Esta reflexão inicia, propositivamente, contando um pouco sobre a minha experiência com a cidade de Pedreiras, que efetivamente se inicia, em 2017, após aprovação em concurso público, quando passo a ser docente do Instituto Federal do Maranhão, Campus Pedreiras.
Desde então, procurei me estabelecer o mais próximo possível do trabalho, afinal me empenharia, em dedicação exclusiva ao IFMA, para atuar como professora de Sociologia. De cara, eu e duas outras professoras do campus, alugamos uma casa em um bairro adjacente, chamado Parque Henrique. Bom, e de lá pra cá, passados já três anos, atualmente resido no bairro do Diogo, localidade que escolhi para me estabelecer permanentemente com o intento de continuar o mais próximo possível do local de trabalho.
“E eu com isso?” Alguém poderia interpelar. Explico.
O breve relato dessa trajetória inicial e atual vivência irá convergir com o episódio ocorrido na manhã desta segunda-feira (31.08.2020), sobre a interdição da MA 381, por moradores da Rua Correntes, do bairro Diogo. Isso porque, primeiramente, me solidarizo e estendo meu total apoio à reivindicação feita por estes agentes sociais. Estes que buscavam ali, no ato, por uma condição mínima e digna de existência frente à reinvindicação para asfaltamento da Rua da Corrente que, assim como a própria MA 381, está em péssimas condições de infraestrutura e acessibilidade. Segundo, porque conheço as vias próximas, em especial, a que dá acesso ao IFMA. Pois rotineiramente ia até o campus, a pé ou de bicicleta, porque era bem pertinho, e a depender da estação, “comendo” muita poeira ou com os pés e roupas impregnados pela lama. Realidade de muitas ruas adjacentes, assim como da Rua da Corrente.
Sendo caminho e passagem para muitos, esta e outras vias, se apresentam em péssimas condições de trafegabilidade, infligindo mal estar, prejuízos e, mesmo, danos à saúde daquelas pessoas que vivem próximo à área. Pois, quando não se tem muita poeira, em tempo seco, se tem muita lama, em período chuvoso, como dito anteriormente. E olha que pelo tempo que estou na cidade já pude perceber a luta que a comunidade enfrenta por uma melhoria estrutural das vias e do bairro como um todo. Lembrando que a discussão aqui não é sobre a área de abrangência e competência de governos, ou seja, se a via é local, competência do município, se a via é uma rodovia estadual, competência do Estado. Isso está claro! A reflexão aqui é sobre a capacidade de mobilização social dos moradores do bairro Diogo.
Voltando. Agora pense comigo! Se quem está de passagem já sofre com a má condição da rua, imagina o que passam os moradores nessa condição de vulnerabilidade? É então, quando percebo a invisibilidade e descaso com um bairro que, historicamente, foi constituído como periférico e marginalizado. Porém, especialmente, com a inauguração do prédio do IFMA, em dezembro de 2016, se notou um aumento expressivo do fluxo de pessoas e veículos por toda aquela área, o que demandou, e tem demandado, muito mais da questão infraestrutural daquela localidade.
Dito isto, e a partir do episódio citado, passei a analisar brevemente os meandros da ação mobilizatória de interdição da MA 381, enquanto fenômeno social, e a perceber a capacidade de articulação política do grupo, a estratégia e a finalidade do ato. Segundo relatos, feitos pelos próprios moradores, o ato teve o objetivo de cobrar o cumprimento de uma promessa feita, pela gestão municipal, que seria o asfaltamento da Rua da Corrente. A estratégia? A interdição da referida rodovia estadual, seguida do estouro de foguetes para chamar a atenção para o cenário orquestrado em uma segunda-feira pela manhã.
