“Estou desde 9h na Unidade Prisional de Viana, aguardando os alvarás de soltura dos Gamella (oito no total). A juíza de Viana enviou alvarás ontem as 21h. Precisamos que a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária agilize o envio dos Alvarás de Soltura para UPR de Viana.”, publicou Rafael Silva em suas redes sociais.
Entenda o caso
Na tarde da última quarta-feira (17), o povo Akroá Gamella, da Terra Indígena (TI) Taquaritiua, em Viana, Maranhão, “foi surpreendido com a chegada hostil de funcionários de uma empresa de energia elétrica, acompanhados de jagunços – que se identificaram como policiais. Há anos, essa empresa tenta, sem qualquer consulta e respeito aos indígenas, instalar torres e linhões de transmissão dentro da TI Taquaritiua, área que vive um moroso processo de demarcação pela Fundação Nacional do Índio (Funai) desde 2014”, noticiou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Na manhã de quinta-fera (18), vinte indígenas Akroá-Gamella foram presos. Ação é denunciada como “violenta” e “arbitrária” pelos Gamella, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Cimi. Celulares e equipamentos fotográficos, com as quais registravam a ação, foram tomados pelos policiais.
Diogo Cabral, advogado popular há 13 anos, descreve (em vídeo) como grave a escala de conflitos no campo no estado do Maranhão, a partir do avanço do agronegócio e complacência do governo estadual.
O Maranhão somou, em 2020, 133 áreas de conflito; 20.864 famílias afetadas e 22 ameaças de morte. O estado, governado por Flávio Dino (PSB), ocupa o lugar mais alto no triste pódio, com 1.772 ocorrências e o segundo lugar quando se fala de ocorrências envolvendo o desmatamento ilegal, com 17,7% do total. Os dados são do “Relatório Conflitos no Campo Brasil 2020”, produzido pela CPT.
Sobre o caso do povo Akroá Gamella, Diogo pontua: “A Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão (SEMA) licenciou passagem de linha de transmissão sobre o território indígena Akroá-Gamella sem realizar Consulta Livre, Prévia e Informada nos moldes da Convenção 169, aumentando o conflito que resultou na prisão de vários indígenas!”
“Eles chegaram aqui com bastante violência perguntando quantas pessoas tinha na casa…com as armas em punho, sempre com as pistola apontada pra gente… um dos policiais era muito agressivo e esse mesmo que machucou ainda o rosto de uma mulher indígena e de algumas outras pessoas também e jogou todo mundo no chão, sempre mandava as pessoa descer, deitar e pisava em cima.”
descreve uma das lideranças do povo Akroá Gamella.
No dia 18 de novembro a Secretaria de Segurança Pública/MA publicou a seguinte nota:
A SSP/MA informa que funcionários da Empresa Equatorial foram feitos reféns e tiveram dois veículos queimados, durante trabalhos realizados na zona rural do município de Viana/MA.
A Polícia Militar foi acionada e, ao chegar ao local, dois Policiais Militares foram feitos de reféns e as armas subtraídas. Os Policiais não reagiram, para evitar quaisquer confrontos. O reforço foi solicitado e os reféns devidamente resgatados e quatro autores conduzidos para a Delegacia Regional de Viana. As armas subtraídas foram recuperadas no final desta tarde.
Rafael Silva contesta: “A SSP-MA assumiu uma posição de criminalização dos Gamella, antes de os depoimentos terem sido tomados. É uma postura racista, autoritária e inaceitável.”
No mesmo dia uma nota também foi publicada pela Equatorial Energia:
Na condução da obra, os colaboradores foram abordados pelos indígenas Akroá-Gamella pedindo a paralisação da obra e a suspensão das atividades, e na manhã do dia 18/11 quando a empresa enviou colaboradores na tentativa de agendar uma reunião com a finalidade de entender os pleitos, os indígenas se exaltaram, mantiveram todos reféns por algumas horas, tomaram as armas dos policiais que foram chamados para tentar controlar a situação e atearam fogo nos veículos da concessionária. Um reforço foi solicitado e os reféns foram libertados sem ferimentos.
A Companhia, diante da situação exposta, de imediato suspendeu a obra até que os fatos sejam investigados pelos órgãos competentes, de modo a garantir a segurança de todos.
