Uma equipe pequena, três possíveis resultados para a eleição em Pedreiras (MA) e uma missão: narrar a apuração pela ótica dos bastidores de uma das campanhas. Não temos bola de cristal e no contexto em questão precisamos fazer, também, nossas apostas. As vezes conseguimos prever, noutros momentos, como diz o ditado, o tiro sai pela culatra. Vencedora ou não, não voltaríamos para casa sem uma história para contar. Essa é sobre uma festa que não começou.
Durante a correria da cobertura, lá e cá, freia e acelera, lembrei-me que sou também eleitor. Votei um pouco antes das 17h, marco para o fim da votação do dia 15 de novembro de 2020. Dela derivaria o destino administrativo de uma cidade que beira os 40 mil habitantes. Cheguei em casa e tratei de ligar para o candidato a prefeito pelo Partido Social Cristão (PSC), Dr. Humberto Feitosa. “Estou indo para a casa de minha irmã, em 30 minutos”, disse ele, referindo-se à casa de Lindalva Feitosa, sua irmã, lugar para onde iria a fim de acompanhar a apuração dos votos.
Não foi difícil achá-la entre os muitos casarões localizados no bairro Primavera. Uma porta aberta me recepcionou e ao entrar por ela, deparei-me com uma cena que faria sentido horas depois. Era a voz da Pra. Odete de Sousa Moreno Andrade (candidata a vereança pelo partido Liberal- PL) que ecoava pelo recinto, numa área ampla a céu aberto. As cabeças, contudo, miravam o chão durante oração. “Não nos consideramos derrotados”, foi esse o tom da fala quando a apuração sequer havia começado. De fato, o cenário com a qual me deparei se achava desprovido do entusiasmo tão latente, em especial pelos apoiadores de Dr. Humberto nos grupos de WhatsApp. Havia algo estranho no clima, nas faces e não, não era o brilho da vitória.
“Será nossa vitória ou livramento”, diz Conceição de Maria Feitosa Oliveira (Ceiça), vereadora cujo mandato não fora renovado, já prevendo uma possível derrota de seu irmão.
Dois homens tratam de trazer as caixas de som. O resultado começaria a ser divulgado em alguns minutos. A transmissão ouvida foi a da FM Cidade de Pedreiras, emissora de rádio acusada pelos partidários de Dr. Humberto, de favorecer a campanha de Vanessa Maia (Solidariedade). É parte do Sistema Cidade de Comunicação, gerida por Klebinho Branco, que há quatro anos atrás, amargou, juntamente com Dr. Humberto, derrota para Antônio França, eleito em 2016 prefeito de Pedreiras. Esqueçam ideologia, não é essa a massa que move as peças do xadrez na política local.
O início da apuração aproximou os presentes de uma grande mesa de vidro. Em paralelo ao que era expresso no rádio, os olhos tratavam de apurar às más novas que surgiam nas redes sociais. A face de Priscila Louro, também presente, reluzia antecipadamente a derrota que se concretizaria. Dr. Humberto, por sua vez, achava-se calado, buscando demonstrar equilíbrio, ainda que o cenário não lhe pintasse uma obra de arte.
“Alexandre Assaiante O4 votos, Pr. Odaías 01 voto, Dr. Humberto 54 votos, Antônio França 89 votos, Dr. Walterby 03 votos e Vanessa Maia 73 votos. As três urnas do Branca de Neve”, contabiliza Klebinho Branco, durante apuração.
“A pessoa se vende”, alega uma eleitora, questionando a moralidade do resultado, que segundo ela, seria consequência da compra de voto.
“Em nenhuma das sete Humberto ganhou”, frisa o jornalista Sandro Vagner, que integrou a equipe de profissionais responsáveis pela divulgação do resultado por parte da FM Cidade. No recinto o desânimo se ampliava, tanto quanto as porcentagens de votos da primeira-dama de Trizidela do Vale.
“Acho que ainda temos chance”, exclamou Ceiça, que parecia portar, no celular, uma realidade paralela, longe dos percentuais apresentados no rádio.