E sim, o protesto tratou de uma reivindicação legítima, necessária e urgente e foi uma consequência da não atenção da gestão municipal às demandas reiteradas encaminhadas pelos moradores da localidade. E sim, aquele ato contestatório trouxe certo prejuízo momentâneo e pontual para os transeuntes, mas nada comparado com o prejuízo de toda uma vida estruturada por um certo tipo de descaso social. Apesar de, particularmente, acreditar que a ação pudesse ter sido mais efetiva se fosse direcionada e incomodasse, de forma objetiva, justamente os alvos do protesto. Mas enfim! Controvérsias e estratégias à parte, devemos voltar o olhar a esta situação com o intuito de endossar o coro, apoiar e visibilizar a demanda dos silenciados e invisibilizados históricos deste bairro. Afinal, aqueles moradores buscavam vocalizar a necessidade da melhoria das suas condições de vida por meio do acesso mínimo a um saneamento básico. E todos têm esse direito!
E depois de todo o ocorrido é triste perceber que ainda se precisa lutar por questões mínimas e que deveriam ser ações obrigatórias dos governantes. Por este episódio, protagonizado por parte dos moradores do bairro Diogo, vejo, por um lado, uma certa drenagem da força de vida destes agentes sociais por questões tão imediatistas e sazonais, ainda que legítimas, e por outro, a força e organização para a luta e o enfretamento, porque justamente para estas pessoas, hoje, não lhes restou outra opção a não ser se mobilizar por meio deste ato público contestatório.
E é interessante avaliar que apesar de certa precariedade vivida, a comunidade se articulou estratégica, solidária e esperançosamente em prol de um objetivo comum. A exemplo desta “astúcia” – estratégia de mobilização – se tem a reivindicação da promessa próximo ao período de campanha eleitoral. Digo “astúcia”, de modo positivado, porque tais agentes sabem como o enredo político-partidário, infelizmente, se engendra e por terem ciência de como o período se constitui como “delicado” à determinadas candidaturas, isso faz com que possam melhor aproveitar o período como oportunidade para tirar um “bom proveito” coletivo. Os moradores apoiam-se também na esperança: primeiro, para que se faça cumprir, minimamente, as promessas empenhadas outrora, segundo, pela expectativa para realização das promessas futuras. Percebam, como apesar das dificuldades, lutas e desilusões, os agentes sociais não perdem de vista a estratégia, a esperança e a força para se moverem?
Será que essa comunidade tem total consciência e percepção da sua capacidade de mobilização e do poder que detêm para mudar o cenário político-social, tanto em âmbito micro, como macrossocial?
Eu acredito que a consciência dessa potencialidade faria com que estes agentes mobilizados não precisassem se restringir às ações pontuais e passageiras (visto que não sabemos até quando vai durar o futuro – possível – asfalto). E se se enxergassem em toda a sua capacidade de articulação? Será que não poderiam melhor cobrar os gestores municipais, e de outras esferas, para cumprimento de políticas públicas efetivas, e não-voláteis, sem ter que aguardar o próximo período de campanha eleitoral?
Por fim, reitero que toda forma de mobilização e articulação pela defesa de direitos é legítima e necessária, afinal só quem sofre – com a omissão oriunda da falta de planejamento e implementação de políticas públicas – é quem pode mensurar as consequências da desassistência social estatal. E vale lembrar que, histórica e sociologicamente, nenhum direito foi voluntariamente outorgado ao povo, a não ser por meio de lutas que culminaram em conquistas sociais.
A oportunidade deste episódio deve então nos incitar a criar um novo hábito, o da mobilização ativa, constante e estratégica. O ideal seria que não se precisasse lutar por uma melhoria passageira, ou mesmo estrutural, mas sim, que a iniciativa partisse daqueles que ascendem ao poder realizando as promessas de compromisso e solidariedade com a coisa pública e com o povo.
O que temos feito para acompanhar (as)os representantes, por nós eleitos(as), a fim de cobrar – em qualquer tempo – as propostas para melhoria das condições, meios e modos de vida dos diversos grupos sociais? O que temos feito para mudar os cenários que nos afligem socialmente? Deixo aqui essa provocação reflexiva para que conjuntamente façamos melhores escolhas, quanto aos representantes políticos, e criemos caminhos ativos e solidários de organização e mobilização social.
