A crise no sistema prisional brasileiro, alimentada pela defasagem nas estruturas, incorpora também o preconceito, a desconfiança e as dificuldades de reinserir o indivíduo na sociedade. A teoria da Lei de Execução Penal nº 7.210, é uma realidade distante no sistema carcerário convencional. A punição do aprisionado suprime os direitos humanos e foge do intuito de reeducar e integrá-lo na sociedade. No Povoado Barriguda do Insono, a nove quilômetros da zona urbana, município de Pedreiras, está localizada a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), que possibilita ao recuperando trabalhar diariamente, sob o cumprimento da pena, com atividades laborterápicas, um dos mais importantes métodos de ressocialização, além de trabalhos na portaria, limpeza e manutenção do prédio.
A APAC conta com 109 recuperandos, tendo capacidade para 140, cumprindo regime fechado e semiaberto. Cada segmento realiza o processo de adaptação de acordo com o regime do apaqueano. A sensação de aprisionamento e limitação no regime fechado vai sendo desconstruída com a psicoadaptação, um trabalho voltado para a ocupação da mente através de oficina terapêutica e artesanato. Quando o recuperando passa do regime fechado para o semiaberto, ele pode transitar pelas áreas abertas e realizar as atividades cumprindo à risca os horários e tarefas.
A confiança é um dos pilares da boa convivência e motivação para aqueles que, aos poucos se aproximam da liberdade. Recuperando há 2 anos, Ivan Barros da Silva, 39 anos, controla o acesso às áreas laboterápicas enquanto tece os pontos de seu crochê. A rotina diária, das 08h às 12h, período em que monitora a porta de acesso, possibilitou o aprimoramento de seu trabalho, que geralmente “leva de dois a três dias para fazer um tapete”, destacou o recuperando que, ao sair, pretende ensinar a arte de tecer crochê para outras pessoas.
Em regime semiaberto, recuperandos também realizam trabalhos externos para a comunidade, através de parcerias. No início do mês, uma equipe da APAC produziu gesso 3D e reformou o teto da Câmara Municipal de Vereadores de Pedreiras. De acordo com o Presidente da APAC, Yuri Cavalcante de Sousa, parcerias com órgãos públicos são comuns. “A Apac se propõe a ajudar a comunidade e também quer a participação da comunidade na ressocialização do preso”, ressaltou o presidente.
A sociedade ainda enfrenta dificuldades em ressocializar o apenado, isso porque, o precário sistema carcerário convencional não dá o suporte necessário para a sua reabilitação. Para Yuri, entender a importância de reinserir o indivíduo na sociedade é uma: “maturidade social muito grande. Uma vez que aquele preso, cometeu um crime e está cumprindo a punição. Mas um dia ele vai ter que retornar pra sociedade e como nós queremos recebê-lo?”, questionou o Presidente da APAC.
De acordo com dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) o Brasil possui, hoje, cerca de 726 mil encarcerados, mas as vagas disponíveis somam apenas 436 mil. Os atropelados números representam a superlotação dos presídios brasileiros. O recuperando Paulo dos Santos Silva, 35 anos, compara o sistema dos presídios convencionais ao método APAC. “No sistema comum é muito constrangimento para a família. Na APAC o tratamento é melhor, a gente vai aprendendo ‘devagarzinho’. Aqui a agente tem mais amor pelas pessoas.”, finalizou Paulo.
A pandemia em meio à reclusão
O distanciamento social se tornou a principal medida de prevenção à Covid-19, em meio ao atual cenário pandêmico. Ao tempo em que as mudanças de hábitos se estabeleciam na sociedade, o isolamento coletivo dos recuperandos da APAC também sofriam alterações. Além da suspenção de visitas, houve uma redução no quadro de funcionários voluntariados, para evitar contágio.
“As visitas, talvez tenham sido o maior prejuízo que a pandemia trouxe, não existe relatos ou registros de algum momento da história da APAC, onde o preso tenha sido privado das visitas familiares e visitas íntimas. Foi um episódio totalmente novo para nós”, relatou Yuri Cavalcante, presidente da APAC.
A reclusão em meio a pandemia distanciou ainda mais os recuperandos de seus familiares. Já são quatro meses sem visitas. O recuperando Mayron Jordan Santos de 22 anos, relata os dias difíceis após a suspensão das visitas. Emocionado, lamenta a morte da tia e da avó, que perdera nas últimas semanas. Ele finaliza a entrevista com um desejo: “quando eu sair daqui quero que as pessoas me olhem de forma diferente, não pelo fato de ter errado, mas pelo fato de ter me tornado uma nova pessoa.”, finalizou.
Por Mayrla Frazão