Na sexta-feira (19), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também se manifestou em nota:
Denunciamos que essa instalação da Equatorial está sendo feita ilegalmente, sem observação dos procedimentos legais que regem o Licenciamento Ambiental nos territórios indígenas. Há, no processo em disputa judicial entre Equatorial e o Povo Akroá Gamella, RECOMENDAÇÃO n° 3/2019/GAB/HAM/PR/MA, de 28 de janeiro de 2019, expedida pela Procuradoria Federal do Maranhão, que pontua a incompetência da Sema para expedir licenças de licenciamento ambiental:
O Ministério Público Federal, resolve, com fundamento no art. 6º, XX, da Lei Complementar 75/1993, RECOMENDAR à Secretaria de Estado do Meio Ambiente – Sema, na pessoa de seu Secretário Estadual, que: 1. Promova, no prazo de 10 dias, o declínio de atribuição quanto ao licenciamento ambiental da Linha de Subtransmissão Miranda – Três Marias, Circuitos 1 e 2, em favor do Ibama, encaminhando ao órgão ambiental federal, no mesmo prazo, o respectivo processo administrativo de licenciamento ambiental, para os consectários procedimentos.
Já no período da tarde, policiais militares, sem mandados e autos de prisão, dirigiram-se à aldeia Cajueiro, e colocaram, à força, algumas lideranças dentro da viatura. Durante a ação, os equipamentos de comunicação dos indígenas foram tomados pela polícia. É importante frisar que, apenas nesse momento, foi possível identificar os policiais militares, pois estavam utilizando fardamento e carros da polícia.
De forma arbitrária e truculenta, os policiais dispararam tiros próximo a uma escola. Crianças e idosos que estavam no local presenciaram o momento. A Polícia Militar de Viana, sem mandado, levou 16 indígenas Akroá Gamella – dentre eles três mulheres e um adolescente menor de idade, havendo, inclusive entre estes, uma mãe em lactação, que foi detida e levada com os outros indígenas para uma unidade prisional de Vitória do Mearim.
Frente às ilegalidades cometidas pela Equatorial Energia e pela Polícia Militar de Viana, o Povo Akroá Gamella interditou da rodovia MA 014 como forma de protesto. Em resposta, a polícia militar pediu reforços para o policiamento de Matinha e Pinheiro, e, em uma tentativa de desbloquear a estrada, atiraram com armas de fogo, balas de efeito moral e gás de pimenta. Além disso, os policiais intimidaram os indígenas, ameaçando de entrar nas aldeias.
Desde 2015, o Povo Akroá Gamella vem realizando denúncias aos órgãos públicos, deixando claro o interesse de invasão em seu território por linhões de energia. A CEMAR, hoje Equatorial Energia, realizou grande devastação no território para implantar um novo empreendimento de linhão de energia elétrica, sem realizar o devido licenciamento ambiental e consulta livre, prévia e informada – garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Além da denúncia, o Cimi Maranhão repudia a nota publicada pela Equatorial Energia, pois falta com a veracidade dos fatos sobre os processos de licenciamento por órgão competente e também por criminalizar o Povo Akroá Gamella ao dizer que “mantiveram reféns os colaboradores da empresa que, segundo eles, tentaram dialogar com o povo”. Importante ressaltar que as pessoas armadas que estavam no território coagindo o povo para a continuidade da implantação do linhão não tinham identificação como funcionários da empresa. Se a Equatorial Energia está com as licenças regularizadas, o que fazia a empresa com pessoas fortemente armadas dentro do território? Da mesma forma, repudia-se a nota da Secretaria de Segurança Pública uma vez que, somente quando a polícia adentrou o território, sem mandados, é que foram identificados enquanto policiais militares – com identificação, fardamento e carros da polícia.
No decorrer da madrugada do dia 18 para o dia 19, os aliados do Povo Akroá Gamella se esforçaram para conseguir a soltura dos 16 indígenas que foram presos – sem mandado e auto de prisão. A soltura de oito pessoas do povo foi concedida, mas a outra metade ainda continua presa. O Estado do Maranhão vem tentando, desde o massacre de 30 de abril de 2017 sofrido pelo Povo Akroá Gamella, criminalizar o povo. Os esforços do estado são para imputar as acusações de destruição de patrimônio e roubo qualificado aos indígenas que, além de sofrerem violentas abordagens, ainda se encontram em maioria presos.
Além de todas as denúncias abordadas na presente nota, o Cimi Maranhão conclama a sociedade a apoiar a luta dos povos pelo direito à vida e aos seus territórios e a repudiar toda forma de violência e genocídio que os povos indígenas passam neste momento no Maranhão e no Brasil. Exigimos a soltura dos oito Akroá Gamella que ainda permanecem presos e a imediata retirada das acusações que injustamente sofrem.