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domingo, dezembro 1, 2024

Este post não é sobre aborto… é sobre so.ro.ri.da.de.

Os últimos dias foram verdadeiramente aterradores para quem luta, entende e estuda as questões de gênero, para quem compreende, abraça e prática a sororidade e pra qualquer outra pessoa que tenha o mínimo de sensibilidade sobre a infância e sobre o que é ser menina/mulher em uma sociedade machista e misógina…

A mídia divulgou o caso da menina de 10 anos, estuprada desde os 6 anos pelo tio e talvez saiba se lá por quem mais, pois ao ser preso o estuprador afirmou que não era o único. Infelizmente casos assim são mais comuns que se imagina, tanto nas capitais quanto do nosso ladinho em um interior mais perto ou mais longe em que podemos encontrar casos e mais casos dessas atrocidades, ocasionando uma normalização perversa e justificativas estapafúrdias que culpabilizam a vítima.

No caso em questão menina, que teve sua infância roubada, engravidou aos 10 anos talvez em sua primeira ovulação. Fico imaginando o desespero dessa criança que não sabia o que acontecia com seu corpo, os primeiros meses de gravidez sem acesso a qualquer informação ou acompanhamento ginecológico.

Fico imaginando que doenças este estuprador pode ter passado pra ela, já que não usou uma preservativo sequer… Imagino as lacerações íntimas que ela deve ter sofrido, a dor que sentiu ao ser rasgada, no corpo e na alma, o sangue escorrendo pelas pernas, juntamente com as lágrimas no rosto, fico imaginando o medo que sentia ao ser ameaçada caso contasse para alguém, o desespero ao ter que está no mesmo lugar que o homem que a estuprava, no embrulho no estomago ao ter que comer ao seu lado tendo a necessidade de fingir que está tudo bem, de esconder os machucados.

Imagino essa menina sozinha, tendo que criar estratégias diárias para esquecer o que passava, fingir tanto e tanto até acreditar que isso não acontecia…, mas a gravidez, veio. Provando que tudo que ela passava ainda podia ser pior…

Contudo, não vou tratar do aborto, assegurado por lei nestes casos desde 1940 (Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940). Quero tratar aqui de como o machismo imprimiu marcas tão profundas em nossa sociedade que faz com que mulheres ataquem meninas. Mulheres como Sara Winter, que divulgou os dados pessoais da menina e o hospital em que ela foi levada para realizar o procedimento. Não contente em praticar mais um delito — já que a exposição de menor de idade, conforme a lei, é crime — Sara incitou a turba fanática a atacar, a apedreja e a difamar a menina. Calúnias compartilhadas por outras mulheres, que não apenas culpabilizam a menina por seu estupro, mas retiram seu status de criança.

Tais mulheres parecem esquecer como é um corpo e a mente de uma criança de 6 anos, não conseguem enxergar como uma menina foi tão brutalmente machucada, sem opção de se defender, ou ter o seu NÃO ouvido, ou aceito. Essas mulheres invisibilizaram a figura do homem estuprador!

Infelizmente elas padecem de mais uma triste marca que o machismo nos impõe, pois sim, o machismo enquanto ideologia de poder promove uma educação em que mulheres aprendem a ter medo, a se sentirem inferiores, a ter uma necessidade compulsiva de só ser completa se estiver atrás de um homem;

O machismo ensinou a inúmeras mulheres que não existe amizade verdadeira entre seu gênero, pois até isso seria qualidade masculina, o machismo ensinou que cada mulher é uma concorrente em potencial, alguém que está ali para lhes roubar o homem.

Quantas e quantas histórias já ouvimos de traições em que a única culpada é a mulher que roubou o marido da outra? De certa forma, sempre se há uma maneira de tirar a culpa dos homens. Durante gerações mulheres foram ensinadas implicitamente a julgar e inferiorizar outras mulheres, foram ensinadas a competir por um único prêmio: o homem.

Foram ensinadas a desejarem a ter mais filhos que filhas, foram ensinadas a acreditar que a culpa é sempre da mulher independente de sua idade…, pois afinal quando se trata de sexo a mulher é sempre culpada, por sua roupa, por suas palavras, culpada simplesmente por ser mulher…

Quando eu finalmente eu percebi isso, eu chorei! Chorei por todas as minhas ancestrais, chorei por todas às vezes em que fiz isso, chorei por todas as amigas que podia ter tido e que o machismo me impediu, chorei por cada mulher que deve ter feito a mesma coisa que eu fiz e continuo chorando por cada mulher que ainda não percebeu, como esta ideologia se apossa e controla sua vida.

