existem três Leis de proteção à mulher: Maria da Penha (Lei nº 11.304/2006), Feminicídio (Lei nº 13.104/15) e Violência Psicológica (Lei nº14.188/2021). Não podemos mais relativizar o machismo, a violência de gênero. Por meio de músicas de sofrência, que eu chamaria de músicas de resistência, que fazem mulheres e homens cantarem pelo Brasil a fora, de norte a sul, Marília trouxe sua contribuição, sem saber da dimensão, da potência dessas mensagens, mas para bom-a entendedor-a, uma música basta. 

Vai com Deus Marília! Vai na Paz! Uma mulher a menos na luta para derrubar o patriarcado, mas seguimos resistentes. Cada mulher a sua maneira, cada mulher do seu jeito, gostando ou não de sertanejo, com outras cores, saberes, religiões, pertencimentos. É necessário valorizar todas as formas de dizer #EleNão a qualquer homem que promova violência física, psicológica, patrimonial, sexual.

Por Francirosy Campos Barbosa, antropóloga, docente associada no Departamento de Psicologia/FFCLRP/USP.

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