“35,93% para Vanessa, 30,76% para Dr. Humberto, 27,95% Antônio França”, destacou Klebinho, a partir da primeira atualização no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Aí estava desenhada uma sina que não mudaria. Dr. Humberto e os seus sabiam disso. Tanto que o teor das conversas no sentido de uma virada começaria a mudar nas horas seguintes, dando lugar à conjecturas. A derrota se desenhava e precisava de um culpado.
A divisão estava formada: de um lado apoiadores que se entregavam ao desânimo, do outro quem rejeitava qualquer possibilidade de um resultado que não consagrasse Dr. Humberto como vencedor. “Nem que seja com um voto nós vamos ganhar”, disse uma eleitora. O resultado passou longe disso.
Se a festa não tinha começado, também não havia acabado. Ainda era cedo, julgavam, para qualquer definição do pleito. De todo modo, cervejas compradas serviriam na vitória e na derrota. No caso dos partidários de Dr. Humberto, a ressaca veio mais cedo. O médico a sentiu, mesmo havendo rejeitado ingerir bebida alcoólica naquele momento.
“O resultado do fator França”, diz Dr. Humberto com as mãos em meus ombros. O culpado de sua derrota fora encontrado: aquele que no resultado ocupava o terceiro lugar. O líder que vestia verde acreditava que a derrota se daria por conta da não desistência de Antônio França (DEM), cuja não reeleição, nas urnas, já era cantada por muitos.
Ceiça, entre idas e vindas, achou um culpado diferente, a urna eletrônica, passando a questionar sua eficiência.
Um pouco mais distante se achava dona Lindalva, cuidando de outras demandas. Só se envolveria com as questões políticas daquela noite horas depois. “Pode ficar à vontade”, disse-me.
Os minutos avançavam, o cachorro da casa latia e nenhum novo percentual era divulgado. O que havia acontecido? Pergunta feita por quem divulgava e pelos que esperavam. “Houve um atraso na totalização dos resultados por força de um problema técnico que foi exatamente o seguinte: um dos núcleos de processadores do supercomputador que processa a totalização falhou e foi preciso repará-lo”, explicou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ainda na noite do dia 15.
Nessa altura, Dr. Humberto já tinha ido para um canto mais reservado. Na parede, lhe servindo de plano de fundo, um quadro da Santa Ceia. Ao lado, uma Bíblia de páginas envelhecidas, aberta no capítulo 14, do livro de Provérbios.
“Estou indo para casa de papai”, diz Priscila Louro, visivelmente desapontada ao adentrar um espaço que antes era tão somente do seu cabeça de chapa. “A nossa assessoria foi fraca”, exclama, apontando para uma culpa interna. “Que falta o Serapião fez numa campanha”, acrescenta evocando a figura do irmão. Para a filha do ex-prefeito Raimundo Louro, o dinheiro definiu o pleito, cujo resultado deixará profundas sequelas políticas para seu clã.
“Esquema bem feito”, acusa uma jovem apoiadora, queixosa pela falta, segundo ela, de uma organização para fiscalizar ações de compra de voto da chapa opositora.
“E aí Doutor, vai largar a política?”, indaga Maria José Maranhão Maciel, ocupando um espaço à mesa. Dr. Humberto opta pelo silêncio. O momento lhe requeria uma sofrida e lenta digestão da derrota, confirmada por um dos articuladores de sua campanha.
Num ambiente marcado por incertezas, certo mesmo só o churrasco proposto por Priscila à parte dos que estavam presentes. “E não aceitem provocação de ninguém. Digam: eu não vivo de prefeitura”.
E continuou:
“Se ficar eu, Dr. Lenoilson, Dr. Humberto e papai, cada qual fazendo um pouquinho, na sua profissão, teremos um grupo unido e um grupo de trabalho para ir para a rua. Não adianta não termos um grupo. Tem que ter grupo e dinheiro”, exclama Priscila Louro, com evidente convicção, quando Dr. Humberto, pensativo, já havia optado pela solidão de um quarto branco. Apoiado por Raimundo Louro e Lenoilson Passos, dividirá com eles o fardo da seguinte pergunta: “vai largar a política?”.
Por Joaquim Cantanhêde
Que texto, que cobertura! Parabéns!