Choro por cada mulher que eu tenho que combater, pois, reproduzem o machismo ensinado nas relações de poder, às vezes com mais força e determinação que muitos homens. Mas não se enganem! o choro não paralisa, ao contrário, mesmo com lágrimas nos olhos devemos lutar por uma educação anti-machista! Ensinando e compartilhando às novas (e as antigas também) gerações os ideais de SORORIDADE, palavra tão linda, mas tão pouco divulgada e menos ainda praticada.

A palavra Sororidade vem do latim sóror, que significa IRMÃS, mas o conceito é muito mais amplo e podemos dizer que, na prática significa a empatia e união entre mulheres. Representa qualquer apoio que se possa dar a todas as mulheres que precisam, que conhecemos e que não conhecemos, representa reconhecer e agradecer a todas as mulheres que já lutaram pela irmandade antes de nós, apoiar todas que permanecem lutando e defender as que ainda virão.

Com a sororidade não teríamos mulheres fanáticas terroristas divulgando o nome da criança estuprada e o local em que ela estava sendo tratada. Se tivéssemos mais sororidade não teríamos o hospital em que ela fazia o procedimento, altamente invasivo, doloroso e perigoso, sendo atacado com outras mulheres gritando que a menina iria por inferno.

Com sororidade mais e mais mulheres se colocariam no lugar daquela criança e chorariam a sua dor e se levantariam para denunciar todas as mazelas em que meninas e mulheres passam diariamente.

Com sororidade mais e mais mulheres lutariam por direitos e proteção de meninas e mulheres…

Felizmente, a despeitos de todos os impeditivos contra a SORORIDADE existe! E ela crescerá, porque sempre existirão mulheres corajosas, professoras, alunas, amigas, irmãs e tantas outras que praticam e compreendem a necessidade em se compartilhar não só o conceito, mas a própria prática sóror. Então, você que ler este texto. Ajude-nos! Compartilhe este ideal para que um dia não haja mais comentários de mulheres terroristas ou ministras machistas em nosso mundo.

Por Nila Michele Bastos Santos – Historiadora, psicopedagoga, especialista em Formação de Professores. Mestra em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. Professora do Instituto Federal do Maranhão IFMA – Campus Pedreiras. Coordenadora Geral do NEABI – IFMA / Campus Pedreiras e do LEGIP – Laboratório de Estudos em Gênero do Campus Pedreiras

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3 COMENTÁRIOS

  1. É isso mesmo, companheira Nila! Ótima reflexão, urgente e necessária nos tempos sombrios que vivemos!
    Eu também acredito que a sororidade é uma prática imperativa de empatia e proteção mútua que podemos, e devemos, praticar entre nós, mulheres. E espero, sinceramente, que muitas outras mulheres despertem para não continuar a serem algozes de si próprias e de nossas irmãs. E por irmãs, me refiro a todas aquelas meninas e mulheres que estão aí vivendo o seu cotidiano buscando e lutando por mais dignidade, respeito, qualidade de vida, visibilidade e reconhecimento no papel e lugar que ocupam.
    E reitero que somente por meio de uma Educação emancipadora e libertadora que poderemos re-pensar esse machismo e misoginia estrutural. Daí a relevância de debatermos e refletirmos conjuntamente, em especial, com as nossas estudantes da educação básica no âmbito escolar, sobre a questão da educação sexual como estratégia e mecanismo de defesa contra toda forma de abuso e ataque. Digo isto também porque na minha experiência de formação acadêmica tive a oportunidade de trabalhar na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), em São Luís, durante quase dois anos e, infelizmente, presenciei o registro e combate a este tipo de situação, a exploração e abuso sexual contra crianças e adolescentes. E desde lá, lembro da luta das psicólogas e assistências sociais explicando sobre a necessidade de ações preventivas no cenário escolar.
    Porque infelizmente essa criança, assim como tantas outras, que teve e tem suas existências ultrajadas, carregarão para sempre consigo as marcas destes estupros e falta de assistência. E pensar que esta poderia ter sido uma situação evitável se, desde cedo nas escolas, houvesse um diálogo e orientação franco e aberto sobre a questão da sexualidade destas crianças e jovens. Diálogo, logicamente, adaptado a cada fase de desenvolvimento psicossocial. Assim teríamos ao lado dessas meninas e meninos, tanto profissionais da área da educação, como da assistência social, na tentativa de desmobilizar essas redes de abuso e exploração que, majoritariamente, ocorrem no seio familiar. Pensada como ação estratégia e política pública de assistência à infância e juventude, a educação sexual nas escolas certamente detectaria e preveniria tais situações antes que elas ocorressem. Somente desta maneira, afirmo – com toda certeza – que episódios infelizes como estes poderiam ser mesmo erradicados. Enquanto isto, seguiremos fazendo o nosso melhor por meio da Educação, pela prática da sororidade e empatia a fim de promover cidadãos mais solidários e reflexivos sobre o seu papel socio-histórico. Avante, companheira/s, Avante!

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