Por Andréa Cristina Pereira Serrão, Socióloga, Especialista em Psicopedagogia e Sociologia, Mestra, na área de Antropologia Política, pelo Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia (UEMA). Prof.ª de Sociologia do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) – Campus Pedreiras. Integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI).
Ler o texto da professora Andréa Serrão é um alento em meio a um momento de tantas tristezas. Alento porque mostra que, mesmo enfrentando uma pandemia, os (as) moradores (as) do bairro Diogo foram às ruas fazer valer os seus direitos. Essa análise cuidadosa de uma intelectual que dialoga com o seu entorno e que tem consciência do seu lugar no mundo, André destaca a força de resistência dos agentes sociais e amplia sua visão ao trazer outras possibilidades. Sugiro que o jornal a convide para ser colunista. Já fiquei fã.
Companheira, Valéria, fico lisonjeada com tua contribuição e análise à reflexão que pude trazer até aqui! De fato, situações e circunstâncias como estas nos fazem refletir sobre a capacidade de resistir e de cultivar a esperança mesmo em meio a tempos de exceção e descaso social como a que vivenciamos conjunturalmente agora no país. Muito Obrigada pelo comentário!
Excelente, texto Andréa.
Faz parte de nosso papel social. Diante de convites assim não podemos nos negar. Enquanto servidores públicos, cientistas e profissionais da educação, não podemos nos furtar a emitir opiniões ou ainda escrever de forma séria e compromissada. As reflexões e debates aqui levantado são salutares e eu destaco principalmente esta sua fala:
“A oportunidade deste episódio deve então nos incitar a criar um novo hábito, o da mobilização ativa, constante e estratégica” .
Esta mobilização consciente e crítica! engajada e constante só é de fato percebida a partir da educação, educação esta que sofre ataques constantes de politicos inescrupulosos que desejam retirar as disciplinas que propõem e levantam esses debate.
Felizmente temos profissionais militantes, como você, que permanence na luta por uma educação reflexiva, crítica, apartidária, mas nunca despolitizada, como deve ser!
É nosso papel! Nossa responsabilidade.
Parabéns, companheira!
É isto mesmo, Nila! Agradeço demais a parceira para a construção deste, e outros episódios, de forma reflexiva e responsável!
O nosso compromisso é com a Educação, inclusiva e engajada. Vislumbramos as pessoas, ou seja, a comunidade interna e externa do IFMA, pois devemos ter um compromisso social e político sim, mas desprendido de qualquer interesse privatista e jogo partidarista instrumental. Seguimos na luta pela Educação! Avante!
Antes de mais nada parabéns professora Andrea pelo excelente texto e deixar aqui meu relato de quando cheguei aqui na cidade,desde que me mudei para Pedreiras em 2016,dia 8 desse mês faz 4 anos,observei a situação dessa região a estrada já era ruim,asfalto se despedaçando cheio de buracos e o campus ainda não estava funcionando no predio atual e a história naquele tempo se repetiu,passou o trator para tirar o asfalto ruim e deixar o “chão de terra batido” trazendo como consequência poeira e sujeira para os moradores da região,benefício não vemos nenhum para os moradores,benefício foi apenas para quem só trafega na via,que a população não esqueça em quem votou,porque quem foi votado esqueceu essa região da cidade,eleições estão chegando,quem for eleito olhe com carinho para esse bairro que nós por muito tempo chamamos de casa.
Obrigada por sua contribuição, companheiro Cleiton! Infelizmente é histórico e social a construção de um tipo de jogo político pautado em interesses de elites e grupos privilegiados, uma arquitetura de interesses, muitas vezes, calcadas em disputas partidaristas e de ego, enquanto o povo fica relegado ao esquecimento e a invisibilidade. Por isso é tão relevante valorizar e incitar o cenário público do debate e da mobilização popular a fim de pensar melhorias sociais que transcendam a perspectiva privatista que só pensa em conveniências, poder, prestígio e dinheiro.