A sociedade acompanhou em 2019, a repercussão do caso Mariana Ferrer, vítima de estupro em dezembro de 2018 pelo empresário André de Camargo Aranha. Um contexto narrado em detalhes em suas redes sociais, onde Mariana apresenta as provas e relata toda a dor que sentira naquele, 15 de dezembro de 2018, após ser estuprada. A exposição do crime em suas redes sociais se deu quando Mariana notou que durante as investigações a polícia estava “protegendo o estuprador”, como contou no dia da quebra de silêncio.
Milhares de internautas se mobilizaram pedindo justiça por Mariana. As mensagens de solidariedade e revolta sobre o caso repercutiu de tal forma que o estuprador chegou a desativar as redes sociais. POUCO! Enquanto a passos lentos, a justiça ‘trabalhava’ nas investigações, Mariana sofria ameaças do jovem empresário, de classe média alta e a cor de sua pele? Deixo para vocês a interpretação.
Segue abaixo os primeiros relatos de Mariana sobre a noite do crime, postado em maio de 2019 em suas redes sociais, com a seguinte legenda: “Não irei me calar mais”, afirmou após denunciar que seu silêncio estava “protegendo apenas o estuprador”. Infelizmente, após perder sua conta no Intagram, um mês antes do julgamento do acusado, Mariana foi silenciada.
O julgamento
Nesse momento chegamos à segunda parte do pesadelo de Mariana Ferrer. Um momento de verdadeiras contradições da relação: Julgamento x Acusado, após um vídeo ao qual o The Intercept Brasil teve acesso do momento exato em que o advogado de defesa, Claudio Gastão da Rosa Filho, humilha a vítima. As cenas de horror são um verdadeiro retrato do tratamento de uma mulher, pelas lentes do machismo na sociedade, apontando a defesa do estupro às roupas que Mariana usava, à profissão que ela exercia e às fotos que tirava, antes de todo pesadelo.
Dentre tantos questionamentos sobre o julgamento, nos intriga pensar porque as provas apresentadas por Mariana contra o agressor são menos relevantes que as fotos dela, apresentadas pelo advogado de defesa durante o julgamento? A resposta está no argumento utilizado por todo abusador que enxerga a mulher como um objeto sexual entre quatro paredes, mas na sociedade exige um comportamento discreto, uma mulher contida.
Deste modo, não era o acusado quem estava sendo julgado, era Mariana, pagando o preço de ser mulher em um campo minado, em um ambiente completamente hostil, totalmente sozinha. Logo após, o choro veio e com ele um pedido: “excelentíssimo, estou implorando por respeito”, clamou aos prantos. Sim, implorar por respeito é de longe o maior absurdo que podemos presenciar, mas em nossa sociedade é banal. Sem efeito. Sem sentido. A resposta ao pedido partiu do Juíz de Santa Catarina, Rudson Marcos, um silêncio, diante dos ataques contra a vítima.
As cenas do final do julgamento não foram divulgadas, a saber, como Mariana encerrou este cenário de horror, é inimaginável.
A sentença
Ocorreu em setembro de 2020 o julgamento do caso. Inocentado pelo crime, André Aranha provavelmente receberá somente o alto preço da conta que pagará, após contratar o advogado mais caro de Santa Catarina, Claudio Gastão, para sua defesa. Para quem acompanhou o caso, seria essa, uma defesa sem rumo, causa perdida. Mas para quem conhece a justiça do Brasil é utópico imaginar que o jovem branco e rico seria preso por estuprar uma mulher.
Após quase um mês da sentença de absolvição do acusado, que apresenta, segundo o Ministério público, “a ausência de elementos probatórios capazes de estabelecer o juízo de certeza, mormente no tocante à ausência de discernimento para a prática do ato ou da impossibilidade de oferecer resistência, indispensáveis para sustentar uma condenação, decido a favor do acusado André de Camargo Aranha”, o caso volta a ganhar repercussão na sociedade advinda do termo “Estupro culposo”.
E assim segue a terceira parte do pesadelo de Mariana. Uma sentença firmada em interesses, interpretações que se distanciam das apresentadas pela vítima, firmada também na conclusão de um ministério que enxerga que só é bandido se for pobre, preto e da periferia. Mas não para por aí. Nesse momento iremos nos debruçar no termo mais comentado das últimas horas.
“Estupro culposo”: quando há intenção de proteger o estuprador
Após o “The Intercept Brasil” vincular a reportagem sobre as imagens e a sentença do acusado com o seguinte título: “Julgamento de influencer Mariana Ferrer termina com sentença inédita de ‘estupro culposo’ e advogado humilhando jovem”, muitos posicionamentos abordando questões sociais complementaram as discussões, em contrapartida, internautas comentavam sobre o “sensacionalismo” por parte do veículo ao utilizar o referente termo, pois alegavam “não haver menção do termo no processo”.
O fato é que, aceitando o argumento de que não houve intenção (dolo) do acusado, o promotor do caso Thiago Carriço de Oliveira se debruça sobre a seguinte argumentação: “como não foi prevista a modalidade culposa do estupro de vulnerável, o fato é atípico”, segundo o MP, ou seja, inexistente em termos de crime penal. O termo “culposo” é utilizado em casos de crimes não intencionais, mas em que momento da história uma pessoa estuprada sem intensão?
A reportagem do intercept resume no termo “Estupro culposo” os argumentos em defesa de um crime bárbaro. Mas a quem o judiciário insiste em querer enganar? O tratamento desigual de uma justiça que falha todos os dias no exercício do poder, recai, como de costume nas costas dos esquecidos, das minorias, dos mais fracos. No Brasil, um estupro é cometido a cada oito minutos, totalizando cerca de 180 casos todos os dias, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Ministério da Saúde.
Em meio a tantos casos, muitas são as ‘Mariana Ferrer’, que expuseram o agressor, mas a justiça foi pela contramão. As redes sociais deram voz a quem não era ouvido, há quem diga que trouxeram um fortalecimento da democracia, consequentemente da liberdade. Mas uma democracia se faz no “amplo e igual acesso aos meios necessários de participar na tomada de decisões sobre aquilo que afeta suas vidas”. Mariana não teve vez, nem voz diante do judiciário, que trabalhou juntamente com a defesa do réu, André de Camargo Aranha.
Por: Mayrla Frazão